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Encruzilhada da Europa
Em ensaio catastrofista, o europeísta norte-americano Walter Laqueur diz que continente não lida bem com seus problemas mais urgentes
PAULO FAGUNDES VISENTINI
ESPECIAL PARA A FOLHA
A
Europa é um continente paradoxal,
com sua avançada
integração (que segue se ampliando),
sólida economia e sistema de
bem-estar social.
Na América Latina, milhares
buscam obter um passaporte
europeu, enquanto outros tentam ingressar clandestinamente no "Velho Continente". Contudo, existe um mal-estar crescente, oculto pela alternância
entre o discurso ufanista e o silêncio. Do ufanismo do euro e
da ampliação (já são 27 países)
ao silêncio subseqüente ao não
franco-holandês ao projeto de
Constituição da União Européia e às desavenças com os Estados Unidos na guerra ao terrorismo.
O novo livro do conceituado
europeísta norte-americano
Walter Laqueur (nascido na
Alemanha) tem o mérito de colocar o dedo na ferida e, na linha de Oswald Spengler, denunciar uma nova e definitiva
decadência do Ocidente, ou ao
menos da Europa.
O retrocesso demográfico e o
envelhecimento acelerados da
população são acompanhados
pelo rápido crescimento da
imigração, num continente caracterizado, historicamente,
pela emigração. E a Europa, segundo Laqueur, não saberia lidar culturalmente com o fenômeno, especialmente pelo perfil dos imigrantes, que seriam
refratários aos valores europeus/ocidentais.
O que surpreende na obra é
que difere muito da erudição,
do equilíbrio e do rigor acadêmico das anteriores, pois se
trata de um ensaio de tom catastrofista, fortemente engajado. Laqueur menciona a Rússia
na mesma situação e analisa os
dados em sua versão negativa
extrema, isto é, considerando
que antes do fim do século a
população européia será de,
aproximadamente, um terço
da atual.
Ao mesmo tempo, o ensaísta
analisa a imigração em geral e,
quando nos damos conta, está
falando apenas de muçulmanos, que se convertem no foco
central do livro. O acesso dos
imigrantes e do crescente número de idosos à seguridade
social estariam tornando a economia inviável, em tempos de
globalização. Assim, a Europa
corre o risco de se tornar um
centro turístico ou "grande
museu a céu aberto".
Os Estados Unidos são por
ele isentados do fenômeno, devido ao fato de absorverem
bem a imigração e não construírem guetos, o que é um argumento complicado, especialmente após o 11 de Setembro.
Assim, o livro segue a linha
do "Choque de Civilizações"
[ed. Objetiva], mas com a diferença que [Samuel] Huntington conclui a obra enfatizando
que a Europa integra o núcleo
duro do Ocidente, por meio da
Otan, e o consenso transatlântico não pode ser perdido. Numa narrativa um pouco confusa e repetitiva, Laqueur não
chega a apresentar uma conclusão, mas o tom amargo é
fortemente pessimista, com os
"bárbaros", especialmente muçulmanos, invadindo a Europa.
Talvez seja, simplesmente,
uma advertência às sociedades
e aos governos europeus.
O debate que introduz é importantíssimo, mas a análise
desconsidera os fundamentos
socioeconômicos do processo,
que podem ajudar a desatar o
nó que o angustia. Além disso,
vale a pena lembrar que Londres e Amsterdã, antigos centros comerciais, recebem imigrantes há séculos, e que eles
chegaram a ser quase maioria
em alguns momentos.
Igualmente, após a Revolução a França entrou numa precoce desaceleração populacional e é um país de imigração
desde o século 19.
Milhões de poloneses e italianos cortaram parte dos sobrenomes e hoje passam despercebidos como bons franceses. Ainda na mesma perspectiva, não valoriza o fato de que
antigos declinantes, como a
Suécia, voltaram a crescer.
Na verdade, graças à Guerra
Fria o modelo europeu e a integração da UE se desenvolveram numa redoma, protegidos
pelos EUA e com uma identidade claramente definida frente ao Leste socialista. Mas as
condições mudaram estruturalmente após a queda do Muro e da URSS, e a Europa tem
de lidar com seu entorno do
norte da África, do Oriente Médio e do espaço pós-soviético.
Certamente os europeus levarão algum tempo para vencer um certo comportamento
acomodado, mas eles possuem
condições para isso, pois contam com recursos econômicos
para tanto. Eles têm, sim, experiência para lidar com o terrorismo, um velho conhecido, de
forma mais duradoura que os
Estados Unidos.
E os chamados "valores europeus", especialmente os diplomáticos, aos quais Laqueur
se refere com ironia, seguramente contribuirão para o
aprimoramento de um novo
sistema mundial que emerge.
Mas a leitura vale a pena, pois
vai a fundo em dois problemas
cruciais e negligenciados: o declínio demográfico do Norte e
as migrações do Sul.
PAULO FAGUNDES VISENTINI é historiador e
professor de relações internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
OS ÚLTIMOS DIAS DA EUROPA
Autor: Walter Laqueur
Tradução: André Pereira da Costa
Editora: Odisséia (tel. 0/xx/21/ 3212-2600)
Quanto: R$ 34,90 (208 págs.)
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