São Paulo, domingo, 4 de outubro de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Crônica à paisana

CARLOS REICHENBACH
especial para a Folha

1. Frente quartel Cumbica - 7h - exterior - dia.

Geral da saída do quartel da Aeronáutica em Cumbica. A posição do sol e a atmosfera deixam nítida a hora da manhã. Dois rapazes de aproximadamente 18 anos vêm saindo pelo portão principal. Ambos estão à paisana, mas calçando coturnos. Carregam sacolas pequenas de zíper na mão. Os dois batem continência para o sargento fardado que está parado na soleira do portão. Pelo corte de cabelo e postura percebe-se que estão "servindo" na base. O movimento é escasso. Os dois rapazes passam pela câmera.

2. Avenida asfaltada - mesmo horário - exterior dia.

A câmera acompanha os dois rapazes (Alfredo e Julinho) que caminham de costas, lado a lado, no meio da avenida asfaltada. Apesar de ser uma larga avenida, não há movimento de automóveis. O longo plano em "travelling" focaliza os dois de corpo inteiro, de baixo para cima. Eles caminham quase marchando. Após alguns segundos de silêncio, o mais alto dos dois começa a falar.

Julinho - Sei lá... tem esse negócio que não me sai da cabeça...
Alfredo - Não entesta...
Julinho - Eu acho que cê sabe quem tá dando em cima dela e não quer dizer...
Alfredo - Tô não... Juro...
Julinho - Se fosse com a tua mina eu diria...
Alfredo - Ô Julinho, pára com isso... Eu mal vejo a Renata...
Julinho - Você sabe tudo daquela cidade!
Alfredo - Sei não... E quer saber?... Cê ia ficar uma vara se eu ficasse de olho no que ela faz na cidade...

Tempo.

Alfredo - Cê tá tão grilado, por que não vem comigo? Vem almoçar lá em casa... A mãe vai gostar... Qualquer coisa, depois cê justifica...
Julinho - Cê sabe que não dá... Vou fazer boca-de-urna pro amigo do meu pai... Eu prometi pro velho...
Alfredo - Você vai votar nele?
Julinho - Tá louco! Eu não voto em comuna!
Alfredo - Que comuna, Julinho... O cara não sabe nem falar direito...
Julinho - É, mas sabe enganar direitinho... Essa história de ter sido estivador e ter começado por baixo... Puta conversa...
Alfredo - Cê não cresceu chamando ele de tio?
Julinho - Foi...
Alfredo - Então... Quem sabe ele não te arruma uma boca...
Julinho - Ó Alfredo... Ele não se elege nem por um cacete... Não vou jogar meu voto fora... Eu espalho "santinho", mas não voto nele...
Alfredo - Você é um "ralo" muito invocado.
Julinho - "Ralo" é você, que não quer fazer carreira... Cê nem sabe o que quer da vida... Cê não tem ideologia... Senso cívico...
Alfredo - Vai te calar, vai...
Julinho - É isso aí... Aposto que vai votar num proletário qualquer...
Alfredo (corrigindo) - Você nem sabe o que é isso...
Julinho (irritado) - Comuna... É tudo comuna...
Alfredo - Mas que burro, meu Deus... Proletário é fodido, Julinho... Como eu e você...

Tempo.

Os dois estão caminhando, passos marcados, sem se falar, quando um carro vermelho conversível passa por eles tocando a buzina. Na direção, uma linda jovem de cabelos loiros, longos. Os dois param e acenam para o carro, que não interrompe seu trajeto em direção ao quartel.
Pela primeira vez na sequência a câmera muda de ângulo, enquadrando os dois em plano próximo, quase close. A expressão de seus rostos demonstra estarem maravilhados com a moça.

Julinho - Ela é linda demais...
Alfredo (admirado com o comentário) - Benza Deus!
Julinho - O cara que tiver com ela chega no topo rapidinho...
Alfredo - Claro, é a filha do Camarão!
Julinho (irritado) - Não disse... Cê não respeita nem general...
Alfredo - Cê tá muito babaca.

Alfredo recomeça a andar, o outro o segue ligeiramente atrás.
Plano semelhante ao anterior, acompanhando os dois de costas.

Julinho - Fala aí, em quem cê vai votar?
Alfredo - Não te interessa...
Julinho - Eu sou teu chegado, eu tenho que saber...
Alfredo - Não adianta...
Julinho - Tudo bem... Você é o rei dos segredinhos... Se eu descobrir que cê sabe pra quem a Renata tá dando bola, cê vai ver...

Tempo.

Julinho (alcançando o outro) - Cê vai procurar ela pra mim ou não vai?
Alfredo (seco) - Não vou...

Tempo.

Alfredo (num repente) - Ela é muito gostosa...
Julinho (ressabiado) - Quem?
Alfredo - A filha do Camarão, porra... Quem cê pensou que fosse?
Julinho (aliviado) - Marcela... Ela chama Marcela...
Alfredo - E eu não sei? Até sonhei com ela outro dia...
Julinho (alcançando o outro) - Tô falando que você não vale nada... Respeito é civismo, sabia?
Alfredo - Se ela te cantasse, cê não fazia nada, né?
Julinho - Claro que não...

O movimento de "travelling" pára, deixando os dois personagens se afastarem por alguns segundos na avenida vazia.

3. Ponte da via Dutra - exterior - dia.

Plano da via Dutra com movimento intenso de carros. A câmera se movimenta e se pode descobrir os dois personagens que estão parados na lateral da rodovia, perto da ponte. Julinho faz sinal pedindo carona, mas nenhum carro estaciona.

Julinho (agoniado, para o outro ao seu lado) - Dá um tempo, Alfredo. Se você ficar do meu lado, ninguém vai parar... Além do mais, cê vai na outra direção...
Alfredo - Tá me despachando, porra... Tô aqui dando força...
Julinho (irritado) - Muito obrigado, pode deixar...
Alfredo - O que é que há, hein?
Julinho - Cê disse que não vai ver a minha mina... Não fala em quem vai votar... E ainda tem a Marcela...
Alfredo - Essa não... Ficou puto porque eu sonhei com ela...
Julinho (realmente amuado) - Fico imaginando o seu sonho e me dá uma raiva!
Alfredo (cínico) - Ô Julinho, que porra de civismo é esse?
Julinho - A Marcela não é pro seu bico, não... Você vai "puxar o carro"... Tem vergonha da farda...
Alfredo - Tenho o cacete! Eu quero é voltar a estudar, só isso...
Julinho - Com que dinheiro? Dos sorvetes da tua mãe?...
Alfredo - Eu posso trabalhar, sabia?

Tempo.

Alfredo (dando conta do sentimento do outro) - Cê ficou perturbado mesmo... Não sabia que você se amarrava tanto na filha do Camarão...
Julinho - E você acha que ela ia ligar pra mim? Eu sei o meu lugar...
Alfredo - Que coisa mais besta... Cê é capacho demais! E se ela for com a tua cara?
Julinho - Eu sou um zero...
Alfredo - Recruta Zero!
Julinho (pensativo) - Será que é possível?
Alfredo - O quê?
Julinho - Alguma chance?
Alfredo - Até eu tenho...
Julinho - Tem nada!
Alfredo - Não tô a fim... Mas você, poxa... Faz sucesso com as minas... É boa pinta... E, se der certo, tá feito pra vida... Assim, libera a Renata...
Julinho (sério) - Pra quem?
Alfredo - Sei lá... Pra quem tá dando em cima dela...
Julinho (fulo) - Cê tá sabendo de tudo, né, cachorro...
Alfredo (desanimado) - Vai começar...

Alfredo começa a andar na direção da passarela da ponte.

Julinho - Em quem você vai votar, Alfredo?
Alfredo (sem interromper o seu trajeto na direção do lado oposto da rodovia) - Em ninguém, Julinho... Em ninguém...
Julinho (alto) - Proletário...
Alfredo - Proletário não... Comunista!

As vozes dos dois vão se misturando aos ruídos dos carros que trafegam pela rodovia.

Julinho - A Renata... Não esquece a Renata...
Alfredo - Não esquece a Marcela... A Marcela...

Julinho faz um gesto de quem não tá escutando. Um carro estaciona próximo a ele. O motorista vai pedir alguma informação e, pelo gestual, percebe-se que o outro pede carona. Julinho entra na porta da frente. O carro parte.
Alfredo chega ao outro lado da rodovia, gesticula pedindo carona e logo é atendido. Um carro de luxo encosta e Alfredo vai até a janela do motorista.

Plano próximo de Alfredo, conversando com o motorista.

Alfredo - Pode me deixar na entrada de Taubaté?

O motorista é um senhor de 50 e poucos anos, cabelos grisalhos e muito distinto.

Senhor (estudando o rapaz) - Você é militar?
Alfredo - Tô servindo aí na base... Não sou bandido não, doutor...
Senhor (apontando o banco vazio ao seu lado) - Entra aí, rapaz...
Alfredo obedece. O carro parte.

4. Geral da via Dutra. O movimento de carros agora é mais intenso. Carro do senhor grisalho - interior - dia.

No interior do carro em movimento, Alfredo tem sua atenção presa aos folhetos e santinhos que se espalham sobre o banco traseiro e à sua frente.
O senhor grisalho estuda o rapaz de soslaio enquanto dirige.
Durante alguns segundos os dois não falam nada.

Senhor (cortando o silêncio) - Tá curioso... Pode pegar, rapaz!

Alfredo aquiesce. Pega um folheto e tenta disfarçar o estranhamento ao ler com atenção o que está escrito no folheto.
O senhor coloca uma fita no radiogravador do carro. Ouvem-se os primeiros acordes de uma peça musical clássica.

Senhor - Você mora em Taubaté?
Alfredo - Minha família (mostrando o folheto)... É o senhor na foto, não é?
Senhor - Sou... Você já tem candidato?
Alfredo (mentindo) - Tenho... É um amigo do meu pai... Sinto muito...
Senhor - Tem nada não... De que partido ele é?
Alfredo - Ele foi estivador... É do partido proletário...
Senhor (ressabiado) - Curioso... Estivador em Taubaté...
Alfredo (tentando corrigir, sem convicção) - Não, ele morava em Santos...
Senhor - Eu também comecei do zero, sabia?
Alfredo (fingindo surpresa) - Poxa... E se deu bem, né, moço...
Senhor (sedutor) - Moço?... Você é gentil... Um cavalheiro... Pode me chamar de Virgo...
Alfredo - Virgo?
Senhor - É... Meu primeiro nome não aparece aí... É Virgulino... Não dá voto...
Alfredo - Que nem Lampião, né, moço...
Senhor - Virgo... Você votaria em alguém chamado Virgulino?
Alfredo - Uai... Por que não?
Senhor - Sei lá... Marsilac é mais forte, não é?
Alfredo - É um bom nome pra político... Mas é o seu sobrenome?
Senhor - Que nada... é Ferreira!
Alfredo - Que nem Lampião!
Senhor (sonhador) - Quem me dera!
Alfredo - Ser cangaceiro?
Senhor - Não, meu menino... Macho, que nem Lampião...

Alfredo tenta disfarçar o constrangimento. Pega outro folheto e tenta se isolar na leitura. Passam-se alguns segundos sem se falar. A música torna-se cada vez mais intensa e melodiosa.

Senhor (quebrando o gelo) - Você gosta de Brahms?
Alfredo (sem entender) - Perdão...
Senhor - Brahms... A música...
Alfredo (sem convicção) - Bacana...

Mais alguns segundos sem nada se falar.

Senhor - Que tal um "brunch"?
Alfredo - Perdão...
Senhor - Um café da manhã... Um café... Um pãozinho... Um croissant...
Alfredo (preocupado) - Obrigado... Obrigado... Meu pai tá esperando... Vou fazer boca-de-urna pro amigo dele...
Senhor - É uma pena...
Alfredo - Pois é...
Senhor - Tô com fominha...
Alfredo (já preocupado) - Se o senhor quiser...
Senhor - Virgo!
Alfredo - É, seu Virgo... Se o senhor quiser... Tudo bem... O senhor pode parar aí, eu pego outra carona... O senhor toma o café...
Senhor (quase agressivo) - Tá com medo de quê, rapaz?
Alfredo - Medo nenhum, seu Virgo...
Senhor - Relax garoto, relax... Tá pensando que eu tô te cantando?
Alfredo (agitado) - Que é isso, moço... Não tô pensando nada... O senhor é do bem, me deu carona e tudo...
Senhor (cínico) - Eu sou do bem, é?
Alfredo - Claro... Eu li as coisas que o senhor defende...
Senhor - Então por que não vota em mim?
Alfredo - Não posso, moço...
Senhor (de supetão) - E se eu te pedisse um beijo?
Alfredo (apavorado) - Pelo amor de Deus... O senhor é do bem... Poderoso... Eu sou um zero!
Senhor - O Recruta Zero!

O carro está cada vez mais veloz na rodovia. A câmera detalha o velocímetro.

Alfredo - O senhor tá correndo muito, seu Virgo!
Senhor (ensandecido) - O meu nome é Virgulino...
Alfredo - Apelido Marsilac, não é, moço?
Senhor - Apelido o cacete... Eu sou macho pacas...
Alfredo - Claro que é... É melhor diminuir a velocidade... Tem a cabine da Polícia Rodoviária aí na frente.
Senhor - Tá com medo de quê? Cê não tá com pressa? Vai fazer boca-de-urna, não vai... Vai beijar o amigo do pai, não vai?
Alfredo (desembestando a falar desesperadamente) - Vou não... Quem vai é o Julinho, que serve comigo... Ele tá fissurado na filha do general... Do Camarão... Ela é demais... É boa demais... Mas ele não vai votar nele... Porque ele veio do nada, como o senhor... O senhor se deu bem... Vai fazer muito pelo país... Eu tô até pensando em votar no senhor... Pelo amor de Deus, reduz a velocidade... Deixa eu descer...
Senhor - Pára de falar, porra... Eu quero falar... Eu quero um beijo... O que é que tem um beijo?... E tem mais... Você vai poder falar pra todo mundo que namorou um político de merda que veio do nada!
Alfredo (exasperado) - Sai dessa vida... Eu tenho namorada, seu Lampião... Namorada... Renata... É o nome dela...
Senhor - E o meu beijo?
Alfredo (desanimado) - Quer beijo, tá legal... Então pára o carro que eu te dou um beijo.
Senhor - Cê jura?
Alfredo - Mas é só um beijo... Tem namoro não, tá!
Senhor - Em Taubaté!
Alfredo - Que é que tem?
Senhor - Um beijo em Taubaté...
Alfredo - Em Taubaté, não... Pelo amor de Deus... Aqui na estrada, tudo bem... Fora de Taubaté...
Senhor - Na entrada de Taubaté...
Alfredo - Todo mundo me conhece... Fora de Taubaté, tudo bem...
Senhor - Na entrada, escondido, eu juro...
Alfredo - Cê jura que é só um beijo?

5. Via Dutra - entrada de Taubaté - exterior - dia.

O carro do senhor vem ao longe na rodovia em alta velocidade. Aos poucos, vai reduzindo até passar pela câmera que o acompanha, entortando o enquadramento em ângulo ascendente. O carro estacionando no acostamento é filmado de ponta-cabeça. Passam-se alguns segundos de espera até que Alfredo saia do interior do carro. Ele sai de maneira tranquila, com sua maleta de zíper. Fica obviamente sugerido que aconteceu o beijo, sem que a câmera mostre o interior. O carro parte e Alfredo caminha pelo acostamento, atordoado. Alfredo ganha a passarela e atravessa a rodovia na direção de Taubaté.

6. Frente sobrado casa de Alfredo - exterior - dia.

Geral do sobrado, situado em rua tranquila. O clima é quase interiorano, com crianças brincando na rua e pessoas animadas conversando diante das casas. O sol a pino indica ser mais de meio-dia.

7. Casa de Alfredo - cozinha - interior - dia.

Interior da cozinha da casa de Alfredo. A família do personagem em volta da mesa saboreia uma lauta macarronada. Lá estão a mãe de Alfredo (na cabeceira), o irmão mais velho, sua mulher e seus dois filhos. Alfredo está no meio das crianças. Todos comem. Alfredo quebra o silêncio.

Alfredo - Não esquece a marmita, mãe.
Mãe - Tudo bem!
Irmão - Que marmita é essa?
Mãe - É prum amigo dele que tá de mesário no Diocesano.
Irmão - Que amigo é esse?
Alfredo (irritado com a curiosidade do outro) - Cê não conhece...
Irmão - Eu conheço todo mundo...
Alfredo - É um amigo e pronto...
Irmão - Você tá muito irritado, mano "ralo"...
Alfredo - Cê pergunta demais...
Irmão - Falando em pergunta, em quem cê vai votar?
Alfredo - O voto é secreto!
Irmão - Que frescura... Fala logo...
Alfredo - No Virgulino...
Irmão (pasmo) - Virgulino?
Alfredo (cínico) - É... Aquele que veio de baixo... O famoso Virgo... Mais conhecido como Marsilac...
Irmão - Marsilac... Esse é um corrupto desgraçado...
Alfredo (surpreso) - Vai dizer que você conhece ele...
Irmão - Conheço e muito bem... Quem foi que te falou dele?
Alfredo (tentando desconversar) - Sei lá... A filha do Camarão... A Marcela... Diz que ele é do bem...
Irmão - Esse cara vive por aí... Mora em Guará... Já peguei carona com ele... Umas três vezes...
Alfredo (pasmo) - É...
Irmão - Sabe aquele relógio em que você tava de olho... Eu ganhei dele...
Alfredo (cínico, quase rindo) - Como? Fazendo boca-de-urna?
Irmão - É... O cara tentou me comprar... Pra arrumar voto aqui na cidade...
Alfredo - E não rolou nada?
Irmão (ressabiado) - Rolar o quê?
Alfredo - Sei lá... Um apoiozinho...
Irmão - Tá louco... O cara é uma enganação... Tá cheio de processos nas costas...
Alfredo - Mas vai levar, né?
Irmão - Graças a alienados como você, ele vai ganhar sim... Que Camarão é esse que você falou?
Alfredo - Esquece o Camarão, fale do Lampião...
Irmão - Que Lampião?
Alfredo - O macho pacas...
Irmão - Tá bisonhando, né, moleque... Cê não vai votar em ninguém, eu te conheço... Cê não tem senso cívico... cidadania...
Alfredo (levantando da mesa) - Mãe... Eu tenho que ir... Cadê a marmita?
Mãe - Do lado do pinguim, na geladeira... Não esquece o título... Cê vai pegar uma fila danada...
Alfredo - Eu não demoro...

Alfredo sai da cozinha.
Quando o resto da família fica sozinha, o irmão pergunta para a mãe.

Irmão - Quem é o Camarão?
Mãe - O pai da Marcela, ele não disse?
Irmão - Com quem ele tem andado, hein, mãe?

8. Taubaté - frente do Instituto Diocesano de Ensino - exterior - dia.

Intenso movimento de pessoas na frente do colégio. São eleitores que se cruzam na entrada do instituto. Alguns já votaram, outros se aglomeram em pequenas filas. Alfredo surge caminhando na direção da entrada do colégio. Fala alguma coisa que não se escuta para um dos porteiros e entra levando consigo a marmita envolta em papel de padaria.

9. Instituto Diocesano de Ensino - corredor - interior - dia.

Alfredo caminha pelo corredor, onde diversas pequenas filas se formam nas portas das salas de aula. No fundo do corredor, na porta de uma das últimas salas, Alfredo "fura" a pequena fila, onde as pessoas aguardam o momento de serem chamadas para o ritual do sufrágio.
Da porta ele consegue divisar uma linda jovem que está servindo de mesária. Gesticula, chamando-a para o exterior. Mostra a marmita.
A jovem vai conversar com o fiscal. Poucos segundos depois surge sorridente. Os dois saem para a parte externa do colégio.

10. Instituto Diocesano de Ensino - pátio e jardim arborizado - exterior - dia.

Alfredo e a jovem caminham pelo pátio na direção de um grande jardim, onde o movimento de pessoas é quase nulo. Caminham lado a lado sem se falar. Acabam sentando em um banco do jardim. A moça abre delicadamente o embrulho onde está a marmita. Do interior do bolso do seu casaco, Alfredo tira talheres de plástico e uma lata de refrigerante. A jovem olha Alfredo com muita ternura.

Alfredo - Experimenta... Deve ter esfriado...

Com muito jeito e delicadeza a jovem começa a comer.
Jovem - Tá uma delícia...

Alfredo a observa com atenção.

Jovem - Não fica me olhando tanto... Dá vergonha...

Alfredo abaixa o olhar.

Jovem (tentando quebrar o clima) - Cê tava demorando, pensei que não vinha...

Ela continua comendo. Depois de alguns segundos Alfredo volta a olhar para ela. O diálogo que se segue é filmado em closes bem fechados sobre os dois atores.

Alfredo - Como é que vai ser daqui pra frente?
Jovem (acanhada) - Não sei... Cê falou pra ele?
Alfredo - Não tive coragem...
Jovem - É de você que eu gosto...
Alfredo - Cê tem certeza?
Jovem - Tenho... Eu juro...
Alfredo - Até que horas cê fica aqui?
Jovem - Até as seis...
Alfredo - Eu voto na minha região, passo em casa e depois venho te pegar... A gente vai ao cinema...

Tempo.

Jovem (de supetão) - E se eu te pedisse um beijo?
Alfredo - Aqui???
Jovem (com ternura) - Cê tá com medo do quê?
Alfredo - Medo? Não tenho medo de nada não...
Jovem (debochada) - Muito macho, não é?
Alfredo (sorrindo) - Macho pacas...
Jovem - E o beijo?
Alfredo - Beijo... Aqui não... Na cidade não...
Jovem - E fora de Taubaté?

Alfredo meneia a cabeça afirmativamente.

Alfredo - Fora de Taubaté... Tudo bem...

A jovem volta a comer. Os dois ficam se olhando apaixonadamente. A jovem parece que vai perguntar alguma coisa. Desiste. Volta a comer. Abaixa o olhar. Toma decisão. Encara Alfredo, enquanto deposita os talheres na marmita quase vazia.

Jovem - Cê me responde se eu te perguntar um negócio?

Alfredo olha para ela com expectativa.

Alfredo - Pergunte o que você quiser, Renata!
Jovem - Em quem você vai votar?

O quadro congela no rosto de Alfredo, expressão de desânimo.
Sobem os créditos finais.



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.