São Paulo, domingo, 02 de outubro de 2005

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Biblioteca básica

Fazendeiro do Ar

FÁBIO WANDERLEY REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Minha indicação poderia ser alguma edição mais recente e completa da obra poética de Carlos Drummond de Andrade. Mas é o volume de "Fazendeiro do Ar" [contido atualmente em "José e Outros"], em edição de 1955, que me acompanha há meio século, com o autógrafo do autor. Ainda assim, não foi com ele que tive o impacto inicial do contato com Drummond: ao contrário, registro nele, desde que o comprei, mudanças aqui e acolá (que me faziam sentir-me traído) em relação à forma dos versos tal como apareciam num volume meio bolorento, que continha "A Rosa do Povo" e que acabei perdendo.
De qualquer modo, aplica-se ao meu caso algo que ouvi há muitos anos de Flávio Rangel, em entrevista na televisão, a propósito de Drummond: basta abrir qualquer página para ser imediatamente agarrado. Parte disso diz respeito, certamente, à Minas interiorana e às fazendas do ar que minha própria infância me legou. Mas esse substrato comum sustenta muito mais que me fala com força. Há um adágio de Mozart, o do concerto de número 23 para piano e orquestra, cuja mescla de desalento e paz resignada me faz pensar no compositor respondendo musicalmente à pergunta de alguém sobre como é mesmo essa história de viver e morrer. Drummond, naturalmente, responde com palavras à mesma indagação com ritmo forte, enigmas e, ao cabo, capitulação irônica, em que me reconheço.


Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais.

A obra
"José e Outros", de Carlos Drummond de Andrade, 176 págs., R$ 20,90. Ed. Record (tel. 0/xx/21/2585-2000).


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