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Porcarias semânticas
LINGUISTA EXPLICA POR QUE BRASILEIROS OPTAM POR "SUÍNA"
E FRANCESES E ESPANHÓIS POR "PORCINA" PARA FALAR DA DOENÇA
CYRUS AFSHAR
DA REDAÇÃO
Por que "suína", e
não "porcina", para
nomear a variante
de gripe que apavora o mundo atualmente? O adjetivo porcino,
que existe em português, é
deixado de lado por brasileiros e lusitanos, mas é o escolhido por franceses e espanhóis -também falantes de
línguas neolatinas.
Na entrevista abaixo, a professora de linguística Maria
Helena de Moura Neves
(Universidade Estadual de
SP, em Araraquara, e Universidade Mackenzie) desvenda
essa opção dos falantes e explica o mecanismo de criação
dos vocábulos.
FOLHA - Em alguns países, o surto de gripe suína é chamado de
gripe porcina. "Porcino" e "suíno"
têm origens diferentes?
MARIA HELENA DE MOURA NEVES -
Ambas são palavras de origem latina, mas é muito frequente que existam aplicações diferentes para mais de
uma forma nas línguas.
Em latim, porco é "sus",
mas também existe em latim
a palavra "porcus", que veio
para o português.
Mas "sus" não tem nenhum
substantivo em português
que corresponda a essa palavra. O que que tem é o adjetivo: suíno. Suíno significa "de
porco", mas não só porco.
É mais amplo, é de toda essa família que pega porco, javali, porco-do-mato. O adjetivo porcino vem de porco. E,
ao longo da história [da língua], acabamos deixando um
pouco de lado este adjetivo.
FOLHA - Por que isso aconteceu?
NEVES - Essa escolha não tem
propriamente uma explicação porque faz parte do jogo
da língua. Cada uma vai tratando as palavras de uma certa maneira, de acordo com o
uso que há.
Não tem um porquê. É assim que o léxico funciona. Ele
oferece mais de uma forma,
como em latim. "Porcus" era
mais específico que "sus".
"Porcus" era um espécime e,
"sus", uma família. Então se
começou a usar a forma específica como genérica e, a genérica, como específica.
É algo muito comum nas
línguas, que permite que elas
funcionem.
FOLHA - Por que a palavra "porcina" causaria estranheza se fosse
usada em português?
NEVES - Porque não é usual.
Nos trabalhos científicos, a
gente vê nomes de doenças,
digamos, estresse porcino,
mas se fala também em estresse suíno.
Às vezes a palavra é latina,
mas ela aparece de novo devido à língua inglesa.
Noutro dia, eu vi uma referência que dizia "ciclo vírus
suíno, ou ciclo vírus porcino"
e depois eles abriam parênteses e colocavam PCV, a sigla
em inglês.
Então percebe-se que houve alguma influência da designação em inglês, que é geralmente a referência dos estudos científicos. Se isso não
ocorresse nas línguas, seria
uma pobreza total.
FOLHA - Por que há essa diferença no uso?
NEVES - Há palavras que significam a mesma coisa e que
vão ganhando aplicações diferentes. Por exemplo, uma é
mais formal, ou é mais usada
cientificamente, ou é mais específica.
"Porco" é mais específica
que "suíno", embora tenha
vezes em que se use "suíno"
pensando em porco. Mas tem
abrangência maior. Outra
coisa é que se deixa de usar
determinado registro, ou em
certos tipos de texto, às vezes
por influência estrangeira.
FOLHA - Qual a influência do discurso científico na utilização do
termo?
NEVES - As obras científicas
trazem o adjetivo porcino para a gripe. Geralmente vem
depois a sigla entre parênteses em inglês. E isso é muito
significativo. Há uma tentativa de ser mais fiel ao termo
em inglês.
Não é a explicação para este
caso, mas é uma explicação
sobre como o léxico funciona.
Hoje, estão tentando mudar o nome da gripe para "gripe norte-americana", mas
por interesse econômico, pois
pode transparecer que é perigoso comer porco. Não é um
interesse linguístico.
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