São Paulo, domingo, 04 de maio de 2008

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+ Memória

REBELDIA LTDA.

LÍDER DOS PROTESTOS DE PARIS EM 1968 E DEPUTADO DO PARLAMENTO EUROPEU HOJE, DANIEL COHN-BENDIT, 63, DESMENTE QUE TENHA SE TORNADO DE DIREITA E DIZ QUE É ANGUSTIANTE SER JOVEM ATUALMENTE

SYLVAIN COURAGE
MARIE-FRANCE ETCHEGOIN

O legado do Maio de 1968, a juventude num mundo precário, a utilidade da revolta, a relação com a autoridade. Os redatores de 20 anos do "Nouvel Observateur" debateram com o eterno rebelde Daniel Cohn-Bendit [atualmente com 63 anos e deputado no Parlamento Europeu, representando o Partido Verde alemão]. Leia abaixo os principais trechos:  

SOPHIE - Eu gostaria que o sr. nos explicasse como se pode ser revoltado contra a sociedade e as instituições aos 20 anos e viver plenamente dentro delas aos 60. O sr. se tornou de direita ou encerrou sua revolta?
DANIEL COHN-BENDIT
- É mais complicado que isso. Sempre é possível revoltar-se aos 60 anos. Podemos desordenar estando dentro das instituições e podemos ser enquadrados permanecendo fora delas. Quer dizer que estou enquadrado? Não sei nada sobre isso; cabe aos outros julgar. Acho que o que faço hoje como deputado europeu é importante; acredito nisso. Acredito que estou dentro e fora: ao mesmo tempo dentro das instituições, para fazê-las mudarem, e fora, para criticá-las, se for preciso.

SOPHIE - O sr. não está farto dessa imagem de adolescente rebelde que o acompanha há 40 anos?
COHN-BENDIT
- É engraçado: cinco minutos atrás você me fez a crítica contrária. Afinal, precisamos decidir: estou enquadrado ou sou rebelde? Escute, vou lhe dizer francamente: sou como sou. Não fico refletindo sobre isso a cada cinco minutos. Quando alguma coisa me revolta, eu me expresso. Tomemos o caso das Olimpíadas: estou convencido de que é preciso semear a confusão em Pequim! E repito isso em todas as mídias.
Há momentos em que é preciso interpelar as pessoas e interpelar a nós mesmos. É uma maneira de viver. Em Pequim, os atletas que vão correr, saltar, nadar também podem demonstrar que não estão de acordo, que defendem os direitos humanos. Também acredito nos jornalistas cidadãos. Haverá entre 8.000 e 10 mil jornalistas presentes. Eles poderão fazer jornalismo em Pequim, e não apenas relatar a Olimpíada.
Além disso, haverá centenas de milhares de espectadores. Se todo mundo marcar encontro na praça da Paz Celestial, quero ver como as autoridades chinesas poderão proibir o acesso das pessoas. O que poderão fazer? Mandar tanques?

ANNE-LAURE - Minha mãe esteve em Nanterre [campus da Universidade de Paris onde foram deflagrados os protestos] em 1968. Era primavera, os estudantes estavam despreocupados, viviam numa sociedade em que não havia desemprego e, hoje, vivem em boa situação, estão instalados. Maio de 68 não terá sido simplesmente um grande período de férias que não deu em nada?
COHN-BENDIT
- Era maio. O tempo estava muito bonito, é verdade. Não conhecíamos Aids nem degradação climática nem provações da globalização e do desemprego. Éramos prometéicos. Tudo parecia possível. O futuro nos pertencia. Mas é preciso recordar, também, o que era a sociedade dos anos 1960, o autoritarismo da França de De Gaulle, da Alemanha da época... A geração do pós-guerra queria apenas tomar sua vida nas próprias mãos e libertar-se da camisa-de-força de uma sociedade muito conservadora. Nesse sentido, não foram simplesmente grandes férias!
Você critica nossa geração por ter "se instalado". O que isso quer dizer? É verdade que com o passar do tempo a gente se instala, sobretudo quando tem filhos. Eu tinha 45 anos quando meu filho nasceu. Evidentemente, isso muda a vida. De repente, você não é mais o rebelde -torna-se a autoridade. É uma outra idade que começa, uma nova responsabilidade que se carrega.
As pessoas de minha geração queriam a todo custo ser diferentes de seus pais. Elas o foram, mas sem dúvida não tanto quanto queriam. Hoje, observo que os jovens não têm a mesma preocupação de se diferenciarem. Em nossa sociedade, que não facilita as coisas para eles, querem um emprego, casa e família, como todo mundo. Eu os compreendo muito bem. O contexto e as coisas que estão em jogo não são mais os mesmos.

JÉRÉMIE - Para nós, o difícil é sobretudo nos projetarmos no futuro, imaginar como estaremos dentro de dez anos. Porque nos dizemos que tudo é incerto, que a gente não tem mais garantia de emprego.
COHN-BENDIT
- Sim, é muito mais angustiante ser jovem hoje do que há 40 anos. Mas quem tem vontade de se revoltar se revolta!

JÉREMIE - Sim, mas contra quem ou contra o quê?
COHN-BENDIT
- Não cabe a mim dizê-lo. Entretanto, quando os jovens vão para as ruas para protestar contra o contrato do primeiro emprego (CPE), são em número dez vezes maior do que os jovens que se manifestavam em 1968. A revolta é diferente. Mas é autêntica.
Em 1968, lutávamos em nome de alguma coisa. Para alguns, era a Revolução Cultural chinesa; para outros, era Cuba e, para nós, os anarquistas, era a Guerra Civil Espanhola, os conselhos operários de 1917... Todos os derrotados da história eram nossos heróis. Eles eram mais simpáticos do que os carrascos.
É claro que isso não era muito fantástico, sob o ponto de vista da coerência política. Lutar pela liberdade em nome da Revolução Cultural chinesa -havia uma contradição terrível encerrada nisso. Nós nos demos conta disso mais tarde.
Hoje, felizmente, esse tipo de falso modelo, no qual nunca acreditei, não existe mais. Não se grita mais "viva Mao!", "viva Cuba!" ou "viva Che!". Os altermundialistas [movimento antiglobalização], por exemplo, se contentam em dizer que um outro mundo é possível. Mas qual? E como chegar lá? É difícil determinar.
Em todo caso, 1968 não deve ser visto como modelo. Retenham simplesmente que existem momentos históricos em que alguma coisa explode -um desejo de fazer avançar, de transformar a sociedade-, e que isso pode funcionar.

DIMITRI - Se uma revolta eclodisse amanhã, será que teríamos o apoio dos veteranos de 1968, como o sr.? Não o vimos muito durante as manifestações contra o CPE.
COHN-BENDIT
- Eu estava na Alemanha. Quando eu me manifesto, as pessoas me dizem "pare, você está exagerando". E, quando não me ouvem, me criticam: "Mas, afinal, nem sequer vimos você!". Mas acontece que eu estava totalmente de acordo com a luta contra o CPE.

DIMITRI - No segundo semestre de 2007, a polícia entrou em Nanterre durante a ocupação da universidade. O sr. não protestou contra isso na universidade onde estudou. O sr. é favorável à lei Pécresse [sobre autonomia das universidades]...
COHN-BENDIT
- Não, sou a favor da autonomia das universidades. A idéia de uma gestão centralizada das universidades e escolas é uma insensatez.

ZACKARIA - Em 1968, a questão da imigração, das minorias discriminadas, dos bairros problemáticos, não se colocava. Não é essa a diferença principal em relação a nossa época?
COHN-BENDIT
- É verdade. Não imagino uma grande manifestação hoje cantando em coro "somos todos judeus alemães".
Na época, esse slogan era uma maneira de combater o sentimento xenófobo anti-alemão e o anti-semitismo. Era uma palavra de ordem que reunia as pessoas. Hoje, porém, um slogan como esse não é mais concebível.
Por toda parte na Europa nos vemos diante de um grande bloqueio. Diante da imigração, a impressão que se tem é que só existe angústia: a angústia dos imigrados, a dos brancos, a da classe média. A sociedade está profundamente dividida.
Não incrimino ninguém, mas constato que as respostas a esses medos são muito difíceis de encontrar. Nas periferias, hoje, a violência é autodestrutiva.

ABDUL-AZIZ - Dizem que a urgência para o futuro é proteger o ambiente, adotar um modo de desenvolvimento sustentável. Então a gente faz o que pode. Apaga a luz quando deixa um cômodo, economiza água. Para nós, entretanto, o maior problema ainda é encontrar trabalho.
COHN-BENDIT
- Nem por isso a questão do ambiente deixa de estar diante de nós. A degradação climática é fruto de decisões equivocadas tomadas 30 anos atrás. Hoje, a ecologia consiste em tomar as decisões certas para os próximos 30 anos.
É verdade que o momento atual, o cotidiano, nos prende. Mas, se esquecermos o que precisamos fazer para que o planeta esteja habitável em 2040, os filhos de vocês vão sofrer as conseqüências e, sem dúvida, os criticarão por isso.
Se não contivermos o aquecimento climático dentro do limite de 2%, ele alcançará os 3%, e isso desencadeará catástrofes no mundo inteiro. Se o nível do mar subir dois metros, o planeta inteiro terá milhões de refugiados climáticos.
Será que teremos que erguer muros e fortalezas para prevenir migrações maciças? Vocês precisam entender quais são as responsabilidades que cabem a todos nós.


A íntegra desta entrevista saiu no "Nouvel Observateur". Sylvain Courage e Marie-France Etchegoin (c) 2008 "Le Nouvel Observateur". Tradução de Clara Allain .


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