São Paulo, domingo, 06 de maio de 2001

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+ cinema

A mulher do lado, 20 anos depois

Fanny Ardant analisa a produção francesa atual e Hollywood

Claudia Assef
de Paris

A idade madura -ela não revela quantos anos tem- não foi ingrata com Fanny Ardant. A atriz, a última mulher do cineasta ícone da França, François Truffaut (1932-1984), continua exuberante, apesar de se admitir boêmia.
Vinte anos depois de estrelar "A Mulher do Lado", um dos filmes mais arrebatadores de Truffaut, Fanny é uma das atrizes mais respeitadas da França.
Numa mesa de canto do café Trocadero, em Paris, entre um gole e outro de chá, Fanny explicou por que nunca teve vontade de se tornar uma atriz de Hollywood, falou de teatro -volta aos palcos em outubro-, cinema francês ("a maior parte dos filmes é porcaria") e chorou quando lembrou seu relacionamento com Truffaut.

Como tem sido sua relação com o cinema?
Fiz um filme que se chama "Le Fils du Français", de Gérard Lauzier. Filmamos no ano passado, e é uma história que se passa no Brasil. Mas, como o produtor achou que ficaria muito caro filmar no país, ele optou por uma cidadezinha na floresta amazônica, do lado venezuelano, chamada Las Claritas. Não tinha nem eletricidade. Adorei a experiência. Dancei salsa todas as noites.
Você ficou lá durante quanto tempo?
Quatro meses. Foi tempo suficiente para conhecer tudo o que a floresta tem. Uma vez, fui calçar meus sapatos e havia uma aranha enorme dentro de um deles. Num certo momento, deixei de me assustar até com cobras. E não fiquei doente nem uma vez nem tive nenhuma indisposição na floresta.
Durante esse tempo na floresta, você teve saudade da sua infância confortável em Mônaco?
Às vezes. Minha juventude lá foi muito prazerosa. Morar no mediterrâneo pode ser uma experiência muito boa para uma jovem. A janela do meu quarto dava para o mar. Ainda me lembro do sol, dos aromas, dos barulhos dos barcos. Mas adorava ir a Paris. Minha avó morava perto da cidade, e vínhamos visitá-la todo ano. Era apaixonada pela cidade. Achava os homens chiques. Pensava comigo mesma que, assim que tivesse idade, iria morar em Paris. "A Mulher do Lado" foi lançado em DVD numa versão comentada por você e por Gérard Depardieu. Em entrevistas, você disse que o filme teve um efeito tão forte sobre você que era difícil falar dele. Como foi a experiência?
Foi forte. Fizemos originalmente o filme em seis semanas. Os diálogos foram escritos aos domingos, no set, porque só havia uma sinopse. Foi o Gérard que me conduziu nesse filme. Foi como uma dança. Se o seu parceiro não sabe guiar, o casal fracassa. Desde a primeira cena que fiz com ele senti que houve um clique. Ainda é difícil falar sobre esse filme. Não sei o que dizer porque sinto o filme muito forte ainda. Qual é sua formação como atriz?
Praticamente nenhuma. Faço tudo instintivamente. Não conheço teorias, não acredito que regras possam fazer um ator. Gosto de aprender meu texto, transformá-lo numa coisa mecânica. Não acredito em ensaios até a exaustão. Acho, sim, que, se você sabe bem o texto, conhece o personagem, o imprevisto pode ser muito interessante.
Quem são seus diretores favoritos no cinema norte-americano?
Adoro os irmãos Cohen, Woody Allen, Martin Scorsese. Gosto basicamente do cinema independente norte-americano. Não sou dessas que pregam o antiamericanismo. Os americanos sabem muito sobre filmagem. Acho que os bons scripts vêm geralmente da Europa e da Ásia. Mas, quando os americanos botam a mão na massa, eles são muito eficazes. Acho que era (Jean-Luc) Godard que dizia que os "remakes" existem porque os americanos não tinham idéia e os europeus não tinham dinheiro (risos).
O que a faz sair de casa para ir ao cinema?
O cinema em si. Às vezes, olho o guia "Pariscope" e não vejo nada de interessante. Mesmo assim, vou ver algum filme, mesmo que não seja tão genial. A produção cinematográfica na França anda a pleno vapor. O que você acha da qualidade dos filmes que têm sido feitos no país?
Acho que a França atravessa um momento de roteiros ruins. Não é possível salvar um filme no set, nem com ótimos atores nem com um grande diretor. Adoro os outsiders, há alguns muito promissores. Acho que os filmes têm sido fracos de estilo. Há muita porcaria sendo feita. Mas ainda temos grandes diretores, como André Techiné e Claude Chabrol.
Por que você nunca foi para Hollywood?
Nunca pensei numa carreira nos EUA. A Europa é minha casa. Não queria abandonar minhas raízes. Não sairia do meu país por razões financeiras. E tem mais: se fosse para os EUA, com o inglês cheio de sotaque que tenho, só faria papéis caricatos, secundários. E não entendo a linguagem dos americanos. Lá, quando eles falam em cinema, já falam em tantos milhões de dólares. Para mim isso é muito abstrato, muito distante. Quando querem ver se um filme está indo bem na bilheteria, eles falam que o filme arrecadou tantos milhões. Na França, falamos em número de pessoas que foram ver o filme. É muito mais palpável. Mas, se o Scorsese me disser que precisa de uma mamãe italiana, eu vou correndo (risos).
Truffaut não quis filmar nos EUA...
Ele disse não porque para ele era melhor fazer filmes sem perder sua identidade. Depois de pronto, o filme viajaria para os EUA de qualquer forma.
O que você faz nas horas de folga?
Toco piano. Mal, mas adoro tocar. Adoro fazer nada. Não me sinto nada culpada por isso. Adoro acordar tarde e começar o dia bem lentamente. É tão chato que as pessoas se sintam obrigadas a acordar cedo. Não tem coisa melhor do que ir dormir tarde, ficar lendo ou escutando música até cair no sono. Não sinto nenhuma vergonha disso (risos).
Você tem planos de voltar ao teatro?
Em outubro estréio uma peça de um inglês, Howard Baker. A história é sobre uma pintora do século 16. É uma peça muito bem escrita. Vamos estrear em Marselha. A peça vai depois a Paris, a Roma. Vamos fazer uma boa turnê pela Europa.
Você ainda evita falar sobre Truffaut?
Não consigo falar sobre esse assunto. Não tenho o que falar. Só sinto, e a sensação ainda é muito forte para colocar em palavras.



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