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Biblioteca básica
Fazendeiro do Ar
FÁBIO WANDERLEY REIS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Minha indicação poderia ser alguma edição
mais recente e completa da obra poética de
Carlos Drummond de Andrade. Mas é o volume de "Fazendeiro do Ar" [contido atualmente em "José e Outros"], em edição de 1955, que me
acompanha há meio século, com o autógrafo do autor.
Ainda assim, não foi com ele que tive o impacto inicial do
contato com Drummond: ao contrário, registro nele,
desde que o comprei, mudanças aqui e acolá (que me faziam sentir-me traído) em relação à forma dos versos tal
como apareciam num volume meio bolorento, que continha "A Rosa do Povo" e que acabei perdendo.
De qualquer modo, aplica-se ao meu caso algo que ouvi
há muitos anos de Flávio Rangel, em entrevista na televisão, a propósito de Drummond: basta abrir qualquer página para ser imediatamente agarrado. Parte disso diz
respeito, certamente, à Minas interiorana e às fazendas
do ar que minha própria infância me legou. Mas esse
substrato comum sustenta muito mais que me fala com
força. Há um adágio de Mozart, o do concerto de número
23 para piano e orquestra, cuja mescla de desalento e paz
resignada me faz pensar no compositor respondendo
musicalmente à pergunta de alguém sobre como é mesmo essa história de viver e morrer. Drummond, naturalmente, responde com palavras à mesma indagação com
ritmo forte, enigmas e, ao cabo, capitulação irônica, em
que me reconheço.
Fábio Wanderley Reis é cientista político e professor emérito da Universidade Federal de Minas Gerais.
A obra
"José e Outros", de Carlos Drummond de Andrade, 176 págs., R$
20,90. Ed. Record (tel. 0/xx/21/2585-2000).
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