São Paulo, domingo, 06 de julho de 2008

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+ cultura

"As cidades serão melhores"

O celebrado arquiteto Santiago Calatrava fala do futuro das metrópoles e diz que gostaria de trabalhar na América Latina

GUIDO CARELLI LYNCH

Para apresentar Santiago Calatrava basta dizer que, com a cicatriz aberta e o orgulho ferido pelo colapso das emblemáticas Torres Gêmeas, foi justamente esse engenheiro, arquiteto e artista plástico de Valencia (Espanha) que o consórcio privado Shelbourne Development procurou para construir a Chicago Spire -que, com 610 metros, será a torre mais alta dos EUA, capital mundial do arranha-céu.
Perto de completar 57 anos, esse filho de plantadores de frutas cítricas levantou pontes em três continentes, estações de trens e aeroportos, edifícios residenciais, óperas e também o sonho de qualquer arquiteto: museus. Também é doutor honoris causa em algumas das universidades mais prestigiosas do mundo. Mas qual é a atual fantasia de um dos expoentes máximos da arquitetura contemporânea?
"A maioria dos trabalhos que fiz são obras públicas, de domínio público, o que significa que são dirigidas a todos. Creio que, analisando esses 27 anos de trabalho, é uma grande satisfação para um profissional ver que suas obras são utilizadas por muitos milhares de pessoas. Então, nesse sentido, penso que minha obra continuará fiel a esse aspecto", diz Calatrava, de seu escritório em Zurique, na Suíça.  

PERGUNTA - Santiago Calatrava é melhor como arquiteto, engenheiro ou artista plástico?
SANTIAGO CALATRAVA
- (Rindo) Isso são os outros que devem dizer. Mas, quando encaro uma obra, a arquitetura absorve tudo. É uma arte plástica e ao mesmo tempo usa a escultura e a engenharia para alimentar-se delas. Mas o que predomina é a arquitetura.

PERGUNTA - Como serão as cidades do futuro?
CALATRAVA
- O século 20 trouxe uma enorme quantidade de pessoas para as cidades, que cresceram, sobretudo aqui na Europa, de dezenas para milhões de habitantes praticamente em duas gerações, em menos de 30, 50 anos, mas creio que agora esse ritmo vai se acalmar. E não haverá possibilidade de ver uma cidade de 2.000 habitantes passar a ter 2 milhões, como vimos.
O século 21 será um tempo de reconciliação com a cidade, em que, com a melhora dos transportes urbanos e da infra-estrutura, elas voltarão a renascer como lugares em que será agradável viver.

PERGUNTA - Que mudanças o sr. imagina?
CALATRAVA
- Creio que as preocupações ligadas ao ambiente terão um papel de enorme relevância, sobretudo em relação à energia, e, nesse sentido, penso que precisamos nos preparar para inovações importantes.

PERGUNTA - Alguns críticos afirmam que suas pontes são antropomórficas. É verdade?
CALATRAVA
- É bom que as coisas tenham um enigma, e por isso não é bom contar muita coisa sobre elas. Mas é verdade que têm um aspecto antropomórfico, e explico por quê. Como os usuários são homens, é lógico que as pessoas, além de estarem virtualmente no centro da obra, sejam o elemento de inspiração da própria obra.
Como na Antigüidade, usar o homem como medida na arquitetura e como medida de tudo é uma doutrina comum e de grande classicismo...

PERGUNTA - Buenos Aires também tem uma ponte de Calatrava...
CALATRAVA
- Creio que cada lugar exige uma ponte. Não importa o tamanho da obra ou se a ponte de Buenos Aires é uma obra modesta, pois adquire um significado especial pela escala, o lugar, ao lado da Casa Rosada, pelo extraordinário Puerto Madero e por essa cidade extraordinária que é Buenos Aires.

PERGUNTA - O sr. sabia que hoje há conflitos ligados à manutenção da ponte e que ninguém está cuidando dela?
CALATRAVA
- Não, mas creio que a manutenção é fundamental, ainda mais em uma obra móvel.
Na Golden Gate, em San Francisco (EUA), por exemplo, há uma equipe que está continuamente mantendo a ponte e pintando-a. Quando acaba de um lado, recomeça do outro, e assim sucessivamente. É impossível fazer coisas sem nenhuma manutenção, nem mesmo em pedra...

PERGUNTA - Para terminar, o sr. foi novamente convidado para construir na América Latina?
CALATRAVA
- Não, mas para mim é um lugar tão familiar que eu gostaria que isso acontecesse. Teria de lhe dedicar um pouco mais de tempo, isso sim. Mas ficaria encantado de trabalhar lá, é um lugar de que gosto muito, é muito familiar.


A íntegra desta entrevista saiu no "Clarín". Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves .


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