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Ponto de Fuga
Velhas guerras
As artes de Brasil e Argentina fizeram-se lado a lado, voltadas para a Europa, sem espiar, nem com o rabo dos olhos, aquilo que o vizinho inventava; os resultados foram muito diferentes
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
O Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires expõe "As Armas da
Pintura - A Nação em Construção (1852-1870)". A mostra
centra-se nos conflitos militares da história Argentina. No
Brasil, os artistas também fixaram episódios desse gênero.
Porém os dois universos são
muito distintos.
Em primeiro lugar, nada indica qualquer contato entre
eles, a não ser o caso fortuito de
Jean Léon Pallière [1823-87],
que nasceu no Brasil, formou-se pela Academia Imperial de
Belas Artes do Rio de Janeiro,
fixou-se em Buenos Aires, mas
não teceu laços entre os dois
países.
As artes de ambas as nações
fizeram-se lado a lado, voltadas
para a Europa, sem espiar, nem
com o rabo dos olhos, para
aquilo que o vizinho andava inventando. Os resultados também foram muito diferentes. O
Brasil imperial fez importante
investimento nas artes. Muitos
artistas, formados pela Academia de Belas Artes do Rio,
eram enviados para aperfeiçoarem-se na Europa.
Esperava-se desses talentos
nativos uma exaltação de episódios pátrios, antigos ou contemporâneos. Eles criaram então quadros monumentais,
com dezenas de metros quadrados. Nenhum descrevia de
fato os episódios: empregavam
a eloqüência visual para fabricar o imaginário da história.
Amplidões
"A Batalha de Avaí", de Pedro
Américo, está no Museu Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro. Mede mais ou menos 6
metros por 10 metros. Mostra
um redemoinho unindo céu e
terra que arrasta os homens.
Não é mais a batalha singular, atropelada que foi pela
guerra genérica: Pedro Américo quis ultrapassar o combate
circunscrito para conceber
uma humanidade inteira em
sua ferocidade coletiva, tomada
pelo delírio da fúria militar e
guerreira. Figurou-se bem no
meio da cena, como soldado raso, o único que ostenta uma
baioneta manchada de sangue.
Fita-nos fixamente. Está no
transe de um desvario: à volta
dele gravita o caos.
"A Passagem de Humaitá",
de Victor Meirelles [1832-1903], no Museu Histórico Nacional do Rio, é outra tela imensa, em que tudo se resume a manchas escuras e luzes avermelhadas que emergem, aqui,
ali: Gonzaga Duque falou de
Turner a respeito dessa obra.
Ângulo
Na Argentina, as pinturas
dos combates tendem para a
crônica. São telas pequenas que
põem em situação alguns poucos personagens. Mas as panorâmicas dos combates tiveram
um supremo intérprete, Cándido López, estupendo mago de
um mundo microscópico.
Minúcia
Cándido López [1840-1902]
foi o mestre argentino das batalhas. Pintou em pequenos painéis, longos, de mais ou menos
1 metro por 40 centímetros.
López era militar, perdeu a
mão direita nos combates e teve que aprender a pintar com a
esquerda. Freqüentou alguns
mestres, não obteve uma bolsa
que solicitou para aperfeiçoar-se na Europa.
Expôs uma única vez, e os organizadores dessa mostra mencionaram, na apresentação,
que se tratava apenas de ilustrações feitas "com escrupulosa severidade histórica", mas
que "não se apresentam com
pretensões artísticas".
Foi, porém, um criador de espantosa originalidade. Há nele
algo do que se costuma chamar
de arte ingênua, pelo minucioso inventário dos personagens
e pela estranheza da escala.
No entanto transfigura tudo
o que representa por um sentido finíssimo das gradações de
luz, pelo delicado sentimento
atmosférico, pelos maravilhosos acordes cromáticos. Nada
tem dos saberes ambiciosos de
um Américo ou de um Meirelles; encontrou outros, pessoais
e primorosos.
jorgecoli@uol.com.br
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