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O castelo do ermitão
O escritor francês Julien Gracq, morto em dezembro, construiu uma obra profunda que não condiz com sua imagem de arrogante
ANDRÉ VELTER
A
dmirado, celebrado,
apresentado como
um comandante altaneiro e quase invisível, Julien
Gracq devia se perguntar com
freqüência por que pérfida
maldição ele era tão confundido com outro. Sua morte discreta em Angers [França], em
22/12, aos 97 anos, modificará
a imagem de escritor atemporal e um pouco arrogante que
era ligada ao seu nome?
Das primeiras páginas de
"Au Château d'Argol" às últimas dos "Carnets du Grand
Chemin" [No Castelo de Argol
e Cadernos do Grande Caminho, editados na França pela
José Corti], não havia ele recorrido aos poderes de uma liberdade que queria ilimitada,
maravilhosa, excessiva e, às vezes, demoníaca? À diferença
dos estetas semi-surdos e semicegos, seus leitores fervorosos sabiam o que esperar.
Estômago
No entanto, se ele permanecia escrupulosamente afastado
do meio literário e de seus costumes, esse homem de discrição marcante e franqueza mordaz avançava sem qualquer
máscara em seus romances,
seus relatos e ensaios, e, é claro,
em "La Littérature à l'Estomac" [A Literatura no Estômago], o panfleto de grande influência publicado em 1950.
Percebia-se nele, claramente
expressa, uma tensão despertada pelo contato com o surrealismo e que o mantinha em estado de fria revolta, disposto a
todas as subversões lúcidas, a
todas as aventuras verdadeiras.
Assim, ele saudou como um
traço incandescente, sempre
exemplar, sempre atual, "essa
virtude essencial de reivindicar
a todo instante a expressão da
totalidade do homem, que é recusa e aceitação misturadas, separação constante e também
constante reintegração, (...)
mantendo em seu ponto extremo de tensão as duas atitudes
simultâneas que esse mundo
fascinante e intolerável em que
estamos não deixa de suscitar:
o maravilhamento e a fúria"
("Préférences", ed. José Corti).
Longe de se afastar de tudo,
Gracq buscava precisamente,
por caminhos singulares, participar desse Todo, nunca se desligar de seu misterioso campo
de atração. Era para não romper esse acordo frágil e incerto
com a unidade do mundo que
ele ignorava palcos e desfiles.
Ele concebia um real mais
vasto, mas sem fissura, aberto a
todas as linhas de fuga, mas
sem evasão radical. "Da vida
banal ao cume da arte, não há
ruptura, mas florescimento
mágico, que implica uma inversão íntima da atenção, uma maneira totalmente outra, de
orientação totalmente diferente, infinitamente mais rica em
harmonias, de escutar e olhar"
("Julien Gracq, Qui Êtes-Vous?", Quem é Você?, entrevistas a Jean Carrière, ed. La
Manufacture).
Tão pouco
Sua obra é primeiramente
um testemunho dessa "inversão íntima" que de repente faz
da palavra poética uma força
imantada. Gracq nunca se
preocupou muito com os debates de professores ou filósofos
que não paravam questionar a
validade, a eficácia, a verdade
da literatura.
O autor de "Litoral das Sirtes" [ed. Guanabara] salientou
que era importante "escrever
como nos atiramos à água, fazendo um ato de confiança no
elemento portador" (Na "Nouvelle Revue Française").
Em uma de suas breves anotações, Julien Gracq, evocando
a região de Aubrac, escreveu: "É
preciso tão pouco para viver
aqui". Desse pouco, dessa vida,
desse aqui, Gracq soube como
ninguém reconstituir o rigor e
o fausto, a nobreza e os poderosos malefícios, o prazer e o encantamento insondável.
A íntegra deste texto foi publicada no "Monde".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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