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Co2penhague
Professor da Sciences Po, em Paris, o filósofo Dominique Bourg vê com ceticismo a cúpula que começa amanhã e alerta que o risco de crises climática e energética ameaça as democracias
MARCOS FLAMÍNIO PERES
EDITOR DO MAIS!
O risco real de aquecimento global e o
esgotamento das reservas de petróleo podem colocar
em risco a existência das democracias tal como as entendemos hoje, defende o professor do Instituto de Ciências Políticas de Paris -Sciences Po- e da Universidade de Lausanne (Suíça) Dominique
Bourg.
Para ele, a democracia ocidental foi construída sobre a perspectiva enganosa de que os
recursos naturais não se esgotariam. Isso é cada vez menos verdade, à medida que a produção de petróleo chega perto do
seu ápice, e as energias alternativas são pouco mais do que uma promessa.
Bourg defende uma estratégia efetiva e de alcance imediato, como a mudança de estilos
de vida -basicamente, menos
consumo.
Caso contrário, alerta, não
haverá mais espaço para deliberações -apenas para medidas autoritárias. Como lembra
o pesquisador, regimes autoritários "estão mais aptos" a lidar
com atitudes drásticas, ainda
que necessárias.
Pessimista, vê com preocupação a cúpula de Copenhague
sobre o clima, que começa
amanhã na capital dinamarquesa. Bourg avalia que as reuniões preparatórias para o encontro não funcionaram, e que
os graves problemas de fundo
permanecem intactos.
FOLHA - Em entrevista ao semanário francês "Le Nouvel Observateur", o sr. disse que a crise ecológica
pode levar a um novo "paradigma
democrático" e que corremos o risco
de viver em "ecogulags". Que relação há entre ecologia e fascismo?
DOMINIQUE BOURG - Não há, em
si, relação entre ecologia e fascismo, mas uma provável deriva autoritária dos atuais regimes democráticos, caso não
consigam lidar com as grandes
dificuldades atuais e futuras.
Penso, em primeiro lugar, na
mudança climática, em relação
à qual já ultrapassamos o limite
do perigo. E, em segundo, no pico da produção de petróleo, que
estamos prestes a atingir.
Nos dois casos, há contradição entre o curso atual das democracias, fundadas sobre o
consumo crescente de recursos
naturais (e isso vai muito além
da energia) e as consequências
daqueles dois fenômenos.
De fato, não é possível reduzir em 40% as emissões de CO2
[dióxido de carbono] até 2020
(meta defendida pelo Painel
Intergovernamental sobre Mudança Climática) só por meio
do avanço tecnológico.
Também será preciso modificar nossos modos de vida,
tanto em termos de consumo
quanto de transporte.
Em outros termos, ou as democracias mudam, reintroduzindo o primado do coletivo
diante de um hiperindividualismo consumista, ou elas tenderão a se apagar diante dos regimes autoritários.
Pois esses governos estão
mais aptos a resistir à penúria,
à violência e às mudanças
abruptas de todo tipo.
FOLHA - Qual é sua expectativa
quanto à cúpula de Copenhague?
BOURG - Estou muito preocupado, porque não se alinhavou
nenhuma possibilidade real de
acordo durante as reuniões
preparatórias.
De resto, os problemas de
fundo são sérios: as dificuldades que têm os antigos países
industrializados de reduzir a
dependência de suas populações dos combustíveis fósseis; a
necessidade, para os países ricos, de pagarem a conta da
adaptação dos países pobres; a
impossibilidade de um acordo
homogêneo etc.
A proposta dos EUA para
2020 é ridícula, pois lida com
dados de 1990 e defende uma
redução [na emissão de gases]
de 3%! Já a proposta da China
de reduzi-la em 45% para cada
ponto percentual do PIB é muito construtiva.
No entanto somente medidas rápidas e importantes de
redução na emissão de gases
podem garantir um mínimo de
segurança à humanidade.
FOLHA - O sr. alerta para o efeito
"rebond", que pode ser definido como o aumento de consumo devido à
redução dos efeitos nocivos graças
ao uso de uma nova tecnologia...
BOURG - Chamo de efeito "rebond" o mecanismo que, por
meio de ganho de produtividade industrial, promove uma
baixa de preços de determinado produto e, por consequência, um aumento do consumo.
Desse modo, um carro "econômico" permite que se rode
mais pagando-se o mesmo preço. Um computador consome
hoje menos energia do que há
cinco anos, mas a potência necessária, os diferentes tipos de
utilização e o número de usuários não param ce crescer.
Logo, o consumo global de
energia também cresce: segundo a Agência Internacional de
Energia, ele triplicará em 2030.
Mesmo não podendo consumir mais do que um tipo de
produto (não irá haver mais
mortes só porque o preço dos
caixões baixou!), a quantidade
de capital liberada pelos ganhos de produtividade permitirá financiar outros tipos de
consumo.
Uma tecnologia nunca tem
valor em si, mas em razão do
contexto e da relação que se estabelece com ela. As tecnologias nunca constituem soluções puras e simples -a não ser
nos manuais de economia.
FOLHA - Meios alternativos de
energia, como a eólica, estão longe
de serem viáveis em larga escala. O
que se pode fazer a esse respeito?
BOURG - Você tem razão, mas
isso não deve se constituir em
obstáculo para seu desenvolvimento no interior de um "mix"
energético. Vários países investem na criação desse tipo de
tecnologia, garantindo a compra da eletricidade produzida a
um preço mais alto que o do
mercado.
Além disso, o preço do petróleo deverá subir cada vez mais.
FOLHA - A Europa tem um discurso
ecologicamente responsável e toma
várias iniciativas nesse sentido. Porém, é responsável por boa parte
das emissões de CO2 e pelo aquecimento global, que tem nos países
pobres suas maiores vítimas. Como
superar esse paradoxo?
BOURG - A constatação é de fato justa, e isso vale especialmente para os antigos países
industriais. Mas, nessa insanidade, são os EUA que foram
mais longe.
Um norte-americano emite
em seu território 20 toneladas
de CO2 por ano e 29 toneladas
se considerarmos as emissões
ligadas às importações. A média para um europeu é de, respectivamente, 8 e 15 toneladas.
Esse é o dilema moral dos
povos ocidentais, explicitado
pelo filósofo Jean-Pierre Dupuy: ou preservamos, como valor supremo, a igualdade entre
os homens -mas então esse
valor não poderá ser respeitado, já que a universalização de
nosso modo de vida não é materialmente suportável pelo
planeta. Ou, então, decidimos seguir
com nosso modo de vida atual
-mas então deveremos renunciar à igualdade universal entre
todos os homens.
FOLHA - Na recente visita ao Brasil
do líder iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, o presidente Lula defendeu
o uso de energia nuclear para fins
pacíficos...
BOURG - O caso da energia nuclear é muito complexo.
Do lado negativo, seu uso
permanece perigoso, e a questão dos resíduos radioativos,
que têm vida longa, não encontrou solução satisfatória em lugar nenhum. A isso tem que se
acrescentar o risco do uso da
energia nuclear para fins bélicos e terrorismo.
Mas, ao mesmo tempo, permanece a única forma de produzir eletricidade pobre em
carbono. É possível que uma
nova geração de reatores possa
funcionar com outros combustíveis e, assim, eliminar os dois
maiores obstáculos, que são o
risco de acidente e a questão
dos resíduos.
Mas para países muito envolvidos com a produção elétrica
nuclear, como a França, é impossível abandoná-la sem levar
às alturas a emissão de CO2.
FOLHA - O Brasil está em via de se
tornar uma potência energética, por
conta do petróleo e do biodiesel. No
futuro, que papel exercerá?
BOURG - O pico da produção de
petróleo encorajará, sem dúvida, a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar, mas também irá colocar novos problemas, como o desmatamento.
Contudo o Brasil é conhecido
na Europa por uma política
ambiental interessante, e espera-se muita inventividade dos
grandes países emergentes.
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