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O perverso do rock
Pai do punk, Malcolm McLaren fala sobre os Sex Pistols -"sem mim, estariam lavando pratos"- e de sua mostra no Reino Unido
ANDREW BILLEN
Para entender a teoria
de Malcolm McLaren
sobre a cultura pop e
o lugar fundamental
que ele próprio ocupa
nela, você provavelmente teria
que ser mais esperto que o próprio McLaren.
Ele é o eterno estudante de
arte que, numa febre de conceptualismo, atirou os Sex Pistols contra a parede do ano de
1977 e, para seu próprio espanto, descobriu que eles ficaram
grudados ali.
Três décadas mais tarde, a
banda ainda não escorregou
pela parede do banheiro da história, e McLaren parece ter dedicado boa parte de sua vida a
tentar entender a razão disso.
Estamos aqui para falar de
seu trabalho mais recente,
"Shallow" ["raso" ou "superficial"], uma videoinstalação sedutora que junta trechos não
censuráveis de filmes de sexo
dos anos 1960 com canções pop
melosas.
O trabalho vem percorrendo
o mundo há um ano, sendo
aclamado, e está prestes a fazer
uma escala no Baltic Centre,
em Gateshead, no Reino Unido
[www.balticmill.com].
Resumindo: McLaren identifica a origem das qualidades de
autoexpressão, "faça você mesmo" e anticomercialismo do
punk nos românticos do século
18 e no movimento vitoriano
de artes e ofícios.
Desde então, porém, o capitalismo consumista teria roubado seu espírito romântico,
aproveitando cinicamente do
punk apenas a ideia de que
qualquer pessoa pode ser famosa e rejeitando sua celebração do fracasso.
O punk, prevê McLaren, vai
voltar, porque as pessoas estão
novamente sedentas de integridade. "Elas não veem nada
de nobre na cultura do karaokê", diz em seu sotaque "cockney", melodioso e afetado.
Mas o que falta a seu argumento em coerência é compensado em ousadia, piadas e
indiscrições, muitas delas relativas ao vocalista dos Pistols,
Johnny Rotten, à estilista Vivienne Westwood e ao filho dela e de McLaren, Joseph Corre,
fundador da cadeia de lojas
Agent Provocateur.
De cachecol e gravata
O vigor malicioso de McLaren surpreende: menos de uma
hora antes de seu monólogo vigoroso, eu o observei, em seus
63 anos, arrumadinho, trajando suéter de lã, cachecol xadrez
e gravata, almoçando tranquilamente com sua namorada,
Young Kim.
Será que ele virou um senhor
comportado adentrando a terceira idade e que está curtindo
a vida ao lado dessa mulher
mais jovem? Nada disso.
Quando consigo falar, conto
que Jon Savage, autor de "England's Dreaming" [Sonho da
Inglaterra, ed. St. Martin's Griffin, 656 págs., US$ 22,95, R$
40], me disse certa vez que a
única coisa com que McLaren
não contara era que os Sex Pistols pudessem de fato ser bons.
"Não mesmo, nunca. Jamais
imaginei que isso pudesse ser
remotamente possível. Isso
nunca passou por minha cabeça. O que passou por minha cabeça foi que não importaria se
eles fossem ruins."
Conexão com o banal
Era uma teoria de sua gangue
de "conspiradores" da escola de
artes. A capa do álbum "Never
Mind the Bollocks, Here's The
Sex Pistol", dos Sex Pistols, foi
feita com letras tiradas de jornais, como se fosse um bilhete
com um pedido de resgate.
Parecia ameaçadora, mas a
intenção era ser banal. "Era
uma coisa fundamental", diz.
"Fazer uma conexão com o banal. Lembro-me de estar sentado com Jamie Reid [outro ex-aluno da Croydon Art School] e
perguntar: "Mas será que está
suficientemente banal?"."
Em vez disso, "Never Mind
the Bollocks, Here's the Sex
Pistols" [EMI, US$ 11,98, R$
21] foi uma sensação que acertou um torpedo contra a mesmice da cultura pop. Foi transformador, embora a um custo
altíssimo para algumas das
pessoas envolvidas.
Dentro de dois anos, o baixista Sid Vicious e sua namorada
Nancy Spungen estavam mortos, Sid de overdose de heroína
e Nancy de uma faca enfiada
em seu coração, aparentemente por Sid.
Posso entender por que
Johnny "Rotten" Lydon se sentiu usado. "Ele foi! Foi terrivelmente explorado. Não há como
negar. Aceito isso sem questionamento. Mas digo apenas que
esses caras estavam querendo
ser usados, porque, se isso não
tivesse acontecido, ele (Johnny
Rotten) não teria passado de
um lavador de pratos. Foi assim que ele começou a vida."
McLaren já admitiu que, para suscitar controvérsia na turnê que os Pistols fizeram nos
EUA em 1978, ele propositalmente organizou apresentações deles em bares frequentados por interioranos conservadores. Ele tem algum sentimento de culpa por isso?
Fica claro que McLaren acha
mais fácil chegar a conclusões
culturais do que a pessoais.
Quando fala de sua infância
traumática na Londres do pós-guerra, de como sua avó materna, que o criou, odiava sua mãe
e sua mãe a odiava, e de como
ele próprio ficava no meio desse fogo cruzado, chama a atenção a ausência de empatia dele
com qualquer uma das duas.
Ele não tentou conhecer seu
pai, desertor do Exército, até
estar na meia-idade (seu pai
era "um sujeito com uma espingarda e um pastor alemão").
McLaren "não teve outra escolha" senão amar sua vovó excêntrica.
Vivienne Westwood
McLaren fala dos anos que
passou com Vivienne Westwood, com quem dirigiu a loja
de moda fetichista Sex, em
King's Road, com distância
emocional quase igual: ele a conheceu numa invasão de prédio abandonado, a engravidou,
suplicou para que ela fizesse
um aborto, mas Westwood gastou o dinheiro que a avó de
McLaren lhe dera para esse fim
comprando "um twin-set de caxemira".
Ele estava apaixonado?
"Realmente não sei dizer. Eu
estava intelectualmente curioso, com certeza, e me sentia
emocionalmente ligado a ela."
"Ela era professora primária,
estava fugindo do marido e trazia seu filho junto. Eu a via nua
na maioria dos dias da semana,
correndo de um lado a outro,
pondo a chaleira no fogo. De alguma maneira eu iria para a cama com ela e perderia minha
virgindade. Coisa que fiz. Três,
quatro ou cinco semanas depois, ela estava grávida."
Ele amou o bebê, Joseph
Corre (o sobrenome é o da avó
de McLaren)? "Eu não o entendia. Não sabia o que fazer."
Ele acha estranho que Westwood, que tinha uma carreira a
administrar, tivesse matriculado Joseph num colégio interno,
mas não que ele próprio tivesse
optado por ausentar-se da vida
deles. Só via seu filho ocasionalmente.
"Às vezes eu achava que ele
tinha algum complexo maluco
de Édipo, que quisesse me matar e transar com sua mãe. Mas
ele estava determinado a sobreviver, o que fez de maneira
espetacular e brilhante -embora não tenha conseguido
conservar sua mulher."
Vivienne Westwood foi condecorada pela rainha Elizabeth
e passou, diz McLaren, por uma
fase durante a qual investiu na
alfaiataria, "tentando fazer todo o mundo se parecer com a
rainha".
Ele próprio se vendeu a
Hollywood e a Steven Spielberg, com quem, improvavelmente, trabalhou no segundo
"Indiana Jones" e em "A Cor
Púrpura".
Sua namorada era a modelo
Lauren Hutton. Ele chegou a
descrevê-la como o segundo
amor de sua vida, mas hoje fala:
"Ela era parte de toda a tessitura de Hollywood. Você conhece
essas pessoas, simplesmente."
Água-furtada em Paris
Após uma tentativa frustrada
de tornar-se prefeito de Londres, em 1999, McLaren se mudou para Paris, onde ainda vive
numa água-furtada que, no
passado, foi ocupada pelo pintor realista Gustave Courbet e o
fauvista Kees van Dongen.
No último ano, vem trabalhando em um filme que será
sucessor de "Shallow", uma
montagem de campanhas publicitárias de Paris.
É possível ver a conexão com
"Shallow". Pornografia "soft" é
como publicidade: fica apenas
na promessa, sendo intrinsecamente superficial.
Pergunto sobre Young Kim,
sua namorada/assistente coreano-americana que vive com
ele desde 2002.
"Eu a conheci numa festa em
Paris. É ótimo viver com alguém como Young, porque ela
fala e escreve francês fluentemente. Ela é formada em história em Yale e estudou direito na
Universidade de Nova York.
Fala alemão, fala coreano, e fala
americano, que, é claro, não é o
mesmo que falar inglês. É uma
grande parceira. Acho que eu
não poderia existir sem ela.
Com certeza não em Paris."
O homem que não ama
Você deve ter percebido o
que ficou faltando nesse elogio.
Algumas pessoas dizem que
McLaren não sabe amar. "Acho
que elas têm razão, sob alguns
aspectos. Existe nisso uma verdade oculta, algo que talvez remeta à minha infância e como
fui criado. Mas muitíssima
água já passou sob a ponte desde então. E a gente aprende."
Lembro que Lydon o descreveu como o homem mais perverso do mundo.
"Isso é maravilhoso, de certa
forma. É como minha mãe descrevia minha avó. Não sei o que
é perversidade. O que ele quer
dizer? Eu o torturei? O que foi
que eu fiz a esse garoto? Polvilhei pó de estrela sobre ele. Mas
é bom lembrar: ninguém quer
saber que foi manufaturado."
Ninguém manufaturou Malcolm McLaren, digo. "Bem,
prestei muita atenção aos professores da faculdade de artes.
Se alguém foi responsável pelo
punk, foram eles, indiretamente. O que aqueles professores fizeram foi permitir que eu criasse algo que poderia ser um
magnífico fracasso, embora
não o tenha criado sozinho
nem a partir do nada: Duchamp
escolheu um urinol."
E ele escolheu Johnny Rotten? "Sim", diz, "escolhi
Johnny Rotten em lugar disso."
A íntegra deste texto saiu no jornal britânico
"The Times".
Tradução de Clara Allain .
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