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+(L)ivros
Poder de fogo
"Comércio
e Canhoneiras"
aponta
influência
dos EUA
na nascente República brasileira,
no fim
do século 19
JOSÉ MURILO DE CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
A narrativa clássica
da Proclamação da
República [1889]
busca conciliar as
rivalidades distribuindo papéis entre os principais atores. Deodoro da Fonseca seria o proclamador, Benjamin Constant, o fundador, Floriano Peixoto, o consolidador.
O livro do historiador norte-americano Steven C. Topik, recém-lançado com o título de
"Comércio e Canhoneiras
-Brasil e Estados Unidos na
Era dos Impérios (1889-97)",
mostra que falta um personagem importante nessa peça, os
Estados Unidos da América do
Norte. O livro demonstra o importante papel desempenhado
pelo governo e os empresários
desse país na sobrevivência da
República.
Steven Topik já dera importante contribuição à história da
Primeira República no livro "A
Presença do Estado na Economia Política do Brasil de 1889 a
1930" [Ed. Record, esgotado].
No novo texto, aprofunda a
análise dos primeiros anos do
novo regime, dando ênfase à
dimensão internacional dos
eventos.
Com base em vasta pesquisa
nos arquivos históricos dos vários países envolvidos, extrai
uma narrativa que entrelaça de
maneira hábil fatores econômicos e políticos e ação humana, sem cair em reducionismos.
Como a anterior, sua nova
obra alinha-se entre as melhores contribuições de brasilianistas norte-americanos, como
Stanley Stein e Warren Dean.
Expansão e interesses
Um dos pontos altos de "Comércio e Canhoneiras" é o exame da conjuntura política norte-americana no momento da
Proclamação da República.
Havia grandes debates sobre
como resolver o problema da limitação do mercado interno
para uma economia em expansão. Uma das opções era conquistar mercados externos, aumentando o intercâmbio e a influência sobre os países da
América Latina.
Com essa finalidade, o secretário de Estado James Blaine,
irlandês e anglófobo, convocou
uma conferência pan-americana em outubro de 1889.
Seus melhores aliados na iniciativa foram seus amigos
Charles Flint, um aventureiro e
comerciante de armas e borracha, e Salvador de Mendonça,
cônsul brasileiro em Nova York
e representante do país na conferência pan-americana, casado com uma americana e totalmente integrado no país.
Blaine queria convencer os
vizinhos a assinarem tratados
comerciais de reciprocidade.
Nesse ínterim, deu-se a Proclamação da República. Os interesses econômicos e políticos
dos EUA coincidiram com os
do novo governo. Os americanos queriam o apoio do Brasil
na conferência e a assinatura
de um tratado de comércio.
O novo governo via-se em situação angustiante. Surgido de
um golpe militar, mal recebido
em toda a Europa, ameaçado
pela oposição monarquista e
por conflitos entre os próprios
republicanos, necessitava desesperadamente de reconhecimento por um país importante.
Visando a assinatura do tratado e temendo a interferência
europeia, os EUA reconheceram o governo, fato recebido
com festa no Rio. Falou-se
mesmo que Blaine teria enviado US$ 2 milhões para ajudar
Deodoro da Fonseca [primeiro
presidente brasileiro].
Diplomacia dos canhões
O momento crucial nas relações entre os dois governos verificou-se, no entanto, em 1894,
durante a Revolta da Armada
[no Rio de Janeiro].
Floriano Peixoto [segundo
presidente do país] via-se em
situação crítica, ameaçado que
era na capital pela Marinha de
Guerra, no sul pela revolta federalista que já chegara a Santa
Catarina, e no front externo pela iminência do reconhecimento dos rebeldes como beligerantes pelas potências europeias, cujos navios patrulhavam a baía de Guanabara.
Foi então que, sob pressão de
Mendonça sobre o governo
americano, agitando o risco da
restauração e da interferência
europeia, que violaria a Doutrina Monroe [documento promulgado em 1823 pelos EUA
em oposição às pretensões neocolonialistas da Europa nas
Américas], que o almirante Benham interveio na luta contra
os rebeldes.
Ao mesmo tempo, Mendonça e Flint organizavam nos
EUA uma nova esquadra para
enfrentar a Marinha rebelada.
Um tanto folclórica e ridicularizada, a esquadra despertou
grande medo graças às notícias
sobre um novo canhão que disparava dinamites. Com as duas
ajudas, Floriano Peixoto venceu a revolta, salvou seu governo e, talvez, a República.
Em troca, teria prometido a
Benham convocar eleições.
Steven Topik vê nos episódios uma reafirmação da Doutrina Monroe, agora dirigida
contra qualquer interferência
externa nas Américas, baseada
na diplomacia das canhoneiras
e uma preparação da diplomacia do dólar. O império nascente abria as asas sobre nós.
De maneira pitoresca,
Eduardo Prado [autor do livro
"A Ilusão Americana", publicado em 1893] lembrou a propósito um episódio revelador.
Em homenagem prestada
nos EUA a Benhan por sua
atuação no Rio, o almirante
afirmou que a amizade entre
seu país e o Brasil era baseada
no respeito "com pequena dose
de algo mais". A plateia caiu na
gargalhada.
JOSÉ MURILO DE CARVALHO é historiador,
professor aposentado da Universidade Federal
do Rio de Janeiro e membro da Academia Brasileira de Letras.
COMÉRCIO E CANHONEIRAS -
BRASIL E ESTADOS UNIDOS NA
ERA DOS IMPÉRIOS (1889-97)
Autor: Steven C. Topik
Tradução: Angela Pessoa
Editora: Companhia das Letras (tel. 0/
xx/ 11/ 3707-3500)
Quanto: R$ 63 (52o págs.)
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