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+ 3 questões sobre Robert Bresson
1. Qual é o legado de Robert Bresson ao cinema?
2. Quais os filmes essenciais do diretor?
3. Onde se pode perceber sua influência hoje?
Júlio Bressane responde
1.
Robert Bresson foi um dos principais experimentadores do cinema.
Formou-se em grego, latim, filosofia, depois se tornou pintor, estudou música, foi
um grande leitor de Pascal e Montaigne,
para só então se tornar cineasta. Seus filmes são para mim "cerebrações" cinematográficas, que desfazem os clichês e o ritmo profanador do cinema dominante.
Muitas das obsessões do cinema moderno foram sentidas e pensadas pela primeira vez por ele. Além disso, criou um estilo com a recusa do espetáculo e do anedótico: o sagrado imantado na absoluta
economia de meios técnicos. Foi pioneiro
no tratamento do tempo cinematográfico,
sobre o qual inclusive dedicou um filme:
"O Condenado à Morte Escapou". O movimento em seus filmes é múltiplo, desdobrando-se no movimento do pensamento
e no movimento da imagem.
Ele traz ainda para o cinema uma técnica sóbria, própria, de um enquadramento
e percepção de luz inéditos, dominado por um ritmo que
ele chamou "ritmo dos batimentos do coração", que, cruzando micrologicamente cada fotograma-som, realiza
essa coisa pouco simples que é transmitir uma emoção.
Ele trabalhava com o princípio de que a imagem e o som
tinham naturezas diferentes. Jean Cocteau dizia dele:
"Bresson é um caso à parte nessa terrível profissão. Ele se
exprime cinematograficamente como o poeta exprime-se com a sua pena. Vasto é o obstáculo entre a sua nobreza e o seu silêncio".
2.
Tudo nele é essencial e intenso. Eu destacaria três
momentos, minhas escolhas afetivas: "Pickpocket", "O Processo de Joana D'Arc" e "Lancelot do Lago".
3.
Bresson está presente na medida em que ainda se
percebe a influência da nouvelle vague, que lançou
muitas das sementes dele. Enquanto houver um cinema
mental, de espírito, ele estará presente. Diante da boçalidade de hoje, dessa profanação da imagem e sobretudo
da ignorância do cinema atual, falar de herdeiros do Bresson é quase uma blasfêmia.
Ismail Xavier responde
1.
Em 1951, Bresson adapta "Diário de
um Pároco de Aldeia", de Bernanos,
e enterra de vez a idéia de que há assuntos
impróprios ao cinema. Se cabe ao artista
impor um estilo a uma história, ele cumpriu tal promessa de modo radical. Contra
os protocolos usuais da intensidade dramática -trejeitos do rosto, ênfase do gesto ou da palavra, velocidade da trama-,
inventou um sistema de expressão por
subtração, um cinema ancorado na força
da elipse e na reiteração dos ângulos e dos
espaços, fazendo da observação minuciosa e do olhar insistente sobre um rosto
imóvel, um quarto vazio ou mesmo um
lance de escada, a via para fazer emergir o
inesperado. No seu sistema, o sentido resulta da disciplina, não do improviso. Como era próprio aos modernos, tomou a si
a questão da verdade no cinema e procurou a forma capaz de dar corpo a suas inquietações religiosas. O seu legado é o
exercício da liberdade, diante das convenções que encontrou, e a coragem do rigor maior consigo
mesmo, armas com as quais se debateu na criação de
uma percepção original do mundo físico e de um novo
diálogo com a pintura e a literatura. Seu cinema nos enriquece, seja qual for a nossa relação com a sua metafísica.
2.
Destaco "Diário de um Pároco de Aldeia" (1951),
"Um Condenado à Morte Escapou" (1956) e "Pickpocket" (1959), filmes em que o protagonista se faz centro
focal de consciência e a relação entre sua palavra e as imagens antecipa experiências dos cineastas de 1960-70; e
também "Au Hasard Balthasar" (1965), obra de curiosa
inversão: a figura focal do jumento compõe aí a testemunha muda, o olhar oblíquo de contraponto à experiência
humana que observa e de que é vítima. A parábola da inocência supera, de longe, o clichê.
3.
Influência é sempre um ardil, mas a de Bresson é
notória em Godard e muitos cineastas modernos.
Um diálogo com seu sistema de "expressão por subtração" se exerce até hoje numa vasta geografia, do Brasil
(Júlio Bressane) ao Casaquistão (Darejan Omirbaer).
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