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Louco pela revolução
Erudito e agradável, "Lênin - A Biografia Definitiva" traça um retrato fascinante do líder soviético a partir de arquivos liberados
nos anos 90
ANGELO SEGRILLO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há algo de patético
em obras que se
(auto)intitulam
"definitivas". Se há
alguma coisa que a
história ensina é que não existem obras historiográficas definitivas, indiscutíveis. Cada
época traz contextos, problemas e visões de mundo novos
que nos fazem reavaliar constantemente as antigas verdades. Feito esse comentário sobre a forma do título, precisamos mergulhar no conteúdo de
"Lênin - A Biografia Definitiva", de Robert Service.
E aqui está sua força. Já houve boas biografias antigas de
Lênin, entre as quais devemos
mencionar as de Louis Fischer,
Bertram Wolfe, R.H.W. Theen
e a anterior do próprio Service.
Nem Service foi o primeiro a
utilizar os antigos arquivos secretos soviéticos, liberados na
década de 1990, em uma nova
biografia de Lênin: esses materiais foram a base da biografia
política do líder bolchevique
pelo russo Dmitri Volkogonov
antes dele. Cristopher Read,
Hélène Carrère d'Encausse e
James White também escreveram obras de caráter biográfico
sobre Lênin valendo-se parcialmente da vantagem dessas
novas fontes.
Leitura fluente
Mas, pelo volume e profundidade do material russo inédito
trabalhado por Service, sua
obra, junto com a de Volkogonov, se destaca nesse contexto
propício para embasadas reavaliações da vida de um dos revolucionários mais influentes
do século 20.
Assim, como resenhista, meu
primeiro dever é dizer que o livro é imperdível para quem
queira se aprofundar na vida de
Lênin no novo patamar permitido pela abertura dos antigos
arquivos secretos soviéticos.
O laborioso trabalho de historiador "stricto sensu", a partir de fontes primárias originais, presta um serviço (sem
trocadilho) inestimável para os
especialistas e aficionados. E a
narrativa fluente garante uma
leitura agradável para o público
em geral.
Isso quanto aos detalhes empíricos da vida de Lênin. E
quanto às avaliações teóricas?
A primeira pergunta que se coloca é: as novas evidências arquivísticas mudam radicalmente as concepções anteriores que tínhamos da vida e trabalho político de Lênin?
Simplificando um pouco, a
resposta é não.
As novas evidências arquivísticas não extrapolam o diapasão geral dos debates anteriores ou dão resposta definitiva
(sic!) aos maiores debates que
ainda dividem os historiadores
sobre a figura do líder soviético.
Uma tendência que se pode notar nessas recentes biografias
de Lênin é de um certo negativismo mais exacerbado sobre o
caráter maquiavélico ou menos
humanista do personagem.
Muitos dos documentos soviéticos liberados mostram
momentos em que Lênin assume o papel de um homem para
o qual os fins justificam os
meios e que não hesita em sacrificar vidas humanas no altar
da revolução. Mas essas evidências acusatórias não são
completamente novas, e essa
tendência negativista na abertura dos arquivos era, de certo
modo, previsível.
Afinal, os documentos foram
classificados como secretos
exatamente porque continham
material sensível ou que poderia denegrir a imagem de Lênin. Por isso foram escondidos
da vista do público.
O rei nu
Da abertura desses documentos secretos era de esperar
que uma visão mais negativa de
Lênin emergisse. O rei nu é
sempre mais feio... Os documentos que mostram como a liderança bolchevique ordenou o
massacre da família do czar para impedir uma restauração
monárquica durante a guerra
civil ou os telegramas em que
Lênin ordenava as execuções
de contra-revolucionários não
constituem exatamente uma
leitura agradável.
Uma boa companhia bibliográfica nesse sentido é "The
Unknown Lenin" [O Lênin
Desconhecido, Yale University
Press, 240 págs., US$ 19, R$ 41],
em que Richard Pipes publicou
esses documentos primários
inéditos não constantes da coleção "Obras Completas" oficial anterior de Lênin.
Em suma, o livro de Service é
uma leitura fascinante como
biografia geral do líder soviético, mostrando sua luta para organizar os dispersos grupos de
estudos marxistas no final do
século 19 na Rússia, seu longo
período no exterior, de 1900 a
1917, de onde comandava o partido bolchevique, sua volta e reconciliação com Trótski em
1917, sua estratégia marxista de
tomada do poder por meio de
uma aliança operário-camponesa, os meios pragmáticos desesperados para a Rússia sobreviver ao período da guerra civil,
entre 1918 e 1921, o recuo ao capitalismo em pequena escala da
NEP (Nova Política Econômica) em 1921, sua luta nos últimos anos para conter a burocratização do partido e uma
possível cisão devido aos choques entre Stálin e Trótski e, finalmente, sua morte em 1924,
após já estar impedido de trabalhar e intervir nas disputas
partidárias devido à saúde debilitada.
Frankenstein político
A tese geral de Service é de
que Lênin era um obcecado pela revolução, que a realizou independentemente dos custos e,
no final das contas, criou um
Frankenstein político incontrolável e temível.
Assim, a base de muitos dos
horrores da história soviética
não se iniciou com Stálin, mas
antes... Versão definitiva? Façam suas apostas...
ANGELO SEGRILLO é historiador, autor de "O
Declínio da URSS - Um Estudo das Causas" (Record) e "Rússia e Brasil em Transformação -Uma
Breve História dos Partidos Russos e Brasileiros
na Democratização Política" (7 Letras).
LÊNIN - A BIOGRAFIA
DEFINITIVA
Autor: Robert Service
Tradução: Eduardo Francisco Alves
Editora: Difel
Quanto: R$ 79 (628 págs.)
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