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A solução para a Palestina
Alain Touraine
A partir do momento em que os
americanos decidiram fazer a
guerra, sem a concordância das
Nações Unidas, sua vitória rápida era garantida e ela não causou surpresa. Em compensação, essa vitória demonstrou principalmente que os discursos de Bush sobre a grave ameaça que pesava sobre os Estados Unidos não se baseavam na realidade, mas se destinavam
a manipular a opinião americana: o exército iraquiano não era poderoso; ele não
recorreu a armas de destruição em massa; não houve ligações militares entre o
Iraque e a Al Qaeda. Constatações que
não surpreendem, mas que nos lembram que a expedição americana ao Iraque respondeu a um projeto hegemônico formado menos pela opinião pública
do que pelos dirigentes do país depois do
atentado de 11 de setembro.
Uma vez conquistado o Iraque e resolvidos os problemas de transição, em particular de luta contra a pilhagem, os dirigentes americanos estão diante da escolha entre três posições possíveis. A primeira, de que se tem falado com mais
frequência desde a tomada de Bagdá, é
punir a Síria por ter permitido a fuga dos
chefes iraquianos pelo seu país, irmão
inimigo do Iraque no interior do movimento baasista. Mas fazer a escolha de
atacar a Síria teria o grave inconveniente
de envolver os Estados Unidos cada vez
mais profundamente na região, sem plano de conjunto e correndo o risco de
multiplicar os focos de resistência. A segunda solução possível é mais ambiciosa
e mais próxima da realidade. Os Estados
Unidos gostariam de redesenhar o mapa
ao mesmo tempo social, nacional e étnico de toda a região.
Em particular, os Estados Unidos poderiam elaborar uma solução para os
curdos que não fosse inaceitável para a
Turquia; poderiam também permitir aos
xiitas do sul do Iraque exprimir-se livremente sem abrir o caminho a um novo
islamismo que viesse reforçar o plano
mais duro dos mulás iranianos e conduzir portanto a uma guerra, prevista pelos
próprios ideólogos do eixo do mal, entre
o Irã e os Estados Unidos; uma tal política regional deveria incluir também a
transformação da Arábia Saudita, que
conseguiu de maneira surpreendente ser
ao mesmo tempo a aliada mais sólida
dos Estados Unidos e a principal fonte de
financiamento dos movimentos islâmicos mais extremos.
Um programa de ação dessa magnitude seria provavelmente apresentado como uma vontade de substituir as ditaduras atuais por Estados democráticos,
mas em toda parte no mundo é muito
forte a convicção de que a democracia
não pode ser imposta pela força das
baionetas. No Iraque, mesmo, observa-se quão pouco confiáveis são os líderes
da emigração que retornam ao país com
os tanques americanos e britânicos.
Chance de paz
A terceira possibilidade aberta à decisão americana é dar
prioridade à solução do conflito israelense-palestino. O presidente Bush evocou
várias vezes a necessidade de criar um
Estado nacional palestino, o que supõe a
retirada da maior parte das colônias estabelecidas pelos israelenses nos "territórios". A importância dessa escolha é que
a situação atual está bloqueada dos dois
lados, palestino e israelense. Sharon não
pode impor soluções a uma população
palestina, e esta, por seu lado, perdeu a
confiança que depositava na Autoridade
Palestina, desconsiderada por seu autoritarismo e sua corrupção.
Essa terceira perspectiva é tão importante e parece impor-se tão fortemente
por si mesma que, embora haja muitas
dúvidas sobre a existência de um plano
americano em relação à Palestina, não se
pode simplesmente negar sua existência
e suas possibilidades, no momento em
que nenhum outro centro de poder é capaz de intervir para resolver esse delicado problema. Do mesmo modo que é
ilusório pedir à ONU que se encarregue
de reconstruir o Iraque, quando é o Exército norte-americano que ocupa sozinho
o poder nesse país, é possível e urgente
exercer uma forte pressão em nível internacional em favor da busca de uma solução que não terá chance nenhuma de
acontecer se não for apoiada e aplicada
pelos EUA. Não há como encontrar hoje
uma solução para o conflito aberto entre
israelenses e palestinos fora de uma intervenção dos Estados Unidos, mesmo
se há fortes razões para duvidar da capacidade dos americanos de elaborar e de
aplicar uma solução confiável.
Pode parecer contraditório ter-se
oposto desde o início e com todas as forças ao projeto militar americano e querer
agora suspender o julgamento sobre as
consequências da conquista enquanto
não se souber claramente o que o governo americano fará ou não fará para encontrar uma solução ao problema palestino. Mas quem ousa dizer hoje que não
há nenhuma chance de os Estados Unidos chegarem a uma solução, de imporem um acordo a adversários encerrados
num conflito de morte, desde que Netanyahu e depois Sharon rejeitaram qualquer forma de reconhecimento de um
Estado nacional palestino? Como deixar
passar uma chance, mesmo pequena, de
resolver uma situação que se mostra
completamente bloqueada?
Intervenção necessária
Mas existe uma segunda razão para não eliminar a
priori uma intervenção americana na
questão palestina. É que as Nações Unidas e os europeus nada têm a propor e
não têm nem mesmo a capacidade de
impor ao menos um objetivo limitado a
um governo americano cujo exército é
triunfante e aparece como a única garantia da ordem pública. Mas o tempo de
que dispõem os Estados Unidos para tomar uma iniciativa é muito limitado,
pois a situação atual pode se romper a
qualquer momento e em qualquer setor.
Durante algumas semanas, depende dos
Estados Unidos o desencadeamento de
uma série de crises cada vez mais endêmicas ou, ao contrário, o surgimento de
um começo de solução ao problema palestino. Não contribuamos para que se
reduzam as chances, já pequenas, de solução de um conflito que parece hoje sem
saída. Nada de política do pior, mesmo
se nossa condenação da política americana que conduziu a essa guerra permanece intacta.
Alain Touraine, sociólogo, é diretor da Escola de
Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, e autor de "A Crítica da Modernidade" (ed. Vozes), entre outros.
Tradução de Paulo Neves.
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