São Paulo, domingo, 03 de junho de 2007

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A conexão do afeto

O livro "Desconectadas" investiga as relações amorosas de mulheres mais jovens

HOLLY YEAGER

Uma vizinha parou para conversar comigo outro dia e se queixou de que raramente vê sua filha de 19 anos.
Trocamos algumas idéias e, sabendo que ela tem mais duas filhas, ambas pré-adolescentes, pensei em lhe oferecer minha cópia de "Unhooked - How Young Women Pursue Sex, Delay Love and Lose at Both" [Desconectadas - Como as Jovens Buscam Sexo, Adiam o Amor e Perdem os Dois, ed. Riverhead, 304 págs., US$ 24,95, R$ 48 ].
Mas hesitei. Produto de um ano de trabalho de observação do comportamento de mulheres jovens, o livro de Laura Sessions Stepp oferece relatos às vezes chocantes sobre o que acontece nos bares, nos quartos de dormir e nos momentos de conflito das mulheres que lhe servem de tema e fornece informação que alguns pais prefeririam continuar desconhecendo.
Ninguém deseja imaginar uma filha em um leilão de caridade libidinoso no qual atletas universitárias embriagadas se despem quase integralmente enquanto seus colegas homens, também encorajados pela cerveja fornecida de graça, fazem lances para disputar o direito de passar uma noite na cidade com a equipe.
Na manhã seguinte, uma das jovens jogadoras de pólo aquático acorda e descobre que fez sexo com alguém -um rapaz que ela via apenas como amigo-, mas não se surpreende demais com a descoberta.

Celular com câmera
Stepp, repórter do "Washington Post", começou a construir sua reputação no final dos anos 90 com uma série de reportagens sobre a crescente tendência, entre as meninas de 13 e 14 anos, de oferecer sexo oral aos meninos.
Agora, suas atenções estão voltadas às jovens alunas de segundo grau e universitárias, e seus hábitos de "conexão", termo tão impreciso quanto onipresente.
"Conectar pode querer dizer simplesmente um beijo ou pode envolver carícias, sexo oral, sexo anal, intercurso ou qualquer dessas combinações. Os parceiros podem se conhecer bem, ligeiramente ou serem desconhecidos, mesmo depois que passam a se conectar regularmente."
Uma ferramenta útil desse novo costume é o celular equipado com câmera, que permite usar fotos do parceiro como lembrete, caso ele volte a ligar no futuro.
O mais importante é que a prática não acarreta compromisso. "O traço que define o conceito de conexão é a possibilidade de desconexão a qualquer momento", escreve Stepp.
Muitas das jovens que conheceu dizem que seu comportamento é um sinal de realização, pois demonstra que as mulheres podem agir com a mesma liberdade e ocupar a posição de controle de que seus colegas homens tradicionalmente desfrutam.
Stepp diz que a cultura da conexão sem compromisso é uma conseqüência inesperada das metas ambiciosas que essas jovens muitas vezes bem-sucedidas -e seus pais- estabeleceram para suas vidas.
"Elas acreditam que não podem investir o tempo, a energia e emoção necessários a um relacionamento profundo. A conexão casual parece ser uma alternativa prática eficiente."

Herança dos anos 1960
Em um momento mais esclarecido, Stepp reconhece o papel de sua geração, do final dos anos 60, na criação da situação atual.
"Nós questionamos as estruturas sociais que reforçavam a duplicidade sexual, e tínhamos razão em fazê-lo. Mas não criamos nada que as substituísse, e, sem elas, as jovens de hoje têm de escrever as próprias regras, tarefa muito mais difícil do que aquela que enfrentamos.".
Talvez a parte mais útil e divertida do livro seja a lista de vocabulário que oferece, com termos como "sexílio", ou seja, pedir a uma colega de quarto que durma fora quando há companhia para a noite, ou "dormincesto", sexo entre casais que vivem no mesmo dormitório universitário.
Stepp conversa com mulheres que parecem estar cuidando bem de tudo isso, confiantes em que, quando chegar a hora, elas se adaptarão a relacionamentos mais tradicionais.
Ela também conheceu algumas jovens que não estão se saindo tão bem e encontram dificuldades para compreender seus relacionamentos -um rito de passagem normal, ao que parece, ainda que nesse caso aconteça em paisagem diferente.
O livro é leitura interessante -mas não convincente o bastante para que eu o tirasse da estante para emprestar à minha vizinha.

A íntegra deste texto foi publicada no jornal "Financial Times". Tradução de Paulo Migliacci.


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