São Paulo, domingo, 06 de janeiro de 2008

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Encruzilhada da Europa

Em ensaio catastrofista, o europeísta norte-americano Walter Laqueur diz que continente não lida bem com seus problemas mais urgentes

PAULO FAGUNDES VISENTINI
ESPECIAL PARA A FOLHA

A Europa é um continente paradoxal, com sua avançada integração (que segue se ampliando), sólida economia e sistema de bem-estar social. Na América Latina, milhares buscam obter um passaporte europeu, enquanto outros tentam ingressar clandestinamente no "Velho Continente". Contudo, existe um mal-estar crescente, oculto pela alternância entre o discurso ufanista e o silêncio. Do ufanismo do euro e da ampliação (já são 27 países) ao silêncio subseqüente ao não franco-holandês ao projeto de Constituição da União Européia e às desavenças com os Estados Unidos na guerra ao terrorismo. O novo livro do conceituado europeísta norte-americano Walter Laqueur (nascido na Alemanha) tem o mérito de colocar o dedo na ferida e, na linha de Oswald Spengler, denunciar uma nova e definitiva decadência do Ocidente, ou ao menos da Europa. O retrocesso demográfico e o envelhecimento acelerados da população são acompanhados pelo rápido crescimento da imigração, num continente caracterizado, historicamente, pela emigração. E a Europa, segundo Laqueur, não saberia lidar culturalmente com o fenômeno, especialmente pelo perfil dos imigrantes, que seriam refratários aos valores europeus/ocidentais. O que surpreende na obra é que difere muito da erudição, do equilíbrio e do rigor acadêmico das anteriores, pois se trata de um ensaio de tom catastrofista, fortemente engajado. Laqueur menciona a Rússia na mesma situação e analisa os dados em sua versão negativa extrema, isto é, considerando que antes do fim do século a população européia será de, aproximadamente, um terço da atual. Ao mesmo tempo, o ensaísta analisa a imigração em geral e, quando nos damos conta, está falando apenas de muçulmanos, que se convertem no foco central do livro. O acesso dos imigrantes e do crescente número de idosos à seguridade social estariam tornando a economia inviável, em tempos de globalização. Assim, a Europa corre o risco de se tornar um centro turístico ou "grande museu a céu aberto". Os Estados Unidos são por ele isentados do fenômeno, devido ao fato de absorverem bem a imigração e não construírem guetos, o que é um argumento complicado, especialmente após o 11 de Setembro. Assim, o livro segue a linha do "Choque de Civilizações" [ed. Objetiva], mas com a diferença que [Samuel] Huntington conclui a obra enfatizando que a Europa integra o núcleo duro do Ocidente, por meio da Otan, e o consenso transatlântico não pode ser perdido. Numa narrativa um pouco confusa e repetitiva, Laqueur não chega a apresentar uma conclusão, mas o tom amargo é fortemente pessimista, com os "bárbaros", especialmente muçulmanos, invadindo a Europa. Talvez seja, simplesmente, uma advertência às sociedades e aos governos europeus. O debate que introduz é importantíssimo, mas a análise desconsidera os fundamentos socioeconômicos do processo, que podem ajudar a desatar o nó que o angustia. Além disso, vale a pena lembrar que Londres e Amsterdã, antigos centros comerciais, recebem imigrantes há séculos, e que eles chegaram a ser quase maioria em alguns momentos. Igualmente, após a Revolução a França entrou numa precoce desaceleração populacional e é um país de imigração desde o século 19. Milhões de poloneses e italianos cortaram parte dos sobrenomes e hoje passam despercebidos como bons franceses. Ainda na mesma perspectiva, não valoriza o fato de que antigos declinantes, como a Suécia, voltaram a crescer. Na verdade, graças à Guerra Fria o modelo europeu e a integração da UE se desenvolveram numa redoma, protegidos pelos EUA e com uma identidade claramente definida frente ao Leste socialista. Mas as condições mudaram estruturalmente após a queda do Muro e da URSS, e a Europa tem de lidar com seu entorno do norte da África, do Oriente Médio e do espaço pós-soviético. Certamente os europeus levarão algum tempo para vencer um certo comportamento acomodado, mas eles possuem condições para isso, pois contam com recursos econômicos para tanto. Eles têm, sim, experiência para lidar com o terrorismo, um velho conhecido, de forma mais duradoura que os Estados Unidos. E os chamados "valores europeus", especialmente os diplomáticos, aos quais Laqueur se refere com ironia, seguramente contribuirão para o aprimoramento de um novo sistema mundial que emerge. Mas a leitura vale a pena, pois vai a fundo em dois problemas cruciais e negligenciados: o declínio demográfico do Norte e as migrações do Sul.

PAULO FAGUNDES VISENTINI é historiador e professor de relações internacionais na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


OS ÚLTIMOS DIAS DA EUROPA
Autor:
Walter Laqueur
Tradução: André Pereira da Costa
Editora: Odisséia (tel. 0/xx/21/ 3212-2600)
Quanto: R$ 34,90 (208 págs.)



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