São Paulo, domingo, 05 de fevereiro de 2006

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O NOVO

PRESTIGIADOS PELO PUBLICITÁRIO INGLÊS CHARLES SAATCHI -QUE CRIOU NOS ANOS 90 OS "JOVENS ARTISTAS BRITÂNICOS" E LANÇOU AO ESTRELATO DAMIEN HIRST-, OS ALEMÃES MARTIN KOBE, MATTHIAS WEISCHER E DAVID SCHNELL VÊEM SEUS TRABALHOS ATINGIREM VALORES ALTÍSSIMOS AO RETRATAREM UMA SOCIEDADE MONÓTONA E SEM PERSPECTIVAS

O TRIUNFO DE LEIPZIG

JULIANA MONACHESI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

A era dos Young British Artists (YBA) está morta e enterrada. Os queridinhos do circuito nos anos 1990 -Damien Hirst, Gary Hume, Chris Ofili e companhia- aos poucos saem de cena para dar lugar ao mais novo fenômeno do mercado de arte internacional. Chegou a vez dos "Young German Artists".
Mais especificamente, a promessa vem de uma academia de pintura em Leipzig, no leste da Alemanha. Neo Rauch, que participou da Bienal de São Paulo em 2004, é o mais proeminente dos alunos oriundos da Hochschule für Grafik und Buchkunst [Academia de Artes Visuais de Leipzig], mas uma nova leva de discípulos vem sendo estrategicamente marqueteada sob o rótulo "The New Leipzig School".
A julgar pelo sucesso das obras de artistas como Matthias Weischer, Christoph Ruckhäberle, Martin Kobe, Tilo Baumgärtel, David Schnell, Tim Eitel e Johannes Tiepelmann, Leipzig é mesmo a escola da vez.
A Alemanha tem vasta herança cultural no campo da pintura, como atestam Georg Baselitz, Gerhard Richter e Sigmar Polke, além de cultivar uma tradição de escolas de pintura. Na década de 70/80, por exemplo, houve o boom da Escola de Düsseldorf, por onde passaram artistas há muito consagrados, como Jörg Immendorf e Markus Lüpertz, que na época estouraram no mercado internacional, impulsionados pelos Estados Unidos.
Para a curadora brasileira residente em Berlim Tereza de Arruda, desde a queda do muro, difundir a arte produzida na ex-Alemanha Oriental passou a ser politicamente correto.
"Até então as obras eram comercializadas literalmente por "detrás do muro". Pessoas como Gerd Harry Lybke, hoje fundador e diretor das galerias Eigen-Art em Berlim e Leipzig, assim como os irmãos Gebrüder Lehmann, de Dresden, coordenavam locais de exposição não-oficiais. As mostras ocorriam em espaços privados e tinham como rótulo "festas de aniversário privadas'", conta.
Os artistas que compõem a Nova Escola de Leipzig foram alunos em sua maioria de Arno Rink, que passou um ensinamento convencional em termos de técnica e conteúdo: anatomia, figuração etc. O termo "Leipziger Schule" foi criado na década de 1970 e os principais expoentes desse período são Berhard Heisig, Werner Tübke e Wolfgang Mattheuer, artistas oficiais do governo da República Federal Alemã, que apresentavam obras de propaganda política -razão pela qual foram tanto amados quanto odiados.
Uma reportagem do jornal alemão "Die Zeit" afirma que Leipzig está vivendo sua segunda idade do ouro. "Os estudantes estão confluindo assim como um número cada vez maior de jovens artistas da república inteira está procurando um lugar na linha de produção da fama na cada vez mais notória escola de arte. Quanto mais jovens artistas chegam, mais Leipzig se volta para a idéia de se tornar um refúgio para a vanguarda e mais os galeristas, em particular, lambem os beiços", escreve o jornalista Christian Schüle.

Grande procura
Para ter uma idéia, no início do ano letivo de 2004 houve 988 inscrições na escola de Leipzig, que possui somente 80 vagas.
"Os artistas iniciantes almejam obter o sucesso de Neo Rauch, artista consagrado com seus 45 anos de idade. Sua receita é um toque de surrealismo respaldado em características pós-guerra com um toque de ficção científica. Como a lista de espera por uma obra de Neo Rauch é muito grande, alguns colecionadores se contentam com obras de outros artistas provenientes da Leipziger Schule", afirma Tereza de Arruda. Os maiores protagonistas dessa geração -David Schnell, Matthias Weischer e Tim Eitel- são representados pela galeria Eigen-Art.
O galerista Thomas Cohn, cuja galeria, em São Paulo, é conhecida por trabalhar predominantemente com pintura e apresentar novos talentos nesse campo, esteve em Leipzig há três anos e fez tentativas para trazer para o Brasil uma mostra de artistas da cidade alemã. "O que me interessou naquelas obras foi um certo ar nostálgico, porque a Alemanha Oriental ficou estagnada por muito tempo em termos de arte. As pinturas de Weischer, Ruckhäberle e Baumgärtel resgatam um imaginário pré-guerra, pré-comunismo. São trabalhos em que não se nota uma influência norte-americana, ao passo que as pinturas dos artistas da Alemanha Ocidental são completamente contaminadas por este universo", conta.
Para Cohn, as atenções se voltaram para Leipzig no início do milênio porque, diante de uma produção ínfima de boas pinturas no mundo (que ele atribui ao boom da fotografia, do vídeo e da instalação nos anos 1990), a qualidade daquela escola clássica e vigorosa sobressaiu.
A exposição que em 2002 não foi possível por problemas na negociação com os galeristas que representavam os jovens artistas de Leipzig, cujas obras custavam em torno de US$ 5.000 [R$ 11.100] , hoje seria inviável, segundo Cohn. Os preços atualmente estão na casa dos US$ 50 mil [R$ 111 mil]. Uma pintura de Neo Rauch não custa menos do que US$ 100 mil [R$ 222 mil].
Os artistas de Leipzig hoje em evidência possuem certas características em comum: todos eles fazem pinturas figurativas de grande apuro técnico, utilizando cores artificiais, com ares de conto de fada e esvaziadas de conteúdo político. Os interiores metafísicos em tons pálidos de Weischer, a arquitetura mondrianesca e os espaços desolados de Eitel, as figuras melancólicas de Ruckhäberle e as fantasias hídricas de Baumgärtel são de fácil compreensão, não intimidam nem tampouco -para usar expressão sublinhada pelo jornal "Die Zeit"- representam nenhuma ameaça intelectual.
"Suas pinturas carecem de ambigüidade ou sofisticação alegórica", escreve Christian Schüle.
E, em seguida, pondo de lado as acusações de que os jovens pintores de Leipzig encarnam uma superficial compatibilidade mercadológica, pergunta-se se não se poderia ver essa produção como efígie dos tempos contemporâneos: não seriam essas obras uma imagem do presente livre de ideologias, que expressaria resignação e falta de perspectiva -não porque as pinturas sejam monótonas, mas porque é monótona a vida do espectador?

Manifestações regressivas?
O artista plástico Alberto Simon, brasileiro residente em Berlim há 15 anos, compara o fenômeno de Leipzig aos "Neue Wilde" dos anos 80 (movimento de pintores neoexpressionistas) e à pintura da "Transvanguarda", também da mesma época.
"São manifestações regressivas que satisfazem uma sensibilidade burguesa, que boa parte dos colecionadores e galeristas representam. As duas "escolas" dos anos 80 deram certo, naquele tempo, em termos mercadológicos, porque havia uma enorme sede por arte que pudesse simplesmente ser pendurada na parede, arte comprada e eventualmente revendida sem grandes problemas conceituais ou "instalatórios", que foi a impressão que a arte dos anos 70 tinha deixado". Para Simon, a Nova Escola de Leipzig não passa de um "estilo" que não exige esforço intelectual ou emocional para ser digerido, feito com os mesmos fins.
Mas o artista faz uma ressalva: "A tradição de realismo socialista que se desenvolveu na Alemanha Oriental a partir da sua criação, em 1949, e que se manteve até 1989, tem um valor de curiosidade circense, de aberração, de "freak show", mas há ultimamente uma tendência em conferir algum grau de dignidade a uma "tradição" que se desenvolveu principalmente em Leipzig e Dresden. O "estilo" Leipzig incorpora essa tradição, mas de um modo "verpopt" ["popizada", em alemão); mas não é o pop conceitualizado de Warhol ou Lichtenstein, é um pop mais genérico e de imitação".
Thomas Cohn também frisa que não se pode deixar Dresden de fora quando o assunto é a Nova Escola de Leipzig, uma vez que vários novos artistas de estética semelhante estão surgindo naquela cidade. Ele cita Eberhard Havekost como o exemplo mais bem-sucedido de Dresden.
Mas como separar o joio do trigo? Para Simon, nos momentos regressivos (ou reacionários) sempre se produz também algo de interessante. Ele cita o exemplo da pintura de Baselitz de meados dos anos 1960, que era muito mais subversiva e menos orientada para o mercado. "A partir dos anos 1970 ele trabalhou simplesmente para suprir o mercado. Da Nova Escola de Leipzig é possível destacar o Neo Rauch, que foi bastante interessante, mas há alguns anos começou a produzir demais e seu maneirismo hoje é exageradamente visível", diz.
Thomas Cohn destaca também o próprio Rauch, de quem, infelizmente, a Bienal de São Paulo mostrou as piores obras, segundo ele. "Weischer e Baumgärtel são os dois que vêm na seqüência em matéria de qualidade. Muitos deles têm consistência, mas é lógico que diluidores vão se seguir a eles. Tim Eitel, por exemplo; eu acredito que ele não resiste", afirma o galerista.
O maior indício no mercado de arte da migração dos Young British Artists para os Young German Artists vem, como não poderia deixar de ser, do termômetro Saatchi. Inventor dos YBA, Charles Saatchi apresenta em sua galeria em Londres uma exposição intitulada "O Triunfo da Pintura": o grande empreendimento, dividido em cinco mostras que acontecem ao longo de um ano e meio, traz 40 artistas, dos quais 16 são alemães.
Apenas cinco nomes do Reino Unido e oito dos EUA. Matthias Weischer, Christoph Ruckhäberle, Tilo Baumgärtel e Eberhard Havekost estão escalados.


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