São Paulo, domingo, 06 de julho de 2008

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+ Comportamento

Sexo fora da cidade

Emblemática, noite gay de Nova York sofre com o fechamento de clubes pela prefeitura, com a falta de interesse das novas gerações e aponta para o declínio do sexo público


"As pessoas estão obcecadas demais com suas aparências; todo mundo quer fingir que é modelo"

"Nova York ficou para trás das outras megalópoles; o problema é que, agora, nos tornamos pudicos"


STEVE WEINSTEIN

Na noite anterior ao feriado do Memorial Day [26 de maio, em homenagem aos combatentes de guerra norte-americanos], havia algumas centenas de homens lotando o piso superior de um edifício em um bairro na região central de Manhattan, em Nova York. Um DJ cuidava do som, em um dos cantos, e bartenders despejavam doses de vodca em copos de papel.
Alguns homens -a maioria dos quais mais velhos- haviam deixado as roupas na chapelaria, mas os mais jovens estavam vestidos.
Em alguns cantos escuros, havia sujeitos fazendo sexo oral, e alguma ação anal; mas em termos gerais a cena se parecia muito com qualquer fim de semana de feriado em um bar gay do East Village [também em Nova York].
O mais notável sobre a festa não era que houvesse algumas poucas pessoas -um tanto perfunctoriamente- em ação.
O mais interessante era o fato de que tanta gente não estivesse interessada em nenhuma forma de conexão erótica. A despeito do calor -nada de ventiladores e muito menos ar condicionado- os go-go boys nus e o álcool, as pessoas pareciam satisfeitas em papear.
E a maioria parecia ignorar completamente os episódios isolados de sexo que aconteciam em alguns pontos da sala. Em 2002, escrevi uma reportagem de capa para a edição Gay Pride [orgulho gay] da "Village Voice", sob o título "O Retorno do Sexo Público".
Mencionei a explosão no número de lugares dedicados ao sexo, de festas a clubes privados e bares dotados de salas privativas. "Depois de anos de preocupação com a Aids e de repressão governamental, o sexo público entre os gays está maior e melhor do que nunca", foi o que escrevi. Seis anos parecem ter feito toda a diferença.

Apatia
A prefeitura conseguiu fechar todas, exceto duas, das saunas e todos os clubes de sexo conhecidos de Manhattan, além de autuar bares, clubes e festas privadas onde inspetores tenham flagrado qualquer forma de sexo homossexual. Os poucos empresários que continuam na ativa se queixam da apatia e da mudança nas prioridades entre os gays mais jovens.
Daniel Nardicio, o promoter que organizou a festa no feriado do Memorial Day, se considera um guerreiro na campanha por levar a sacanagem às massas. Sua fama repousa sobretudo nas festas TigerBeat -realizadas no Bowery [em Nova York], e que requeriam que os participantes deixassem as roupas na chapelaria.
A cidade pôs fim à TigerBeat, em 2004, por ordem do Departamento de Saúde e Higiene Mental, mencionando queixas quanto à atividade sexual.
Como todo mundo hoje em dia, Nardicio atribuiu a falta de envolvimento público à internet. Mesmo assim, acrescenta, "se as pessoas desejassem festas sujas e obscenas em Nova York, elas aconteceriam. Mas ninguém mais quer".

Diferença geracional
Se existe uma diferença entre os homens gays da geração pós-Stonewall [conflito entre freqüentadores do bar gay Stonewall, em Nova York, e a polícia, em 1969] e seus seguidores mais jovens, é que estes parecem mais interessados em eventos fashionistas. "As pessoas estão obcecadas demais com suas aparências", queixa-se Nardicio. "Todo mundo quer fingir que é modelo."
Para alguns essa nova atitude talvez caracterize uma progressão saudável e natural -da geração que teve de lutar pelo seu direito à diversão a uma nova geração cuja luta é pelo direito ao casamento homossexual e o direito de servir nas Forças Armadas sem ocultar suas preferências sexuais.
Mesmo na internet, os jovens estão ao menos tão interessados em sites de redes sociais como o MySpace quanto em encontrar parceiros no Manhunt [site de encontros para homens]. "Os jovens de 21 anos querem namorar", aponta Nardicio. "Não sentem ódio por eles mesmos."
Ainda assim, não resta dúvida de que o governo do prefeito Michael Bloomberg [eleito pelo Partido Republicano, hoje independente] não vem sendo exatamente positivo em relação ao sexo.
Os rumores quanto à política do governo municipal para as questões sexuais explodiram em janeiro, quando um repórter do "Gay City News" obteve uma cópia de um memorando interno da prefeitura que recomendava ao comissário de saúde ação agressiva contra os clubes de sexo, de modo a fiscalizá-los de mais perto ou a fechá-los de vez.
Depois que o conteúdo do memorando vazou, funcionários da prefeitura vêm se contradizendo sem parar sobre o assunto.
Mas o fato é que os três mais conhecidos clubes de sexo de Manhattan -El Mirage, Studio e Comfort Zone- foram fechados: o El Mirage dois anos atrás e os dois outros, muito mais recentemente. A Wall Street Sauna fechou em 2004, o que deixa a cidade com apenas duas casas do gênero, o East Side Club e o West Side Club.
Bares como Cock, Eagle, Slide e Boysroom foram autuados por diversas violações. O Mr. Black, talvez o mais popular dos pontos de encontro noturno dos gays mais jovens de Nova York, foi fechado no ano passado porque supostamente havia comércio de drogas no local. Tudo isso provocou indignação em alguns dos gays da cidade -a maioria dos quais mais velhos.
O acadêmico Eric Rofes, que escreveu extensamente sobre os aspectos positivos do sexo gay antes de morrer, em 2006, discursou apaixonadamente no LGBT Center, dois anos atrás, sobre a necessidade de interações aleatórias e de pontos de encontro na era da internet.
Ele lastimou o "desaparecimento ou diminuição dos locais para sexo", como as livrarias gays (em que os homens podiam fazer sexo em cabines reservadas) e a "privatização de culturas sexuais", como a dos adeptos do couro e do sadomasoquismo, que são vistas como desgastadas ou esgotadas pela nova geração de gays.
É certo que as pessoas continuam a fazer sexo. Mas, se compararmos a situação atual aos bons e velhos dias de 2002, temos uma festa móvel e mais clandestina.
Uma recente edição da "HX", uma revista semanal que oferece o calendário das festas gays, mencionava 24 clubes privados, do New York Bondage Club ao Foot Friends (podólatras), passando pelo Golden Showers of America (esportes aquáticos, ou seja, urina), Bear Hunt NYC (fãs dos homens corpulentos e hirsutos) e Thugs4Thugs (exclusivamente para negros e latinos).
E estamos falando apenas dos clubes mencionados. Outros, como o New York by Night, que se reúne mensalmente em um apartamento em Hell's Kitchen, e o NYC Jock Party, em Brooklyn, se limitam a e-mails e referências.
Os defensores de festas como essas apontam para o isolamento e o medo como causas primordiais de infecção por HIV. Fechar os lugares em que as pessoas podem fazer sexo, argumentam, é como fechar bares porque as pessoas se embriagam.
A Lei Seca não funcionou, e o mesmo se aplica a fingir que todos os gays se mudarão para a Califórnia para casar, se não puderem fazer sexo grupal.

Fiscais sexuais
Perry Halkitis, professor de psicologia na Universidade de Nova York, compara essas tentativas ao jogo de fliperama "Whack-a-Mole": "Quando você acerta uma marmota, aparecem outras", disse em um fórum público há alguns meses.
Mas há marmotas que não se levantam mais. Em uma ruazinha anônima na parte sul de Hell's Kitchen, há algumas semanas, um antigo clube de sexo promoveu uma "venda de garagem". Itens como uma cinta suspensa com capacidade industrial, roupas de couro e brinquedos sexuais foram vendidos pelo proprietário (que pediu que seu nome não fosse mencionado).
Ele disse que fornecia camisinhas e lubrificante aos clientes, mas que não podia, ou não queria, transformar seus funcionários em fiscais sexuais. "Se você vai a um clube e há camisinhas gratuitas, não é melhor do que ir à casa de alguém onde talvez não haja camisinhas?", pergunta. "As pessoas levavam camisinhas ao sair.
Quando fechamos, as pessoas continuaram a fazer sexo. Só terão de procurar mais." Um dos compradores no leilão era Daniel Nardicio, que adquiriu holofotes de teatro para possíveis festas.
Mas não pretende continuar no ramo: agora apresenta um programa de rádio na internet em um site orientado ao East Village e planeja uma linha de moda -roupas de baixo que trazem o número de telefone do usuário impresso.
Nova York, suspira Nardicio, ficou para trás das outras megalópoles. "Todas as outras cidades têm mais sexo acontecendo", diz. "Amo Nova York. Não suportaria viver em outro lugar. O problema é que não há motivação agora, nos tornamos pudicos."
Mike Peyton, promoter conhecido na cena de fetichismo, acredita que continue a existir desejo por sexo ousado, em público, em ambientes privados ou on-line. "Nós fomos os pioneiros; competimos contra qualquer um", diz.
"Não é apenas sexo -é expressão erótica. É difícil ver tudo isso acabar. Nova York foi, um dia, o baluarte do sexo completamente aberto. Agora isso se foi."


A íntegra deste texto saiu no "Village Voice". Tradução de Paulo Migliacci .


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