São Paulo, Domingo, 06 de Fevereiro de 2000


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+ poema
 
Marginália de escarpas
     
de Josely Vianna Baptista
ilustração de Francisco Faria
     
Nenhum lugar. Lugar algum perdura.
Um ventre a sombra alisa, um plano
o sol levanta, cumes que o vento
plissa. Sol branco, sol negro, o vento
apaga os rastros da areia, apaga
os passos da língua. E o sol
a pino assola, o frio da lua cresta
a pele que se solta,
o suor do corpo em febre
que se solta, e as peles são silêncios,
poemas que se deixam,
e o lugar é aqui, e lá, e ontem,
e as letras voam, revoam,
espreitam como cobras sob a areia
(camaleões se escondendo em si mesmos),
espiam as peles que se espalham, página
ou pálea, corpo que se desveste, desmente,
desvaira: tudo é miragem.
Um som de antigas águas apagadas.

É miragem a rima, a fábula do nada,
as falhas dessa fala em desgeografia,
a fala hermafrodita, imantação de astilhas,
a voz na transparência, edifícios de areia.

Mas teu olhar o mesmo, em íris-diafragma,
fotogramas a menos na edição do livro,
e o enredo sonho e sol, delírios insulares,
teu olhar transparente, a imagem
margem d’água, e as fábulas da fala,
as falhas desse nada ­ superfície de alvura
ou árida escritura.

Na moldura da página,
marginália de escarpas
 

 

 
Josely Vianna Baptista é poeta e tradutora, autora de AR e Corpografia (Iluminuras, 1991 e 1992) e Cadernos da Ameríndia (Tip. do Fundo de Ouro Preto, 1996; 3 v.). Recebeu o Prêmio Jabuti de 1999 pela tradução de poemários de J. L. Borges (Obras Completas, Globo, v. 2). Prepara a edição de Os poros flóridos (Col. Signos, Perspectiva), do qual faz parte o fragmento aqui publicado

Francisco Faria é artista plástico. Participou da 22ª Bienal de São Paulo, da V Bienal de Havana e de mostras como Contemporary Art in Brazil (Yan Huang Art Museum, Pequim) e Der Zeichnung Heute (Frankfurt, 1997 - 100 desenhistas da década). Sua exposição mais recente foi na Gal. Casa da Imagem (Curitiba, 1998)
Impenetrável:
Mar (1999), grafite sobre lençol de chumbo, 120x100cm



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