São Paulo, Domingo, 06 de Fevereiro de 2000


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"Mulheres Invisíveis" rastreia os abusos praticados contra mulheres e crianças
O mal oculto da violência doméstica

Marilene Felinto
da Equipe de Articulistas

A violência doméstica -ou intrafamiliar- ainda não alcançou, no Brasil, a visibilidade de que desfruta em outros países nem se transformou em uma questão central da agenda pública, como ocorreu nos Estados Unidos. São conclusões da pesquisa "Mulheres Invisíveis - Violência Conjugal e Novas Políticas de Segurança", da antropóloga Barbara Musumeci Soares. O estudo tenta quantificar e conceituar a violência doméstica -contra a mulher e a criança-, especialmente nos EUA, tanto da perspectiva feminista quanto do ponto de vista de outros movimentos da sociedade civil, incluindo as políticas públicas, além de estabelecer relações entre o alcoolismo e a prática da violência. "A violência doméstica", afirma Barbara Musumeci, "é invisível não apenas porque é pouco divulgada, não provoca comoções nacionais (salvo em situações excepcionais) ou não é objeto privilegiado de políticas públicas. Ela é invisível, também, por não ter um nome, não se constituir num problema político, não gerar polêmica, não ser objeto de disputas e estar confinada basicamente ao domínio das ações e dos debates feministas (sob a fórmula, paradoxalmente, tão ignorada quando desgastada, da violência contra a mulher)".

Direito informal
O interesse da antropóloga pelo assunto surgiu a partir de um levantamento sobre uso e abuso de álcool realizado por ela -juntamente com a equipe do Núcleo de Pesquisa do Iser (Instituto de Estudos da Religião)-, no início da década de 90. Em 1994, a pesquisa estendeu-se às Deam (Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher do Rio de Janeiro), onde Musumeci analisou boletins de atendimento, acompanhou plantões, aplicou questionários e elaborou dados.
Com esse material na bagagem, a antropóloga desembarcou nos Estados Unidos em 1995 para realizar o que, segundo ela, se constitui no tema central de "Mulheres Invisíveis". "Não se trata de um trabalho comparativo entre a violência doméstica no Brasil e nos Estados Unidos. Meu foco é, claramente, a experiência norte-americana", explica.
"Pretendi, pelo viés da vitimização, captar o impacto do movimento contra a violência doméstica na sociedade americana e, com base nesse processo que utilizaria como contraponto, refletir sobre aspectos que, a despeito do enorme silêncio que envolve o tema entre nós, sobressaem no caso brasileiro."
Apesar da ressalva, é inegável que o trabalho traz importantes contribuições para a análise da situação da violência familiar também no Brasil. O estudo destaca, por exemplo, o papel fundamental das delegacias da mulher no sentido de dar vazão a uma enorme demanda até então reprimida na sociedade. "A atuação das Deam foi capaz de absorver e oferecer respostas a um problema até então sem nome, sem existência, sem visibilidade", afirma Musumeci.
A pesquisa realizada nas Deam do Rio de Janeiro mostra que esses órgãos vêm realizando não apenas suas funções de polícia judiciária, mas praticando uma modalidade de direito informal que inclui, entre outras formas de atendimento, a arbitragem e a mediação dos mais diversos e inusitados tipos de conflito, a despeito da precariedade de recursos, do número reduzido de abrigos para as vítimas e do preconceito e despreparo das policiais que ali trabalham.
Em linhas gerais, a antropóloga conclui que, nos Estados Unidos, os debates em torno da violência doméstica já trouxeram mudanças concretas no modo como a polícia, a Justiça e a sociedade civil lidam com o tema. Ou seja, trouxeram resultados práticos para ampliação dos recursos disponíveis e a consolidação legal de uma política de proteção para as vítimas.
No caso brasileiro, porém, apesar de alguns avanços, como a criação do Pacto Comunitário contra a Violência Intrafamiliar (1998), do SOS Criança, das Delegacias Especiais de Atendimento à Mulher e do Estatuto da Criança e do Adolescente, o movimento contra a violência, para Musumeci, "não rompeu a distância entre a população e a militância (ou, em sua nova versão, entre a população e o(a)s especialistas)".



Mulheres Invisíveis
320 págs., R$ 30,00 de Barbara Musumeci Soares. Ed. Civilização Brasileira (av. Rio Branco, 99, 20º andar, CEP 20040-004, RJ, tel. 0/xx/21/263-2082).




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