São Paulo, domingo, 01 de novembro de 2009

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+(L)ivros

Poder de fogo

"Comércio e Canhoneiras" aponta influência dos EUA na nascente República brasileira, no fim do século 19

JOSÉ MURILO DE CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

A narrativa clássica da Proclamação da República [1889] busca conciliar as rivalidades distribuindo papéis entre os principais atores. Deodoro da Fonseca seria o proclamador, Benjamin Constant, o fundador, Floriano Peixoto, o consolidador.
O livro do historiador norte-americano Steven C. Topik, recém-lançado com o título de "Comércio e Canhoneiras -Brasil e Estados Unidos na Era dos Impérios (1889-97)", mostra que falta um personagem importante nessa peça, os Estados Unidos da América do Norte. O livro demonstra o importante papel desempenhado pelo governo e os empresários desse país na sobrevivência da República.
Steven Topik já dera importante contribuição à história da Primeira República no livro "A Presença do Estado na Economia Política do Brasil de 1889 a 1930" [Ed. Record, esgotado].
No novo texto, aprofunda a análise dos primeiros anos do novo regime, dando ênfase à dimensão internacional dos eventos.
Com base em vasta pesquisa nos arquivos históricos dos vários países envolvidos, extrai uma narrativa que entrelaça de maneira hábil fatores econômicos e políticos e ação humana, sem cair em reducionismos. Como a anterior, sua nova obra alinha-se entre as melhores contribuições de brasilianistas norte-americanos, como Stanley Stein e Warren Dean.

Expansão e interesses
Um dos pontos altos de "Comércio e Canhoneiras" é o exame da conjuntura política norte-americana no momento da Proclamação da República. Havia grandes debates sobre como resolver o problema da limitação do mercado interno para uma economia em expansão. Uma das opções era conquistar mercados externos, aumentando o intercâmbio e a influência sobre os países da América Latina.
Com essa finalidade, o secretário de Estado James Blaine, irlandês e anglófobo, convocou uma conferência pan-americana em outubro de 1889. Seus melhores aliados na iniciativa foram seus amigos Charles Flint, um aventureiro e comerciante de armas e borracha, e Salvador de Mendonça, cônsul brasileiro em Nova York e representante do país na conferência pan-americana, casado com uma americana e totalmente integrado no país. Blaine queria convencer os vizinhos a assinarem tratados comerciais de reciprocidade.
Nesse ínterim, deu-se a Proclamação da República. Os interesses econômicos e políticos dos EUA coincidiram com os do novo governo. Os americanos queriam o apoio do Brasil na conferência e a assinatura de um tratado de comércio.
O novo governo via-se em situação angustiante. Surgido de um golpe militar, mal recebido em toda a Europa, ameaçado pela oposição monarquista e por conflitos entre os próprios republicanos, necessitava desesperadamente de reconhecimento por um país importante. Visando a assinatura do tratado e temendo a interferência europeia, os EUA reconheceram o governo, fato recebido com festa no Rio. Falou-se mesmo que Blaine teria enviado US$ 2 milhões para ajudar Deodoro da Fonseca [primeiro presidente brasileiro].

Diplomacia dos canhões
O momento crucial nas relações entre os dois governos verificou-se, no entanto, em 1894, durante a Revolta da Armada [no Rio de Janeiro]. Floriano Peixoto [segundo presidente do país] via-se em situação crítica, ameaçado que era na capital pela Marinha de Guerra, no sul pela revolta federalista que já chegara a Santa Catarina, e no front externo pela iminência do reconhecimento dos rebeldes como beligerantes pelas potências europeias, cujos navios patrulhavam a baía de Guanabara.
Foi então que, sob pressão de Mendonça sobre o governo americano, agitando o risco da restauração e da interferência europeia, que violaria a Doutrina Monroe [documento promulgado em 1823 pelos EUA em oposição às pretensões neocolonialistas da Europa nas Américas], que o almirante Benham interveio na luta contra os rebeldes.
Ao mesmo tempo, Mendonça e Flint organizavam nos EUA uma nova esquadra para enfrentar a Marinha rebelada. Um tanto folclórica e ridicularizada, a esquadra despertou grande medo graças às notícias sobre um novo canhão que disparava dinamites. Com as duas ajudas, Floriano Peixoto venceu a revolta, salvou seu governo e, talvez, a República. Em troca, teria prometido a Benham convocar eleições.
Steven Topik vê nos episódios uma reafirmação da Doutrina Monroe, agora dirigida contra qualquer interferência externa nas Américas, baseada na diplomacia das canhoneiras e uma preparação da diplomacia do dólar. O império nascente abria as asas sobre nós.
De maneira pitoresca, Eduardo Prado [autor do livro "A Ilusão Americana", publicado em 1893] lembrou a propósito um episódio revelador. Em homenagem prestada nos EUA a Benhan por sua atuação no Rio, o almirante afirmou que a amizade entre seu país e o Brasil era baseada no respeito "com pequena dose de algo mais". A plateia caiu na gargalhada.


JOSÉ MURILO DE CARVALHO é historiador, professor aposentado da Universidade Federal do Rio de Janeiro e membro da Academia Brasileira de Letras.

COMÉRCIO E CANHONEIRAS - BRASIL E ESTADOS UNIDOS NA ERA DOS IMPÉRIOS (1889-97)

Autor: Steven C. Topik
Tradução: Angela Pessoa
Editora: Companhia das Letras (tel. 0/ xx/ 11/ 3707-3500) Quanto: R$ 63 (52o págs.)


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