São Paulo, domingo, 05 de agosto de 2007

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+ Literatura

O detetive Freud

Ambientado em Nova York, em 1909, romance leva o psicanalista a desvendar a identidade de um "serial killer'

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Em um texto famoso, o historiador italiano Carlo Ginzburg traça a genealogia de um paradigma indiciário que percorreria veladamente séculos da cultura ocidental e reaproxima as idéias psicanalíticas de [Sigmund] Freud e as ficcionais de Conan Doyle, o criador de Sherlock Holmes.
Ambas são baseadas na busca de pistas, sinais ou desvios que possibilitem a compreensão de situações complexas.

Vítimas mutiladas
É com essa junção, de modo explícito (e muitas vezes rebaixado), que lida em seu primeiro livro, "A Interpretação do Assassinato" (Cia. das Letras, trad. Paulo Schiller, 480 págs., R$ 53), o escritor norte-americano Jed Rubenfeld, professor de direito constitucional em Yale.
Ele situa sua história nos EUA, em 1909, quando Freud, acompanhado por [Carl] Jung e [Sándor] Ferenczi, chega a Nova York para uma série de conferências.
Ali, ele conhece Stratham Younger, personagem responsável pela narração em muitos momentos do romance e um dos "detetives", ao lado do próprio Freud e de um policial, responsáveis por resolver o mistério da trama -os ataques de um provável "serial killer" que mutilava suas vítimas.
Para tanto, precisam desvendar as memórias reprimidas de uma sobrevivente, Nora.
A obra pode ser alinhada a inúmeras lançadas nos últimos anos que têm como protagonistas Nietzsche, Schopenhauer, Dante Alighieri e outras figuras notáveis e que supostamente sempre se valem de muita pesquisa histórica. De modo geral, são, para brincar com o título de uma das mais conhecidas delas, de chorar.
Uma exceção recente é "Arthur & George" [Rocco], de Julian Barnes, que, a despeito de certa prolixidade, conta com elegância e inteligência como a vida de Arthur Conan Doyle se entrelaça com a de um desconhecido advogado de origem indiana.
Em "A Interpretação do Assassinato" não falta, inclusive, o inevitável posfácio explicativo, no qual as "situações reais" e a origem das citações são elencadas e discutidas, para desespero do leitor, que se sentiria aliviado com o fato de estar lendo um livro de ficção e adoraria que as ilações fossem uma prerrogativa só sua.

Miniaturas eruditas
Por outro lado, o livro também se enquadra na fórmula consagrada por Dan Brown em "O Código Da Vinci" [Sextante], de inserir no enredo miniaturas do debate erudito; no caso, as diferentes interpretações do famoso "ser ou não ser" shakespeariano, obsessão de Younger, que, descontente com as existentes, acredita encontrar a definitiva.
Afora esses detalhes (como lembra Ginzburg, o método morelliano propunha ser necessário "examinar os pormenores mais negligenciáveis"...), é preciso dizer que o livro até é divertido.

ADRIANO SCHWARTZ é professor de literatura da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.


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