São Paulo, domingo, 04 de maio de 2008

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+ Movimento estudantil

MAO ENQUADRADO

MOBILIZAÇÕES ATUAIS NO BRASIL, NA FRANÇA E NOS EUA TROCAM VIÉS POLÍTICO PELO PRAGMÁTICO


Hoje, as ocupações aproximam os estudantes brasileiros do 68 parisiense e os distanciam muito do 68 brasileiro

MARIA DA GLÓRIA GOHN
ESPECIAL PARA A FOLHA

Os estudantes são atores importantes da vida pública de um país. No Brasil, destacaram-se no Maio de 68 e nos anos 70 na luta contra o regime militar. Nos anos 80, no "Diretas Já" e, nos 90, como os caras-pintadas.
Neste século, estudantes de vários países voltaram à cena pública com atos de protesto, especialmente nos territórios emblemáticos dos acontecimentos do Maio de 68, quais sejam, França e EUA.
Em 2007, em Nanterre, eles realizaram um bloqueio, estendendo o protesto à Sorbonne. Demandavam o direito à educação (independentemente de ter ou não documentos), autonomia universitária, participação nos conselhos etc. Em abril, estudantes de Paris, Lyon e Grenoble protestaram nas ruas contra o corte de 11.200 empregos no ensino público.
Nos EUA, em 2007 e 2008, os estudantes protestaram pelos direitos dos estudantes, especialmente dos latinos na Califórnia, contra o corte de verbas para a educação e contra a comercialização na universidade de roupas provenientes de "sweatshops" -confecções na América Latina e na Ásia onde a exploração do trabalho é realizada em condições precárias.
Na Universidade de Michigan, houve protestos que culminaram na prisão de estudantes. Lá, o regulamento sobre "condutas proibidas em instituições de ensino superior" prevê que os estudantes podem ser multados e presos, medidas tomadas após o 11 de Setembro.
Na Universidade do Sul da Califórnia, os estudantes se mobilizaram pelas mesmas razões. Em outras universidades, os estudantes demandam igualdade nas ações afirmativas para todos os filhos de imigrantes, como as que já conquistaram os afro-americanos.
Em todos os exemplos citados, as ações dos estudantes foram diretas, as assembléias eram o eixo de articulação dos rumos das ações, e os blogs eram espaços de discussão e encaminhamentos.
A questão dos imigrantes -em termos de direitos e expressão da cultura- estava presente. Trata-se de um ativismo político-cultural.

Blogs e referendos
No Brasil, em 2007 os estudantes criaram um protagonismo próprio ao ocupar reitorias em várias universidades do país, como na USP, Unicamp e Unesp, em atos de oposição ao decreto que alterava a autonomia universitária.
Houve ocupação também na PUC-SP. Nas universidades federais as ocupações foram pela rejeição ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni) do governo federal. O ápice das ocupações se deu no mês passado, com ações na Universidade de Brasília e na Unifesp.
As ocupações apresentam várias novidades, como: os estudantes agiram independentes de outros movimentos ou instituições da sociedade brasileira, aliando questões específicas a demandas éticas relativas ao uso indevido do dinheiro público, presentes também em outros segmentos da vida nacional. As ações foram organizadas por grupos que atuavam via referendamento em assembléias, com lideranças sem experiência anterior, que se formaram no processo. E usaram ferramentas tecnológicas, principalmente os blogs, como forma de articular, em rede, ações dispersas e fragmentadas.
As ocupações indicam que a idéia da apatia e alienação do movimento estudantil após os anos 60 deve ser revista. Talvez o ponto central seja: eles fazem política de outra forma, motivados pelo pragmatismo que gera movimentalismo.
Houve, sim, um processo de institucionalização de suas organizações, que se fecharam em determinadas orientações programáticas e ideológicas, mas o movimento foi se reconstruindo com ações coletivas mais autônomas.
Hoje, manifestam-se mais no plano político-cultural, e não político-partidário. Embora partidos e grupos políticos estejam presentes nas suas organizações, especialmente o PC do B, o PT, o PSOL, o PSTU e o MR8, eles não dirigem ou não detêm a hegemonia na condução das ocupações.

Lições de Confúcio
Há, portanto uma relativa autonomia e articulações de diferentes matizes ideológicas. O socialismo libertário, o anarquismo etc. também estão presentes, a exemplo da multiplicidade de correntes políticas e ideológicas do Maio de 68 na França.
Por isso, afirmamos que o caráter das ocupações na atualidade aproxima os estudantes brasileiros do Maio de 68 -especialmente na sua etapa inicial, na Universidade de Nanterre- e se distancia muito do Maio de 68 no próprio Brasil.
Isso porque o movimento francês, naquela época, teve um forte conteúdo cultural, queria mudar o mundo e a universidade -sua rigidez, seus procedimentos, sua burocracia.
O Maio estudantil de 68 no Brasil foi uma luta política de oposição ao regime militar com íntima conexão entre estudantes e partidos políticos.
Na atualidade, encontramos fundamentos para o pragmatismo dos estudantes brasileiros que se mobilizam nas ocupações mais nos ensinamentos de Confúcio -que prioriza a ética e a moralidade- do que nos ensinamentos de Mao Tse-tung dos anos 60, que preconizava a aliança dos estudantes com os camponeses e operários para uma revolução cultural.


MARIA DA GLÓRIA GOHN é professora titular da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (SP) e autora de "Movimentos Sociais no Início do século 21" (ed. Vozes).


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