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Transição dolorida
Instituição vive a modernização de seu corpo de funcionários, ainda divididos entre o favor e a meritocracia
FABIANO SANTOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
A afirmação, muitas
vezes repetida, de
se encontrar hoje o
Senado Federal em
uma situação de
descrédito é até certo ponto
irônica. Tento me lembrar de
um momento, desde que leio
jornais e acompanho a política,
no qual nossas instituições legislativas estivessem em situação de "crédito".
Uma reflexão mais cuidadosa me leva a crer que devemos
distinguir dois planos de análise em torno de "escândalos"
envolvendo o Congresso. Um
deles seria o terreno propriamente político. Atores políticos, representantes e partidos,
são portadores de visões de
mundo e defensores de interesses conflitantes. Em torno
de tais ideias e interesses também se encontram organizados
os cidadãos, de uma forma geral, além de formadores de opinião, analistas de imprensa,
acadêmicos e a mídia.
Trata-se de propensão natural a nós, seres humanos, falíveis que somos, imputar má-fé
àqueles que se orientam por
valores e aspirações em conflito com nossos ideais e nossas
expectativas. Por isso, a política envolve tanta paixão.
Por isso também a democracia é uma engenharia institucional tão delicada, sendo seu
desafio maior moderar o exercício do contraditório na política e, ao mesmo tempo, definir a
orientação majoritária a ser dada para as decisões de governo.
Mas, para além do imaginário das paixões, o histórico recente de escândalos congressuais possui um substrato real
-trata-se de fato inegável. A
questão passa a ser como enquadrá-lo e como evitar o perigoso efeito de despolitização
que uma sistemática onda de
"escândalos" pode causar.
O substrato real de que falei
é, essencialmente, o problema
da modernização administrativa por que passa o Senado e pelo qual já passou, faz algum
tempo e sem grande alarde, a
própria Câmara dos Deputados. A assessoria do Congresso,
como de resto em toda a administração pública no Brasil, é
composta por duas partes distintas quanto ao modo de ingresso na carreira -os concursados e os indicados.
Hoje em dia, somente concursados podem fazer parte do
corpo permanente de funcionários do Legislativo, regra
adotada após a incorporação da
atual elite dirigente do Senado
ao quadro de funcionários e
que foi recentemente alijada.
Os indicados o foram por políticos e atuam, naturalmente,
segundo lógica distinta dos
concursados -não se trata aqui
de ajuizar sobre a integridade
dos que foram indicados. Trata-se de constatar o óbvio -os
concursados são funcionários
socializados em uma cultura de
competição e contínua especialização. São, em sua maioria,
pós-graduados e ativos participantes de debates acadêmicos
de alto nível.
O Senado, portanto, vive um
momento de transição administrativa no qual a assessoria
permanente que ascendeu aos
postos de comando seguia a
tradicional lógica da patronagem, em contraste com o movimento inarredável de modernização administrativa trazido
pelas gerações que foram incorporadas via concurso.
Transição na Câmara
O fato é que na Câmara, faz
alguns anos, houve a substituição da elite dirigente, composta
basicamente de nomeados, que
durante muitos anos comandou os trabalhos burocráticos
na Casa, segundo critérios nem
sempre compatíveis com os
quesitos de um órgão público
plenamente racionalizado.
A transição ocorreu, sem
grande alarde, no início dos
anos 2000. O parto para a modernidade ocorrerá também no
Senado, mas, como temos visto,
trata-se de parto dolorido.
Dolorido porque as paixões
políticas dão o tom em um processo em grande medida de caráter administrativo e que pode
ter como resultado algo de positivo para o Legislativo e para a
democracia.
Dolorido porque o hábito de
pouca transparência é real, envolvendo assessores e senadores, não apenas o presidente da
Casa, mas também oposicionistas aguerridos. Portanto, nada
garante que a substituição da
presidência redundará em melhoras significativas de procedimentos.
Pelo contrário, em nome da
ética, há uma politização excessiva de um processo que é em
boa medida administrativo e
conta certamente com apoio de
boa parte do corpo técnico. A
politização excessiva leva também a exacerbação de ânimos e
sentimentos acalorados e injustos da população com pessoas dedicadas e competentes e
que têm feito um excelente trabalho pelo Brasil.
A questão política deve ser
resolvida em seu âmbito, no voto e segundo a vontade do eleitor. Ele, sim, deve avaliar se o
senador A ou B lhe traiu a confiança, se seu discurso é apenas
contundente, ou se a contundência serve apenas para encobrir comportamentos tradicionais e injustificáveis para quem
bate no peito defendendo ética.
FABIANO SANTOS é professor e pesquisador
do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas
do Rio de Janeiro), onde coordenada o Núcleo de
Estudos sobre o Congresso
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