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O ROCK ERROU
CULTUADO MAIS NA EUROPA DO QUE NOS EUA E AUTOR DE POUCOS SUCESSOS
"POPULARES", COMO "WALK ON THE WILD SIDE", O COMPOSITOR LOU REED
DIZ QUE SE TORNOU UM PERSONAGEM "GROTESCO" AOS OLHOS DA MÍDIA
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"As canções perderam impacto.
Inclusive as boas.
Elas estão em toda parte,
são ouvidas em todas as situações, sem força"
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France Presse
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O cantor compositor Lou Reed, que diz ter "obra suficiente" para poder merecer o Nobel de Literatura, durante show em Madri, na Espanha
DIEGO A. MANRIQUE
Lou Reed emergiu de
um período de obscuridade em 1971 com o
manto de poeta. Tinha
sido expulso de modo
ignominioso de seu grupo revolucionário, The Velvet Underground, e se refugiado na
casa de seus sofridos pais, em
Long Island.
Retornou a Manhattan para
um recital de letras e poemas
ao qual compareceram [o poeta
beat] Allen Ginsberg, todo o
mundo do jornalismo musical
de Nova York e parte do círculo
de Andy Warhol [artista plástico e cineasta norte-americano
ícone da pop art].
Diante desse público seleto,
Lou Reed triunfou e proclamou que nunca voltaria a cantar -que se alegrava de ser finalmente reconhecido como
poeta.
Felizmente, ele não demorou a esquecer essa intenção
-embora agora esteja em Barcelona para recitar poemas. O
compositor participa do projeto Made in Catalunya, pelo
qual o Instituto Ramón Llull
quer difundir a poesia catalã
traduzida ao inglês.
Na ocasião desta entrevista,
em novembro passado, Lou
Reed está carregando sozinho
o peso do recital, que congrega
uma pequena multidão no
Centro de Cultura Contemporânea de Barcelona.
PERGUNTA - Você se sente à vontade nesses eventos? Quero dizer, em
comparação com a tensão de trabalhar com uma banda?
LOU REED - É mais tranquilo.
Você pode expressar nuances
que se perdem quando você está cercado de instrumentação.
Se tive tempo de preparar a leitura e se o som está em ordem,
não há medo no palco.
Além disso, para mim é como
voltar para casa. Eu sempre falei que tentava levar uma sensibilidade literária ao rock and
roll, mas ninguém me entendia.
Ainda não estou certo de que
me entendam.
PERGUNTA - Quem foram seus
mestres literários?
REED - Mestre autêntico foi (o
poeta) Delmore Schwartz, que
me deu aulas na Universidade
de Syracuse [em Nova York].
Ele me ensinou muito sobre a
autoexigência e as armadilhas
que espreitam um escritor
-mas odiava o rock and roll.
Em termos de estilo, aprendi
mais com Raymond Chandler
[escritor americano]. Seus argumentos não são perfeitos,
mas ele escrevia romances como um poeta.
PERGUNTA - Vamos mergulhar na
fantasia. Você se imagina como candidato ao Nobel de Literatura?
REED - (Olhar de incredulidade). A pergunta é se acho possível? Não, Bob Dylan já preenche a cota de candidatos no setor dos cantores/ compositores
judeus. Se acho que mereço?
Tenho obra suficiente.
[Ele acaricia um livro que está sobre a mesa. Lou Reed insistiu que sua apresentação -que
faz parte do festival literário
Kosmopolis- coincidisse com
o lançamento de "Travessa el
foc: recull de lletres" (Editorial
Empùries), primorosa edição
bilíngue (inglês e catalão) de
sua obra, abrangendo até suas
canções mais recentes.
A parte interna do livro chama a atenção: o responsável pela arte aproveitou a fundo a
oportunidade para jogar com as
possibilidades tipográficas. Lou está satisfeito
com o resultado: "Me encanta
que esta edição atualizada saia
na Catalunha antes que do nos
EUA. A poesia catalã me deixa
maravilhado -a quantidade de
grandes autores em um país tão
pequeno."]
PERGUNTA - Você é um leitor atento de poesia?
REED - Agora não sou leitor de
nada! Perdi meu reprodutor de
livros eletrônicos. Você sabe,
uma coisa na qual você pode colocar centenas de livros. É um
invento perfeito para mim, já
que viajo muito de avião.
Mas já é a segunda vez que o
esqueço num avião, e nunca o
devolvem! Apesar de eu ter me
dado ao trabalho de colocar
uma etiqueta com meu nome e
um telefone de contato.
[Ele parece espantado por alguém ignorar sua vontade. O
fato é que Lou Reed age de modo imperial. Ao longo da conversa, surgem nomes de escritores e ele quer, precisa, exige
que lhe consigam seus livros.
Por exemplo, uma tradução
para o inglês de "Coplas a La
muerte de Su Padre" [Versos
Sobre a Morte de seu Pai], de
Jorge Manrique ("um poeta do
século 15 que morreu no ataque
a um castelo? Isso me interessa
muito!").
Acaba se conformando com
um "Dom Quixote" em inglês.
Também há um momento em
que, falando do romance negro,
surge o nome de James Lee
Burke, autor que retrata as profundezas sórdidas da Louisiana, nos EUA.]
REED - As pessoas o conhecem
aqui? Me identifico muito com
seu personagem principal, esse
ex-policial alcoólatra que é
obrigado a enfrentar o mal.
Acho que preciso ler alguma
coisa dele [Burke] esta noite.
Se não houver o último livro
dele, aceito "The Neon Rain" [A
Chuva de Neon] ou "Cadillac
Jukebox". Posso mandar alguém buscar. Há algum lugar
em Barcelona onde tenham livros do Burke em inglês?
[Estou a ponto de lhe dizer
que existe uma livraria especializada, mas me calo a tempo.
Lou vem martirizando as duas
assistentes que o acompanham
nesta viagem.
Todo jornalista musical que
se preze conhece anedotas sobre as atitudes bruscas, as manias, os melindres e a paranoia
que caracterizam Lou Reed.
Parece estar obcecado em
controlar sua imagem. Exige
examinar as fotos feitas dele,
insistindo que sejam eliminadas as que não o favorecem.
Trabalho difícil: o tempo foi
cruel com ele -anos demais
abusando do álcool e de anfetaminas (não de heroína, como
acreditavam muitos).]
PERGUNTA - É uma pena que suas
"obras completas" incluam tão pouca prosa. Estou pensando no seu
texto de 1970, em que reflete sobre
as mortes de Jimi Hendrix, Brian
Epstein, Brian Jones e Janis Joplin.
REED - Você gostou? Naquela
época eu precisava de dinheiro.
Eu trabalhava com meu pai
(contador), e ele não era muito
generoso. Durante um momento de fraqueza, pensei até
mesmo em virar jornalista profissional. Eu não teria aguentado. Lembro que me encarregaram de escrever um texto sobre
Jim Morrison (vocalista do The
Doors, morto em 1971). "Até
onde se chega", pensei.
PERGUNTA - Você não gostava do
The Doors?
REED - Eram lixo de Los Angeles, lixo pretensioso. E Jim
Morrison era um babaca.
PERGUNTA - Você não acha que, como você com o Velvet Underground, Jim Morrison rompeu os esquemas do que se cantava no rock?
REED - Ele não fazia mais do
que reciclar letras do blues. Se
fazia passar por deus sexual.
Ele não teria resistido uma noite na Factory [Lou Reed se refere ao estúdio de Andy Warhol
em Nova York nos anos 1960,
ponto de encontro de muitas
almas perdidas dedicadas a fazer experimentos com drogas e
explorar sua identidade sexual.
Mas Lou não quer se aprofundar naqueles anos. Levanta-se e vai para o seu quarto. Reaparece usando a jaqueta -de
couro negro, é claro- mais gasta que se poderia ver numa cidade tão fashion quanto Barcelona. Ele retorna agressivo.
Cheira o jornalista e lança
uma acusação: "Alguém andou
fumando. Não gosto disso. Estou sem fumar há cinco anos,
mas o cheiro do tabaco ainda
me desperta desejos."
A última coisa que eu imaginaria seria ouvir Lou Reed protestando contra um vício tão
comparativamente inocente.]
REED - Inocente? Um maço de
cigarros equivale a um raio-X.
Pense nisso!
PERGUNTA - Eu me lembro de uma
entrevista com você em 1986, em
Atlanta (EUA), quando estava tentando parar de fumar e estava subindo pelas paredes; me contou que
tinha tentado todos os métodos,
desde a hipnose até a acupuntura.
REED - Consegui, finalmente,
com umas ervas chinesas. Fazem para você uma beberagem
de sabor horrível, chamam
aquilo de chá do equilíbrio. Ele
restitui seu equilíbrio quando
você sente o desejo da nicotina.
Eu queria lhe dizer o nome original. Mas, infelizmente, sou
zero à esquerda em chinês.
[Mas ele é fanático pela cultura chinesa: pratica tai chi
chuan e já convidou um mestre
dessa arte para subir ao palco.]
REED - Comecei a praticar tai
chi devido a seus valores marciais. Em Nova York é preciso
estar preparado para brigar por
qualquer bobagem.
[Vem então uma pergunta
mal-intencionada, sobre se
aceitaria um trabalho para o
governo chinês. Lou integra o
contingente ruidoso dos roqueiros que defendem a causa
do Dalai Lama.
Muitos deles parecem ignorar as realidades geopolíticas,
como a história tétrica do Tibete como sociedade feudal, marcada por guerras civis e o ódio
enrustido aos monges.]
REED - Que estupidez. Não
creio que a China queira algo
comigo.
PERGUNTA - Não pense isso: a China se interessa por tudo o que possa
sugerir modernidade. Agora mesmo
há grupos em Pequim que soam como o Velvet Underground.
REED - Bem... Espero que minha música lhes sirva de exemplo de dissidência, como acontecia na Europa comunista.
[Lou Reed adora mencionar
seus amigos ilustres. Ele interrompe a conversa quando recebe uma ligação do diretor Wim
Wenders. Durante alguns minutos, até sua voz se modifica,
ficando doce e obsequiosa. Alguns dos presentes olham para
ele, pasmos: a impressão que se
tem é que o ogro se transformou em princesa.
Convém recordar um pequeno segredo: Lou Reed é infinitamente mais respeitado e reconhecido na Europa do que
nos EUA. Poderíamos descrevê-lo como desconhecido dos
cidadãos comuns de seu próprio país.
Chegou ao auge da popularidade com "Walk on the Wild Side", de seu álbum "Transformer" (1972), carinhosamente
produzido por David Bowie. Tirando esse momento mágico,
seus discos carrancudos nunca
saíram do circuito do rock.]
PERGUNTA - Você acha que a indústria americana de discos entendeu
quem era realmente Lou Reed?
REED - (Sarcástico) Não gosto
de falar mal dos mortos. A indústria do disco está morta.
PERGUNTA - Mas sempre houve
quem o apoiasse. A RCA [Radio Corporation of America] inclusive lançou um trabalho tão indigesto
quanto o disco duplo "Metal Machine Music", em 1975.
REED - Não sabiam o que fazer
com ele. Eles o editaram para
enterrá-lo. No ano passado, fiz
um disco instrumental muito
mais suave, "Hudson River
Wind Meditations", e nenhuma gravadora grande quis tocar
nele. Apenas um selo pequeno,
quase sem distribuição. Foi
pensado para acompanhar
exercícios de tai chi e sessões
de meditação.
Acho que poucas vezes se
gravou o vento com tanto realismo quanto nesse disco. E eu
o fiz sozinho, em minha casa.
PERGUNTA - Mas você tem canções
novas?
REED - A música que mais me
interessa hoje é instrumental,
improvisada, totalmente livre.
Algumas semanas atrás eu
estive tocando em Los Angeles
com Ulrich Krieger (instrumentista alemão que transcreveu "Metal Machine Music"
para uma orquestra de câmara)
e Sarth Calhoun, um engenheiro que manipula nossos sons.
Foi muito instigante: boa
parte do público foi saindo (riso
seco). Mas muitos aguentaram.
E foram duas horas!
PERGUNTA - O fato de torturar seus
ouvintes lhe dá prazer?
REED - Não é isso. Adoro frustrar as expectativas desse público que procura o artista decadente. Você sabe o que Frank
Sinatra dizia? Que, se um décimo das coisas que falavam a seu
respeito fosse verdade, ele teria
terminado num zoológico.
Comigo é a mesma coisa. Tenho 65 anos e ainda posso romper barreiras sonoras.
PERGUNTA - Ultimamente você anda mais interessado no som puro do
que nas canções?
REED - As canções perderam
impacto. Inclusive as boas. Elas
estão em toda parte, são ouvidas em todas as situações, mas
muito baixinho, sem força.
Quero reivindicar o poder
transformador do som em alto
volume, aquele que o agarra pelo estômago e tira seu fôlego.
Som saindo de bons amplificadores, não dos fones de ouvido
ridículos que as pessoas usam.
[Bem, as pessoas e o próprio
Lou Reed. Ele mostra, orgulhoso, um reprodutor minúsculo
no qual leva armazenados os
programas -incluindo as capas
dos discos originais- que faz
para a rádio por satélite Sirius.]
REED - Chama-se "New York
Shuffle" e consiste em oferecer
música muito eclética. Há grupos atuais, como Kings of Leon
ou Queens of the Stone Age,
mas também guitarristas dos
anos 1930 e os quartetos de
gospel que Elvis Presley ouvia.
Ou a música eletrônica que
produziam nos laboratórios da
BBC para acompanhar histórias de ficção científica.
PERGUNTA - Você se inspirou no
"Time Theme Radio Hour", o programa apresentado por Bob Dylan?
REED - Você está de brincadeira? Dylan nunca se atreveria a
colocar Ornette Coleman (saxofonista de free jazz), que é
um dos meus heróis.
[O entrevistador é obrigado a
conviver com os nervos de Lou.
E não falo apenas do tremor de
suas mãos: ele salta de um assunto para o outro, como se
concentrar-se o entediasse. De
modo geral, comporta-se como
homem inquieto e curioso.
Do terraço de seu hotel, esquadrinha a paisagem urbana
de Barcelona. Pergunta sobre
os prédios que estão sendo restaurados, quer saber os horários de abertura dos museus.
Afirma que ainda se recorda
da sua primeira visita à cidade:
"No final da apresentação, eu
queria dar um bis. Mas dois militares se aproximaram e me
proibiram. Como eu insistia,
sacaram uma pistola. Então fiquei quieto."
Consultado a respeito, o promoter que o levou à Espanha
duvida que algo semelhante tenha acontecido: "Talvez ele tenha se confundido com a Itália;
nos anos 1960 costumava haver
muita violência nos concertos.
De qualquer maneira, a polícia prefere falar com os organizadores de um concerto, não
com o artista."
Não é fácil confirmar dados
com ele. Muda o rumo da prosa
constantemente. Diz estar farto de perguntas sobre política e,
em seguida, começa a discorrer
sobre as diferenças morais entre a Guerra do Afeganistão e a
invasão do Iraque.]
REED - Gosto de informações
baseadas na realidade. Tenho
conhecidos que se refugiam em
teorias conspiratórias; eu mesmo já passei dias pesquisando
na internet, mas você acaba numa indeterminação que o leva à
loucura.
Finalmente, minha conclusão é que a administração Bush
não teria sido suficientemente
inteligente para arquitetar algo
como o 11 de Setembro -o que
diria mantê-lo em segredo.
[Conversar sobre um assunto qualquer com ele também
tem seus encantos. Ele demonstra sede por informação e
menciona, por exemplo, os dados de "Operation Lune", o falso documentário em que o diretor francês William Karel desenvolvia -com a cumplicidade de convidados famosos- o
rumor de que a Nasa não teria
chegado à Lua e que as cenas
que vimos teriam sido feitas
por Stanley Kubrick num estúdio britânico.
"Espere até eu contar isso a
[sua mulher] Laurie [Anderson] -ela vai adorar."]
PERGUNTA - Você reconstruiu seu
personagem público. Nos anos 1970
e 1980, era o "rock and roll animal"
(era esse o título de seu primeiro disco gravado ao vivo, em 1974). E agora o vemos muito à vontade em
eventos de alta cultura.
REED - Meu personagem se
converteu em algo grotesco.
Estou pensando em algumas
histórias em quadrinhos editadas na Espanha, em que eu era
uma espécie de Conde Drácula
do rock. Minha vida não era tão
... interessante assim (risos).
Acho divertido enganar os estereótipos, tratar com políticos
ou representantes do mundo
acadêmico.
[Suas assistentes começam a
se mostrar inquietas. O evento
de divulgação começou com
muito atraso, e já passou da hora razoável de comer.
Lou Reed sempre foi um tanto quanto esnobe em matéria
de alimentação: fazia dietas insólitas, aconselhado por nutricionistas misteriosos. Mas hoje
ele age como qualquer turista
americano urgentemente necessitado de combustível: pede
um hambúrguer.]
DIEGO ALFREDO MANRIQUE é jornalista e crítico musical. A íntegra deste texto foi publicada
no "El País".
Tradução de Clara Allain.
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