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LIVROS
Luiz Alberto Bahia aposta na "saída evolutiva" em 'O Fenômeno Divino'
Sem sombra de pessimismo
MARCELO COELHO
da Equipe de Articulistas
Com menos de cem páginas, este
"O Fenômeno Divino" não se
presta a leituras apressadas. Reúne
ensaios muito densos, que vão
desde a meditação de cunho teológico à abordagem de temas contemporâneos como a ecologia e a
globalização. Escrever "temas
contemporâneos" já seria reduzir,
entretanto, o escopo do livro.
Fala-se com frequência, hoje em
dia, do "próximo milênio" -já
ouvi até previsões sobre as "tendências da moda para o próximo
milênio"-, mas são raras as reflexões, as prospecções quanto ao
destino humano, que se mostrem
à altura da dimensão temporal que
o termo denota.
Luiz Alberto Bahia parte do reconhecimento, não da existência
de um Deus conforme qualquer
dogma religioso, mas do que chama "o fenômeno divino": algo
como a rejeição, cuja presença podemos verificar introspectivamente, das limitações e imperfeições de nossa existência. Trata-se
do sentimento que temos da transcendência, da aspiração a uma
perfectibilidade, do senso, se podemos assim dizer, de uma evolução "cósmica", de um destino
maior do que o concebível dentro
dos quadros da experiência empírica.
Tudo isso pode ser entendido,
por certo, como uma questão de
fé; mas distingue-se daquilo que o
autor chama de "crença" -a representação simbólica, tentada
pelas diversas religiões, desse sentimento. Mais do que um corpo de
doutrina, essa sensação do divino
seria como que a matriz dos valores e das esperanças do homem.
A essas esperanças o autor adere
sem sombra de pessimismo, mas
sem nenhuma ingenuidade tampouco. A proliferação dos nacionalismos, a pertinácia dos instintos agressivos no homem, a dualidade entre o "ser" e o "ter", as
questões da propriedade, da superpopulação, do meio ambiente e
da miséria recebem neste livro um
tratamento sucinto, mas de larga
visada. As próprias tarefas da ciência no próximo milênio são enunciadas -de modo, a meu ver, audacioso demais- nos quadros de
uma "saída evolutiva" para além
da finitude individual, social e planetária.
Os textos sobre a relação da propriedade privada com o nacionalismo e com a ecologia, ou sobre
os desafios da organização política
nas megalópoles, articulam-se de
modo cerrado com os pressupostos mais amplos do autor. Inspirado no pensamento de Teilhard de
Chardin, nas religiões orientais e
numa versão altamente abstrata
do kardecismo, este livro é contudo estimulante mesmo para quem
não se situe com conforto dentro
desse arcabouço conviccional.
Costuma ser raro em jornalistas
o talento para a especulação abstrata; por decorrência natural do
ofício, importa o fato imediato, a
circunstância empírica, o dado
palpável. Luiz Alberto Bahia fez
uma longa carreira como jornalista -foi diretor do "Correio da
Manhã", editorialista do "Jornal
do Brasil" e do "Globo", além de
ter mantido coluna diária nesta
Folha, de cujo Conselho Editorial
é o decano. Mas ao currículo na
imprensa acrescenta o de teórico
político, como "fellow" do
"Center for International Affairs" da Universidade de Harvard e membro associado do
"Center of Latin American Studies" de Cambridge.
Nas reuniões do Conselho Editorial, pude admirar muitas vezes o
brilho com que Luiz Alberto Bahia
sabe usar os conceitos habitualmente incolores da ciência política, formulando teses ao mesmo
tempo originais, rigorosas e elegantes. Ele me disse que este seu
livro era "um livro da velhice". A
despeito do estilo austero e das altitudes, por vezes escarpadas, de
suas cogitações, "O Fenômeno
Divino" tem, ao contrário, todo o
frescor e a criatividade da juventude. Diante dos quais, é forçoso
confessar, o ceticismo deste resenhista às vezes pigarreia um pouco.
A OBRA
O Fenômeno Divino e Outras Convicções - Luiz Alberto Bahia. Ed. Dublin (r. Visconde de Carandaí, 6, CEP 22460-020, SP, tel. 021/540-0130). 96 págs. R$
14,00.
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