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TROCANDO OS PAPÉIS
ANÔNIMAS OU NÃO, PRODUÇÕES SATIRIZAM "O SEGREDO DE BROKEBACK MOUNTAIN" A PARTIR DE FILMES COMO "TITANIC" E "CLUBE DA LUTA"
VIRGINIA HEFFERNAN
Os caubóis gays, ao que tudo indica, têm tudo para se
tornarem uma piada que
não pára de render outras.
As colunas de humor sobre "O Segredo de Brokeback Mountain" começando com "quem quer ver isso?"
vêm diminuindo, mas as paródias
on-line do filme sobre a dupla de
caubóis gays continuam a proliferar
tão rapidamente que os sites de museus de vídeos, incluindo youtube.com, gorillamask.net e
dailysixer.com (este último, aliás,
tem uma seção intitulada "Paródias
de "Brokeback'"), não conseguem
acompanhar todas as novas sátiras
acrescentadas.
Algumas são estúpidas. Outras são
espirituosas e muito boas. Mas, como comentários sobre as formas e
cerimônias de relacionamentos proto-homossexuais, elas são surpreendentemente argutas. Valem a pena
serem levadas a sério.
Todas essas paródias têm o mesmo formato: são trailers de filmes
imaginários que reúnem elementos
de "Brokeback Mountain" com outros filmes. É claro que os filmes
montados não existem na realidade
-só existem os trailers. Eles são feitos de maneira anônima, por trupes
de humor ou por firmas de criação.
Geralmente as paródias utilizam o
tema sexy e melancólico de "Brokeback Mountain", juntamente com
os letreiros e as chamadas do trailer
do filme, para reenquadrar clipes tirados de outros filmes. A coisa funciona assim: quando cenas entre
dois protagonistas homens ou entre
um protagonista e um ator coadjuvante são passadas em câmera mais
lenta, ao som de música romântica e
acompanhadas de letreiros com dizeres carregados do tipo "uma verdade que eles não tinham como negar", a impressão que se tem é que
um filme gay surge na tela.
A edição das imagens e o recurso à
câmera lenta de fato sugerem que
cenas em close, especialmente quando vistas por instantes prolongados,
são intrinsecamente eróticas. Tudo
aquilo de essas paródias precisam
para sugerir o relacionamento homossexual é mostrar o rosto de um
dos homens em detalhe, por tempo
arrastado, e depois fazer um corte
para o outro homem, que parece observar o primeiro com a mesma
atenção hipnotizada que o espectador foi obrigado, pela câmera-lenta,
a lhe dar. De repente, o subtexto gay
parece ser claro e inegável.
Diálogos originais
O que é mais hábil nessas paródias,
porém, é a utilização que fazem dos
diálogos dos filmes que misturam
com "Brokeback Mountain". Muito
pouco dos diálogos de "Brokeback"
são reapresentados em outros contextos nessas montagens. A maioria
deles se esforça ao máximo para arrancar uma trama gay daquilo que já
existe nos filmes mais antigos.
O que não faltam nos filmes usados nas montagens -"Fogo Contra
Fogo", "Amigos, Sempre Amigos",
"Titanic", "Clube da Luta"- são
diálogos evocativos que se prestam
ao objetivo dos parodistas. Quase
toda cena em que um homem mais
experiente tenta encorajar outro
mais ingênuo a ir atrás de seus sonhos, por exemplo, parece prestar-se a ser interpretado como diálogo
gay. "Pare de tentar controlar tudo e
se solte, cara, deixe rolar!", diz Tyler
Durden (Brad Pitt) ao personagem
de Edward Norton em "Clube da Luta". Na paródia de "Brokeback", a
fala dá a impressão de fazer parte de
uma cena de sedução impositiva.
Em "The Empire Breaks Back"
[paródia de "O Império Contra-Ataca"], Anakin Skywalker fala: "Algo
está acontecendo. Eu quero mais,
mas sei que não deveria". Em outro
momento, Palpatine o aconselha:
"Com o tempo você vai aprender a
confiar em seus sentimentos".
Quando as falas são justapostas na
paródia, elas funcionam convincentemente como cenas de amor.
Outros problemas típicos de heróis hollywoodianos, quando inseridas em novos contextos, soam como
expressão sincera e direta dos sentimentos de homens gays. Em "Caçadores de Emoção", o personagem de
Keanu Reeves, Johnny Utah, se lamenta: "Não consigo descrever o
que estou sentindo". Quando essa
fala é dita em "Point Brokeback", a
paródia, ela parece exprimir sua incapacidade de encarar seus próprios
desejos homossexuais. Para aumentar o "frisson" ou, quem sabe, a autenticidade, algumas das paródias
utilizam cenas com atores como
Reeves e Tom Hanks, que já representaram personagens gays em outros filmes.
Um problema do herói tradicional
dos filmes de ficção científica, especialmente o viajante no tempo, é que
ele não consegue descrever seus relacionamentos com outras pessoas.
É o caso de Marty McFly, o personagem de Michael J. Fox em "De
Volta para o Futuro". Na cena usada
pelos parodistas, Marty apresenta o
dr. Brown (Christopher Lloyd) dizendo "este é meu -ahn- doc
(médico). Meu tio! Doc!". No novo
contexto, soa como a apresentação
confusa e gaguejada que um rapaz
mais jovem, que ainda não saiu do
armário, poderia fazer de seu namorado mais velho, tentando fazê-lo
passar por seu chefe, sócio ou tio.
Quase 60 anos atrás, o crítico Leslie
Fiedler argumentou que os grandes
romances americanos do século 19
dramatizam uma história de amor
entre homens, tipicamente um
branco e um não-branco: Ishmael e
Queequeg ("Moby Dick"), Natty
Bumpo e Chingachgook ("O Último
dos Moicanos" e outros livros de James Fenimore Cooper), Huck e Jim
("Huckleberry Finn").
Fiedler ergueu sua carreira acadêmica brilhante sobre a base dessa tese espantosa, que levou adiante em
"Love and Death in the American
Novel" [Amor e Morte no Romance
Americano], em 1960.
Agora sua tese parece aplicar-se
também aos filmes de Hollywood,
mas, desta vez, as leituras esmiuçadas que refinaram e ampliaram seu
argumento foram feitas não por pós-graduandos, mas por pessoas que
brincam on-line, usando pouco
mais do que um laptop, uma conexão de banda larga e o software Final
Cut Pro.
Mas a minha favorita entre as paródias não exigiu muita tecnologia
ou edição, apenas um bom senso das
cenas de intensidade emocional entre homens que podem dar lugar a
duplos sentidos. É a montagem de
"Brokeback" com "Fogo Contra Fogo", o filme subestimado de Michael
Mann estrelado por Al Pacino e Robert De Niro. "Fogo Contra Fogo"
mostrou uma espécie de tango psicológico no qual os megaatores representam respectivamente um investigador de polícia, Vincent, e um
bandido, Neil.
A idéia é que estão falando sobre a
vida de tiras e ladrões, mas em "Brokeback Heat", que simplesmente repassa uma cena inteira entre eles,
sem truques, a impressão que se tem
é que eles estão de fato falando sobre
seu amor, sobre o amor gay de modo
geral e sobre sua pouca vontade de
viver como heteros.
"Quer dizer que, se você me vir virando aquela esquina, você vai simplesmente abandonar essa mulher?", pergunta Vincent. "Sem nem
sequer se despedir dela?"
"É essa a disciplina", responde
Neil.
"Isso é omissão, você sabe", diz
Vincent.
"É o que é", Neil responde. "Ou é
isso, ou seria melhor a gente ir fazer
outra coisa, meu amigo."
"Não sei fazer outra coisa", fala
Vincent.
"Eu também não", diz Neil.
"Nem quero muito fazer outra coisa", diz Vincent.
"Também não quero", diz Neil.
Visto pelo ângulo da interpretação
tradicional ou da paródica, isso é
simplesmente Pacino e De Niro representando uma cena marcada por
emoções fortes contidas. E o que eles
querem dizer com isso não é da conta de mais ninguém -só deles.
A íntegra deste texto foi publicada no "New
York Times".
Tradução de Clara Allain.
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