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+ Movimento estudantil
MAO ENQUADRADO
MOBILIZAÇÕES ATUAIS NO BRASIL, NA FRANÇA E NOS EUA TROCAM VIÉS POLÍTICO PELO PRAGMÁTICO
Hoje,
as ocupações aproximam os estudantes brasileiros do 68 parisiense
e os distanciam muito do 68 brasileiro
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MARIA DA GLÓRIA GOHN
ESPECIAL PARA A FOLHA
Os estudantes são
atores importantes da vida pública
de um país. No
Brasil, destacaram-se no Maio de 68 e nos
anos 70 na luta contra o regime
militar. Nos anos 80, no "Diretas Já" e, nos 90, como os caras-pintadas.
Neste século, estudantes de
vários países voltaram à cena
pública com atos de protesto,
especialmente nos territórios
emblemáticos dos acontecimentos do Maio de 68, quais
sejam, França e EUA.
Em 2007, em Nanterre, eles
realizaram um bloqueio, estendendo o protesto à Sorbonne.
Demandavam o direito à educação (independentemente de
ter ou não documentos), autonomia universitária, participação nos conselhos etc. Em
abril, estudantes de Paris, Lyon
e Grenoble protestaram nas
ruas contra o corte de 11.200
empregos no ensino público.
Nos EUA, em 2007 e 2008,
os estudantes protestaram pelos direitos dos estudantes, especialmente dos latinos na Califórnia, contra o corte de verbas para a educação e contra a
comercialização na universidade de roupas provenientes de
"sweatshops" -confecções na
América Latina e na Ásia onde
a exploração do trabalho é realizada em condições precárias.
Na Universidade de Michigan, houve protestos que culminaram na prisão de estudantes. Lá, o regulamento sobre "condutas proibidas em instituições de ensino superior"
prevê que os estudantes podem
ser multados e presos, medidas
tomadas após o 11 de Setembro.
Na Universidade do Sul da
Califórnia, os estudantes se
mobilizaram pelas mesmas razões. Em outras universidades,
os estudantes demandam
igualdade nas ações afirmativas para todos os filhos de imigrantes, como as que já conquistaram os afro-americanos.
Em todos os exemplos citados, as ações dos estudantes foram diretas, as assembléias
eram o eixo de articulação dos
rumos das ações, e os blogs
eram espaços de discussão e
encaminhamentos.
A questão dos imigrantes
-em termos de direitos e expressão da cultura- estava
presente. Trata-se de um ativismo político-cultural.
Blogs e referendos
No Brasil, em 2007 os estudantes criaram um protagonismo próprio ao ocupar reitorias
em várias universidades do
país, como na USP, Unicamp e
Unesp, em atos de oposição ao
decreto que alterava a autonomia universitária.
Houve ocupação também na
PUC-SP. Nas universidades federais as ocupações foram pela
rejeição ao Programa de Apoio
a Planos de Reestruturação e
Expansão das Universidades
Federais (Reuni) do governo
federal. O ápice das ocupações
se deu no mês passado, com
ações na Universidade de Brasília e na Unifesp.
As ocupações apresentam
várias novidades, como: os estudantes agiram independentes de outros movimentos ou
instituições da sociedade brasileira, aliando questões específicas a demandas éticas relativas
ao uso indevido do dinheiro público, presentes também em
outros segmentos da vida nacional. As ações foram organizadas por grupos que atuavam
via referendamento em assembléias, com lideranças sem experiência anterior, que se formaram no processo.
E usaram ferramentas tecnológicas, principalmente os
blogs, como forma de articular,
em rede, ações dispersas e fragmentadas.
As ocupações indicam que a
idéia da apatia e alienação do
movimento estudantil após os
anos 60 deve ser revista. Talvez
o ponto central seja: eles fazem
política de outra forma, motivados pelo pragmatismo que
gera movimentalismo.
Houve, sim, um processo de
institucionalização de suas organizações, que se fecharam
em determinadas orientações
programáticas e ideológicas,
mas o movimento foi se reconstruindo com ações coletivas
mais autônomas.
Hoje, manifestam-se mais no
plano político-cultural, e não
político-partidário. Embora
partidos e grupos políticos estejam presentes nas suas organizações, especialmente o PC
do B, o PT, o PSOL, o PSTU e o
MR8, eles não dirigem ou não
detêm a hegemonia na condução das ocupações.
Lições de Confúcio
Há, portanto uma relativa
autonomia e articulações de diferentes matizes ideológicas. O
socialismo libertário, o anarquismo etc. também estão presentes, a exemplo da multiplicidade de correntes políticas e
ideológicas do Maio de 68 na
França.
Por isso, afirmamos que o caráter das ocupações na atualidade aproxima os estudantes
brasileiros do Maio de 68 -especialmente na sua etapa inicial, na Universidade de Nanterre- e se distancia muito do
Maio de 68 no próprio Brasil.
Isso porque o movimento
francês, naquela época, teve um
forte conteúdo cultural, queria
mudar o mundo e a universidade -sua rigidez, seus procedimentos, sua burocracia.
O Maio estudantil de 68 no
Brasil foi uma luta política de
oposição ao regime militar com
íntima conexão entre estudantes e partidos políticos.
Na atualidade, encontramos
fundamentos para o pragmatismo dos estudantes brasileiros
que se mobilizam nas ocupações mais nos ensinamentos de
Confúcio -que prioriza a ética
e a moralidade- do que nos ensinamentos de Mao Tse-tung
dos anos 60, que preconizava a
aliança dos estudantes com os
camponeses e operários para
uma revolução cultural.
MARIA DA GLÓRIA GOHN é professora titular
da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (SP) e autora de "Movimentos
Sociais no Início do século 21" (ed. Vozes).
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