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São Paulo, domingo, 04 de maio de 2003

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A solução para a Palestina

Alain Touraine

A partir do momento em que os americanos decidiram fazer a guerra, sem a concordância das Nações Unidas, sua vitória rápida era garantida e ela não causou surpresa. Em compensação, essa vitória demonstrou principalmente que os discursos de Bush sobre a grave ameaça que pesava sobre os Estados Unidos não se baseavam na realidade, mas se destinavam a manipular a opinião americana: o exército iraquiano não era poderoso; ele não recorreu a armas de destruição em massa; não houve ligações militares entre o Iraque e a Al Qaeda. Constatações que não surpreendem, mas que nos lembram que a expedição americana ao Iraque respondeu a um projeto hegemônico formado menos pela opinião pública do que pelos dirigentes do país depois do atentado de 11 de setembro. Uma vez conquistado o Iraque e resolvidos os problemas de transição, em particular de luta contra a pilhagem, os dirigentes americanos estão diante da escolha entre três posições possíveis. A primeira, de que se tem falado com mais frequência desde a tomada de Bagdá, é punir a Síria por ter permitido a fuga dos chefes iraquianos pelo seu país, irmão inimigo do Iraque no interior do movimento baasista. Mas fazer a escolha de atacar a Síria teria o grave inconveniente de envolver os Estados Unidos cada vez mais profundamente na região, sem plano de conjunto e correndo o risco de multiplicar os focos de resistência. A segunda solução possível é mais ambiciosa e mais próxima da realidade. Os Estados Unidos gostariam de redesenhar o mapa ao mesmo tempo social, nacional e étnico de toda a região. Em particular, os Estados Unidos poderiam elaborar uma solução para os curdos que não fosse inaceitável para a Turquia; poderiam também permitir aos xiitas do sul do Iraque exprimir-se livremente sem abrir o caminho a um novo islamismo que viesse reforçar o plano mais duro dos mulás iranianos e conduzir portanto a uma guerra, prevista pelos próprios ideólogos do eixo do mal, entre o Irã e os Estados Unidos; uma tal política regional deveria incluir também a transformação da Arábia Saudita, que conseguiu de maneira surpreendente ser ao mesmo tempo a aliada mais sólida dos Estados Unidos e a principal fonte de financiamento dos movimentos islâmicos mais extremos. Um programa de ação dessa magnitude seria provavelmente apresentado como uma vontade de substituir as ditaduras atuais por Estados democráticos, mas em toda parte no mundo é muito forte a convicção de que a democracia não pode ser imposta pela força das baionetas. No Iraque, mesmo, observa-se quão pouco confiáveis são os líderes da emigração que retornam ao país com os tanques americanos e britânicos.

Chance de paz
A terceira possibilidade aberta à decisão americana é dar prioridade à solução do conflito israelense-palestino. O presidente Bush evocou várias vezes a necessidade de criar um Estado nacional palestino, o que supõe a retirada da maior parte das colônias estabelecidas pelos israelenses nos "territórios". A importância dessa escolha é que a situação atual está bloqueada dos dois lados, palestino e israelense. Sharon não pode impor soluções a uma população palestina, e esta, por seu lado, perdeu a confiança que depositava na Autoridade Palestina, desconsiderada por seu autoritarismo e sua corrupção. Essa terceira perspectiva é tão importante e parece impor-se tão fortemente por si mesma que, embora haja muitas dúvidas sobre a existência de um plano americano em relação à Palestina, não se pode simplesmente negar sua existência e suas possibilidades, no momento em que nenhum outro centro de poder é capaz de intervir para resolver esse delicado problema. Do mesmo modo que é ilusório pedir à ONU que se encarregue de reconstruir o Iraque, quando é o Exército norte-americano que ocupa sozinho o poder nesse país, é possível e urgente exercer uma forte pressão em nível internacional em favor da busca de uma solução que não terá chance nenhuma de acontecer se não for apoiada e aplicada pelos EUA. Não há como encontrar hoje uma solução para o conflito aberto entre israelenses e palestinos fora de uma intervenção dos Estados Unidos, mesmo se há fortes razões para duvidar da capacidade dos americanos de elaborar e de aplicar uma solução confiável. Pode parecer contraditório ter-se oposto desde o início e com todas as forças ao projeto militar americano e querer agora suspender o julgamento sobre as consequências da conquista enquanto não se souber claramente o que o governo americano fará ou não fará para encontrar uma solução ao problema palestino. Mas quem ousa dizer hoje que não há nenhuma chance de os Estados Unidos chegarem a uma solução, de imporem um acordo a adversários encerrados num conflito de morte, desde que Netanyahu e depois Sharon rejeitaram qualquer forma de reconhecimento de um Estado nacional palestino? Como deixar passar uma chance, mesmo pequena, de resolver uma situação que se mostra completamente bloqueada?

Intervenção necessária
Mas existe uma segunda razão para não eliminar a priori uma intervenção americana na questão palestina. É que as Nações Unidas e os europeus nada têm a propor e não têm nem mesmo a capacidade de impor ao menos um objetivo limitado a um governo americano cujo exército é triunfante e aparece como a única garantia da ordem pública. Mas o tempo de que dispõem os Estados Unidos para tomar uma iniciativa é muito limitado, pois a situação atual pode se romper a qualquer momento e em qualquer setor. Durante algumas semanas, depende dos Estados Unidos o desencadeamento de uma série de crises cada vez mais endêmicas ou, ao contrário, o surgimento de um começo de solução ao problema palestino. Não contribuamos para que se reduzam as chances, já pequenas, de solução de um conflito que parece hoje sem saída. Nada de política do pior, mesmo se nossa condenação da política americana que conduziu a essa guerra permanece intacta.


Alain Touraine, sociólogo, é diretor da Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, e autor de "A Crítica da Modernidade" (ed. Vozes), entre outros.

Tradução de Paulo Neves.


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