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O NOVO
PRESTIGIADOS PELO
PUBLICITÁRIO INGLÊS
CHARLES SAATCHI -QUE
CRIOU NOS ANOS 90
OS "JOVENS ARTISTAS
BRITÂNICOS" E LANÇOU AO
ESTRELATO DAMIEN HIRST-,
OS ALEMÃES MARTIN KOBE,
MATTHIAS WEISCHER
E DAVID SCHNELL VÊEM SEUS
TRABALHOS ATINGIREM
VALORES ALTÍSSIMOS
AO RETRATAREM UMA
SOCIEDADE MONÓTONA E
SEM PERSPECTIVAS
O TRIUNFO DE LEIPZIG
JULIANA MONACHESI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
A era dos Young British Artists (YBA) está morta e enterrada. Os queridinhos do
circuito nos anos 1990
-Damien Hirst, Gary Hume, Chris
Ofili e companhia- aos poucos
saem de cena para dar lugar ao mais
novo fenômeno do mercado de arte
internacional. Chegou a vez dos
"Young German Artists".
Mais especificamente, a promessa
vem de uma academia de pintura
em Leipzig, no leste da Alemanha.
Neo Rauch, que participou da Bienal
de São Paulo em 2004, é o mais proeminente dos alunos oriundos da
Hochschule für Grafik und Buchkunst [Academia de Artes Visuais de
Leipzig], mas uma nova leva de discípulos vem sendo estrategicamente
marqueteada sob o rótulo "The New
Leipzig School".
A julgar pelo sucesso das obras de
artistas como Matthias Weischer,
Christoph Ruckhäberle, Martin Kobe, Tilo Baumgärtel, David Schnell,
Tim Eitel e Johannes Tiepelmann,
Leipzig é mesmo a escola da vez.
A Alemanha tem vasta herança
cultural no campo da pintura, como
atestam Georg Baselitz, Gerhard
Richter e Sigmar Polke, além de cultivar uma tradição de escolas de pintura. Na década de 70/80, por exemplo, houve o boom da Escola de Düsseldorf, por onde passaram artistas
há muito consagrados, como Jörg
Immendorf e Markus Lüpertz, que
na época estouraram no mercado
internacional, impulsionados pelos
Estados Unidos.
Para a curadora brasileira residente em Berlim Tereza de Arruda, desde a queda do muro, difundir a arte
produzida na ex-Alemanha Oriental
passou a ser politicamente correto.
"Até então as obras eram comercializadas literalmente por "detrás
do muro". Pessoas como Gerd Harry
Lybke, hoje fundador e diretor das
galerias Eigen-Art em Berlim e Leipzig, assim como os irmãos Gebrüder
Lehmann, de Dresden, coordenavam locais de exposição não-oficiais. As mostras ocorriam em espaços privados e tinham como rótulo
"festas de aniversário privadas'",
conta.
Os artistas que compõem a Nova
Escola de Leipzig foram alunos em
sua maioria de Arno Rink, que passou um ensinamento convencional
em termos de técnica e conteúdo:
anatomia, figuração etc. O termo
"Leipziger Schule" foi criado na década de 1970 e os principais expoentes desse período são Berhard Heisig, Werner Tübke e Wolfgang Mattheuer, artistas oficiais do governo
da República Federal Alemã, que
apresentavam obras de propaganda
política -razão pela qual foram
tanto amados quanto odiados.
Uma reportagem do jornal alemão
"Die Zeit" afirma que Leipzig está vivendo sua segunda idade do ouro.
"Os estudantes estão confluindo assim como um número cada vez
maior de jovens artistas da república
inteira está procurando um lugar na
linha de produção da fama na cada
vez mais notória escola de arte.
Quanto mais jovens artistas chegam,
mais Leipzig se volta para a idéia de
se tornar um refúgio para a vanguarda e mais os galeristas, em particular, lambem os beiços", escreve o
jornalista Christian Schüle.
Grande procura
Para ter uma idéia, no início do
ano letivo de 2004 houve 988 inscrições na escola de Leipzig, que possui
somente 80 vagas.
"Os artistas iniciantes almejam obter o sucesso de Neo Rauch, artista
consagrado com seus 45 anos de idade. Sua receita é um toque de surrealismo respaldado em características
pós-guerra com um toque de ficção
científica. Como a lista de espera por
uma obra de Neo Rauch é muito
grande, alguns colecionadores se
contentam com obras de outros artistas provenientes da Leipziger
Schule", afirma Tereza de Arruda.
Os maiores protagonistas dessa geração -David Schnell, Matthias
Weischer e Tim Eitel- são representados pela galeria Eigen-Art.
O galerista Thomas Cohn, cuja galeria, em São Paulo, é conhecida por
trabalhar predominantemente com
pintura e apresentar novos talentos
nesse campo, esteve em Leipzig há
três anos e fez tentativas para trazer
para o Brasil uma mostra de artistas
da cidade alemã. "O que me interessou naquelas obras foi um certo ar
nostálgico, porque a Alemanha
Oriental ficou estagnada por muito
tempo em termos de arte. As pinturas de Weischer, Ruckhäberle e
Baumgärtel resgatam um imaginário pré-guerra, pré-comunismo. São
trabalhos em que não se nota uma
influência norte-americana, ao passo que as pinturas dos artistas da
Alemanha Ocidental são completamente contaminadas por este universo", conta.
Para Cohn, as atenções se voltaram para Leipzig no início do milênio porque, diante de uma produção
ínfima de boas pinturas no mundo
(que ele atribui ao boom da fotografia, do vídeo e da instalação nos anos
1990), a qualidade daquela escola
clássica e vigorosa sobressaiu.
A exposição que em 2002 não foi
possível por problemas na negociação com os galeristas que representavam os jovens artistas de Leipzig,
cujas obras custavam em torno de
US$ 5.000 [R$ 11.100] , hoje seria inviável, segundo Cohn. Os preços
atualmente estão na casa dos US$ 50
mil [R$ 111 mil]. Uma pintura de
Neo Rauch não custa menos do que
US$ 100 mil [R$ 222 mil].
Os artistas de Leipzig hoje em evidência possuem certas características em comum: todos eles fazem
pinturas figurativas de grande apuro
técnico, utilizando cores artificiais,
com ares de conto de fada e esvaziadas de conteúdo político. Os interiores metafísicos em tons pálidos de
Weischer, a arquitetura mondrianesca e os espaços desolados de Eitel, as figuras melancólicas de Ruckhäberle e as fantasias hídricas de
Baumgärtel são de fácil compreensão, não intimidam nem tampouco
-para usar expressão sublinhada
pelo jornal "Die Zeit"- representam nenhuma ameaça intelectual.
"Suas pinturas carecem de ambigüidade ou sofisticação alegórica",
escreve Christian Schüle.
E, em seguida, pondo de lado as
acusações de que os jovens pintores
de Leipzig encarnam uma superficial compatibilidade mercadológica,
pergunta-se se não se poderia ver essa produção como efígie dos tempos
contemporâneos: não seriam essas
obras uma imagem do presente livre
de ideologias, que expressaria resignação e falta de perspectiva -não
porque as pinturas sejam monótonas, mas porque é monótona a vida
do espectador?
Manifestações regressivas?
O artista plástico Alberto Simon,
brasileiro residente em Berlim há 15
anos, compara o fenômeno de Leipzig aos "Neue Wilde" dos anos 80
(movimento de pintores neoexpressionistas) e à pintura da "Transvanguarda", também da mesma época.
"São manifestações regressivas
que satisfazem uma sensibilidade
burguesa, que boa parte dos colecionadores e galeristas representam. As
duas "escolas" dos anos 80 deram
certo, naquele tempo, em termos
mercadológicos, porque havia uma
enorme sede por arte que pudesse
simplesmente ser pendurada na parede, arte comprada e eventualmente revendida sem grandes problemas conceituais ou "instalatórios",
que foi a impressão que a arte dos
anos 70 tinha deixado". Para Simon,
a Nova Escola de Leipzig não passa
de um "estilo" que não exige esforço
intelectual ou emocional para ser digerido, feito com os mesmos fins.
Mas o artista faz uma ressalva: "A
tradição de realismo socialista que se
desenvolveu na Alemanha Oriental
a partir da sua criação, em 1949, e
que se manteve até 1989, tem um valor de curiosidade circense, de aberração, de "freak show", mas há ultimamente uma tendência em conferir algum grau de dignidade a uma
"tradição" que se desenvolveu principalmente em Leipzig e Dresden. O
"estilo" Leipzig incorpora essa tradição, mas de um modo "verpopt"
["popizada", em alemão); mas não é
o pop conceitualizado de Warhol ou
Lichtenstein, é um pop mais genérico e de imitação".
Thomas Cohn também frisa que
não se pode deixar Dresden de fora
quando o assunto é a Nova Escola de
Leipzig, uma vez que vários novos
artistas de estética semelhante estão
surgindo naquela cidade. Ele cita
Eberhard Havekost como o exemplo
mais bem-sucedido de Dresden.
Mas como separar o joio do trigo?
Para Simon, nos momentos regressivos (ou reacionários) sempre se
produz também algo de interessante. Ele cita o exemplo da pintura de
Baselitz de meados dos anos 1960,
que era muito mais subversiva e menos orientada para o mercado. "A
partir dos anos 1970 ele trabalhou
simplesmente para suprir o mercado. Da Nova Escola de Leipzig é possível destacar o Neo Rauch, que foi
bastante interessante, mas há alguns
anos começou a produzir demais e
seu maneirismo hoje é exageradamente visível", diz.
Thomas Cohn destaca também o
próprio Rauch, de quem, infelizmente, a Bienal de São Paulo mostrou as piores obras, segundo ele.
"Weischer e Baumgärtel são os dois
que vêm na seqüência em matéria de
qualidade. Muitos deles têm consistência, mas é lógico que diluidores
vão se seguir a eles. Tim Eitel, por
exemplo; eu acredito que ele não resiste", afirma o galerista.
O maior indício no mercado de arte da migração dos Young British
Artists para os Young German Artists vem, como não poderia deixar
de ser, do termômetro Saatchi. Inventor dos YBA, Charles Saatchi
apresenta em sua galeria em Londres uma exposição intitulada "O
Triunfo da Pintura": o grande empreendimento, dividido em cinco
mostras que acontecem ao longo de
um ano e meio, traz 40 artistas, dos
quais 16 são alemães.
Apenas cinco nomes do Reino
Unido e oito dos EUA. Matthias
Weischer, Christoph Ruckhäberle,
Tilo Baumgärtel e Eberhard Havekost estão escalados.
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