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São Paulo, domingo, 02 de novembro de 2003

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+ livros

Manual aproxima o ritual de políticos, empresários, artistas e misses para atingir o sucesso, mas perde a chance de discutir os mecanismos da fama

O caminho das estrelas

Beatriz Resende
especial para a Folha

Fama e celebridade. Não se fala em outra coisa. É claro que a novela de Gilberto Braga (ele mesmo um "low profile", discreto e irônico) coloca o tema na ordem do dia, mas o debate já estava em cena antes disso. Talvez a importância da eleição do presidente Lula e a visibilidade que seu recurso a competente profissional do marketing político teve durante toda a campanha eleitoral tenham sido o impulso para um novo debate em torno do já conhecido tema: como fazer sucesso. Se candidato de tamanho respaldo popular, apresentado por um partido político que cultivara por tanto tempo ideais de "pureza", recorria a especialista que cuidasse da imagem veiculada pela mídia para garantir sua vitória, o que não deve fazer um comum mortal se desejar conseguir algum sucesso, seja nas passarelas ou vendendo pamonha? Nara Damante entende realmente de marketing, do valor da marca como espécie de bem e de patrimônio intangível, ou não teria escrito um livro com as peculiaridades de "Fama - Como Se Tornar uma Celebridade". Mas também deve ter ralado muito pelas redações reais e virtuais por onde tem trabalhado como jornalista, ao que parece com sucesso, ainda que não tenha, por enquanto, se tornado uma celebridade. E é justamente aí que está o interesse desse livro bem-humorado e..., diria, eficiente, se entendesse alguma coisa da questão! Para começar, o livro vem antecedido de dois prefácios. Um foi escrito por Suzana Alves, modelo, atriz e cantora que ficou conhecida por encarnar a personagem Tiazinha e que hoje, segundo ela própria, tendo amadurecido e aprendido como usar a fama e não ser por ela usada, estuda jornalismo. Esse é o primeiro, pois, como diz Nara Damante na introdução, a intenção do livro não é discutir "critérios subjetivos de talento", mas apontar ao leitor "caminhos para realizar o desejo de ser famoso".

Fama, sucesso, importância
O segundo é de Ana Mae Barbosa, professora titular da histórica Escola de Comunicação e Artes da USP, ex-diretora do Museu de Arte Contemporânea de São Paulo, autora de obras de reconhecimento internacional no campo do ensino das artes. Intelectual da maior competência, Barbosa é uma referência no meio universitário, respeitada e querida. Uma raridade. Em seu texto, estabelece uma diferença decisiva entre fama, sucesso e importância, relembra o Machado de Assis de "Quase Ministro" e aponta, cheia de razão, a contraface da fama no meio acadêmico: a inveja. De todos os sentimentos que aparecem no livro como propulsores do desejo de se tornar famoso e, ao mesmo tempo, como consequência de atingir o objetivo, o mais frequente é o da inveja. Foi aí que, também a mim, ocorreu uma citação do nosso romancista maior. Em 30 de março de 1889, com a vida política fervilhando às vésperas da Proclamação da República, Machado inicia sua crônica da série "Bons Dias" com uma pérola desse gênero literário do efêmero: "Quem nunca invejou, não sabe o que padecer. Eu sou uma lástima. Não posso ver roupinha melhor em outra pessoa, que não sinta o dente da inveja morder-me as entranhas. É uma comoção tão ruim, tão triste, tão profunda, que dá vontade de matar". Lembremos que o recluso bruxo do Cosme Velho foi, talvez, o escritor brasileiro que mais reconhecimento teve em vida, ultrapassando, com seu prestígio, imensos obstáculos que a uma sociedade preconceituosa agradava criar. "Querer" é o primeiro dos ingredientes para a construção da fama.

Auto-ajuda
"Fama" é um livro de auto-ajuda, "categoria concorridíssima", ou, para usar o jargão mais adequado, uma dentre as atuais "obras motivacionais", mas tem o mérito de dessacralizar qualidades e pecados. Médicos, advogados, jornalistas e escritores ambicionam a fama, e os recursos para chegar lá não diferem muito dos recomendados aos modelos ou apresentadores de TV, assim como os rituais cumpridos pelos políticos não se afastam tanto assim de rotinas das misses, a partir do mote: "Valorizar o bom e esconder o ruim".
Cabe observar que o livro não deixa de lembrar a existência de um código de ética do Conselho Federal de Medicina que dispõe sobre a publicidade ou que os jornalistas devem se restringir a métodos lícitos de reportagem, reservando-se o direito de não revelar suas fontes.
Os conselhos dados aos que sonham estar sob holofotes por meio da publicação de livros são válidos para quase todas as práticas: "Desde que não seja um tema preconceituoso, moralmente inaceitável ou ilegal, tudo é válido e tem interesse em potencial". Por isso mesmo as trajetórias exemplares destacadas, seja pela persistência, pelo acaso, teimosia ou transgressão, vão de Elvis Presley a Zé do Caixão, de Rita Cadillac (já "resgatada" por Drauzio Varella e Hector Babenco) a Cora Coralina.
Como, porém, nessa "modernidade líquida" é com rara rapidez que fama, celebridade, apreço público, prestígio e reconhecimento se desfazem no ar, esse manual da fama pode servir também como companheiro nos duros momentos da vida em que chega a hora de descer a ladeira. Afinal, "ser celebridade cansa...".


Beatriz Resende é professora da UniRio e pesquisadora da Universidade Federal do Rio de Janeiro. É autora de "Apontamentos de Crítica Cultural" (DNL/Aeroplano), entre outros livros.

Fama
168 págs., R$ 19,90
de Nara Damante. Ed. Matrix (r. Oscar Freire, 1.319, conjunto 20, CEP 05409-010, São Paulo, SP, tel. 0/xx/ 11/ 3086-2395).


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