|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LIVROS
Francis Fukuyama projeta um futuro otimista para o homem
História com final feliz
ANTHONY GOTTLIEB
Do "The NYT Book Review"
Francis Fukuyama é um analista que não sai da cama -em termos intelectuais- por nada menos do que o grande painel abrangente da História com "h" maiúsculo. Dez anos atrás este ex-planejador político do Departamento
de Estado norte-americano emergiu do anonimato intelectual com
um artigo no qual argumentava
que a ascensão da democracia liberal constituía a fase final do desenvolvimento político humano.
Poucos críticos aceitaram a idéia
tal como foi apresentada, mas todo mundo passou a falar dela.
Uma exposição mais longa da tese, no livro "O Fim da História e o
Último Homem" (Ed. Rocco), de
1992, foi amplamente lida.
O "National Interest", o primeiro periódico a divulgar sua tese
apocalíptica, acaba de publicar
seu "Second Thoughts" (Outras
Reflexões) sobre o assunto, ao lado das opiniões de vários comentaristas pesos-pesados, que vão de
E.O. Wilson a Gertrude Himmelfarb. Mas nada indica que Fukuyama, que hoje é professor da cadeira de Omer L. e Nancy Hirst de
Política Pública na Universidade
George Mason, tenha moderado
suas ambições. Longe disso: seu
novo livro lançado nos EUA, "The
Great Disruption" (A Grande
Ruptura, a sair no Brasil no ano
que vem), analisa o desenrolar
dos fatos sociais e morais na mesma escala grandiosa que vimos
em seu primeiro trabalho.
"O Fim da História" afirmava
que todas as nações são destinadas a se tornar democracias liberais e que, quando o fizerem, a
história vai acabar, porque lhe vai
faltar combustível. Assim será, segundo Fukuyama, porque a história é uma sequência de lutas pelo domínio, lutas essas que são
movidas pelo desejo humano de
reconhecimento -e esse desejo é
satisfeito, necessariamente, nas
democracias liberais. Esse quadro
portentoso, milenar da história
como avanço facilmente explicável em direção a uma conclusão
predeterminada, tem a marca de
Hegel impressa sobre ela.
De fato, a tese de Fukuyama foi
defendida pela primeira vez numa série influente de palestras sobre Hegel dadas em Paris, no final
dos anos 1930, por Alexandre Kojève, um assessor russo do Ministério francês da Economia. Kojève
não deixou muito claro qual seria
a data exata dessa conclusão inevitável, mas em alguns momentos
sugeriu que ela já teria acontecido
no início do século 19.
No final de seu novo livro, Fukuyama reafirma sua tese de que a
história "parece ser progressiva e
direcional" no campo político e
econômico. Agora, porém, afirma
que essa máxima não é necessariamente verdadeira no que diz
respeito à "esfera social e moral".
O comportamento moral das sociedades seria cíclico, com picos
(como a era vitoriana) e vales (como a década de 1980). Apesar disso, vê motivos de otimismo e conclui falando, em tom esperançoso,
sobre o "rumo ascendente da seta
da História".
A "Grande Ruptura" mencionada no título do livro diz respeito à deterioração das condições
sociais na maior parte do mundo
industrializado entre meados dos
anos 60 e o início dos anos 90,
conforme medida por (entre outras coisas) índices crescentes de
criminalidade, divórcio e nascimento de filhos ilegítimos e taxas
decrescentes de fertilidade, confiança pessoal e confiança nas instituições sociais. Para Fukuyama,
quando tantos indicadores sociais
apresentam modificações dramáticas mais ou menos concomitantes é porque alguma coisa importante está acontecendo, algo que
pede uma explicação abrangente.
A culpa, para ele, recai sobre a
transição à economia pós-industrial ou à era da informática. Essa
transição, afirma, leva ao esgotamento do "capital social", com
consequências maléficas que ele
mapeia de maneira meticulosa.
Seja o que for que se pense sobre
suas teorias, a reportagem cuidadosa que ele faz de uma ampla gama de dados sociais -e sua
transposição crítica das diversas
explicações que já foram aventadas para eles- fazem deste livro
uma obra útil.
Mas será que o fato de o Japão e
a Coréia do Sul terem em grande
medida escapado da Grande Ruptura -apesar de terem sofrido as
transformações econômicas que,
na visão do autor, a provocaram
em outras partes do mundo-
não constitui um grande obstáculo à sua teoria? Os dados que ele
apresenta contêm várias anomalias menores, como o fato de que
os índices de divórcio nos EUA
vêm caindo desde a década de 80.
Igualmente desconcertante é o fato de que ele caracteriza a era da
informática ou economia pós-industrial de maneira extremamente vaga e pouco convincente.
O desenvolvimento da pílula
anticoncepcional, o aumento da
longevidade e a cultura do individualismo, por exemplo, são todos
citados, de forma plausível, como
fatores que contribuíram para a
Grande Ruptura. Apesar disso,
nenhum deles pode ser visto como efeito necessário ou característica intrínseca da transição para uma economia informatizada.
O que parece se impor aqui é a
tendência à generalização excessiva da história, ao estilo hegeliano:
Fukuyama tende a enxergar cada
fato simultâneo como manifestação de um fenômeno único.
Há problemas, também, em seu
conceito de capital social (que ele
define como o cabedal de valores
comuns à sociedade e que seria
manifestado principalmente por
meio da confiança, tema de um livro anterior). Quando introduz a
idéia, Fukuyama afirma que o capital social é um recurso chave a
ser acompanhado, porque dele
depende o sucesso econômico.
Mas essa premissa se coaduna
mal com sua tese de que a Grande
Ruptura sofreu uma escassez de
capital social, já que esse período
como um todo foi marcado por
forte crescimento econômico. Ou
o capital social não é tão importante quanto ele afirma que é, ou
então ele não se reduziu muito
durante a Grande Ruptura. Fica a
impressão de que o conceito é
muito vago e sem sentido.
Depois de descrever e analisar o
mal-estar do período entre meados dos anos 60 e início dos anos
90, Fukuyama toma distância, na
segunda parte de seu livro, a fim
de analisar o que chama de "a genealogia da moral" -um título
nietzscheano para uma explicação nada nietzscheana da ordem
social. Embora esse passeio pela
teoria dos games, pela psicologia
da evolução e pelo campo da ética
não apresente grande novidade,
talvez seja a parte mais convincente do livro. Fukuyama argumenta que "os seres humanos
sempre criam regras morais pelas
quais se pautar, em parte porque a
natureza os fez assim e em parte
pela busca de satisfação dos seus
próprios interesses".
Isso dito, não é grande surpresa
ler que a humanidade já se curou
de várias Grandes Rupturas anteriores. Na parte final, Fukuyama
ilustra brevemente alguns dos casos -hoje distantes- de recuperação de fases de declínio social e
moral, como a restauração Meiji,
no Japão, e a era vitoriana no Reino Unido e nos EUA.
E é nesse momento que ele nos
revela sua grande surpresa: que
nossa Grande Ruptura já está chegando ao fim. Os índices de criminalidade, divórcio e nascimento
de filhos ilegítimos começaram a
crescer menos na década de 90 e,
em alguns países, já começaram a
cair. Nos EUA, o índice de criminalidade voltou ao que era antes
do início da Grande Ruptura. A
porcentagem de dependentes da
previdência social está caindo em
ritmo quase equivalente. Os níveis de confiança já subiram de
maneira significativa, e há indícios de que a cultura destrutiva do
individualismo exacerbado esteja
chegando ao fim. Para que, então,
se fez tanto alarde desses fenômenos nas primeiras centenas de páginas do livro? Como acontece
com um romance barato, é difícil
deixar de concluir que o final feliz
prejudica o livro como um todo.
Esse é um paradoxo para o qual
Fukuyama oferece apenas respostas insatisfatórias. Ele insiste que
nossa recuperação da Grande
Ruptura não teve nada de automático. Deve ter razão, estritamente falando. Mas quem, excetuando os hegelianos como ele,
acreditava na inevitabilidade da
história, para começo de conversa? Fukuyama nos deu fortes motivos para acreditar que a recuperação iria acontecer e as provas de
que isso de fato aconteceu. Não
precisamos de seta ascendente da
História para perceber a direção
em que o vento está soprando.
Anthony Gottlieb é editor executivo da
"The Economist" e autor de "Socrates - Philosophy's Martyr" (Sócrates - O Mártir da Filosofia).
Tradução de Clara Allain.
ONDE ENCOMENDAR
"The Great Disruption - Human Nature
and the Reconstitution of Social Order"
(A Grande Ruptura - A Natureza Humana
e a Reconstituição da Ordem Social) , de
Francis Fukuyama (The Freed Press, Nova
York, 354 págs., US$ 26), pode ser encomendado, em São Paulo, à Livraria Cultura (av. Paulista, 2.073, tel. 0/xx/11/285-4033) e, no Rio de Janeiro, à Livraria Marcabru (r. Marquês de São Vicente, 124,
tel. 0/xx/21/ 294-5994).
Texto Anterior: Lançamentos Próximo Texto: Walnice Nogueira Galvão: A liquidação do Brasil Índice
|