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O presidente Lula acertou ao abdicar das tentações revolucionárias e dar
preferência à prática democrática, mas deve evitar a queda no populismo
O CAMINHO DA CONSCIÊNCIA NACIONAL
Alain Touraine
Seria muito mais simples ver o presidente Lula romper com a ordem
internacional, com a sociedade
brasileira criadora de desigualdades esmagadoras e mesmo com instituições políticas muitas vezes indiferentes à
sorte do povo. Mas quem deseja realmente tomar esse caminho, primeiro no
tumulto das aclamações, mas depois no
caos de uma economia submetida a contradições insuperáveis?
A opção de Lula não foi a da sabedoria
e da prudência; foi a de uma prática democrática distante dos discursos de pretensão revolucionária. E é a primeira vez
que a vontade de uma grande reforma
social se associa à idéia democrática, e
não mais às tentações revolucionárias
que em toda parte levaram ao caos social
e a regimes autoritários.
Esse renascimento da democracia, preparado pelos resultados positivos da política social-democrata de FHC, é um dos
acontecimentos mais importantes deste
início de século, em nível mundial. E Lula rapidamente conquistou um reconhecimento mundial que poucos analistas
consideravam possível. As grandes potências têm tanto medo de uma catástrofe no imenso Brasil que recebem com
compreensão e até com simpatia o novo
presidente. Aliás, o Brasil conta com
uma verdadeira independência graças a
seu imenso mercado interno, enquanto a
Argentina desmoronou porque colocou
seu destino nas mãos dos financistas internacionais, e não das elites dirigentes
nacionais.
País em transformação
E a força
do novo Brasil é tão grande que a Argentina, que estava tão próxima da catástrofe econômica quanto de um golpe de Estado autoritário, escapa por pouco da
morte e aclama Lula, que desejaria ter
como presidente. [O presidente chileno]
Ricardo Lagos, que reconheceu desde o
início a força e a necessidade da democracia, se aproxima de um Mercosul que
não é somente um mercado comum em
ruínas, mas sobretudo uma vontade política e econômica capaz de dirigir a recuperação do Cone Sul.
Os obstáculos nesse caminho escolhido por Lula são enormes, e certamente
será preciso que o criador do PT recorra
às forças populares e a sua vontade de
mudança social, mas esse apelo só pode
se situar no âmbito de uma política democrática e não deve de modo algum
opor-se a ela, pois o fracasso viria rapidamente sancionar essa queda no populismo. Não há mais solução revolucionária
no continente desde a queda do império
soviético. As esperanças suscitadas por
Fidel Castro [em Cuba] se afogaram no
sangue dos torturados, e a Venezuela
não consegue sair do reino da palavra,
sobrevivendo apenas graças à nulidade
dos conservadores.
Muitos esperam que o continente possa se unir em torno do projeto político
brasileiro. Essa esperança, na verdade,
me parece excessiva, como também o
desejo de ressuscitar o Mercosul. Muito
mais realista e muito mais importante é a
criação de um Brasil em transformação,
dando nova vida à Argentina e ao Uruguai e apoiado pelo Chile. O Brasil se esgotaria para inventar um projeto continental. Ele deve se constituir sozinho em
um continente capaz de se transformar
para melhor reforçar em si mesmo a liberdade e a justiça.
O Brasil precisa de um Estado forte,
apoiado em seu imenso mercado interno, em sua grande capacidade de produção e mais ainda numa intensa consciência nacional. Pois somente a consciência
nacional permite a uma democracia se
reforçar, combinando o que muitas vezes parece contraditório, a pressão popular e o reino da lei.
Em nenhum lugar do mundo existe tamanha possibilidade de progresso democrático. A Índia, depois de ter precedido outros países, afunda em suas dificuldades internas. Quanto à China, seu
futuro democrático se inscreve em um
futuro mais distante, se é que ele tem a
possibilidade de se realizar.
Com frequência, quem analisa uma sociedade deve moderar os julgamentos
sobre os atores e os apelos à prudência.
Nesse caso é a atitude oposta que se deve
adotar, sob o risco de parecer ingênuo ou
afastado das realidades. O Brasil, com
base nos resultados positivos das presidências de FHC, reforçado pelo triunfo
pessoal de Lula, pode superar os que defendem seus privilégios assim como
aqueles que se inebriam de slogans impossíveis. A via democrática se revelará
rapidamente a única possível para o sucesso de grandes transformações que
não devem isolar o país de seu entorno.
É por isso que se deve empregar hoje as
palavras mais fortes para saudar o futuro
que se abre para o Brasil. Em um mundo
onde reina tão amplamente a noite da
pobreza e da violência, no Brasil brilha
uma luz que nasce do encontro de um
desejo de justiça com um respeito absoluto pelas instituições democráticas.
Alain Touraine é sociólogo, diretor da Escola de
Altos Estudos em Ciências Sociais, em Paris, e autor de "A Crítica da Modernidade" (ed. Vozes).
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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