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PONTO DE FUGA
O acaso e a modéstia
JORGE COLI
especial para a Folha
A mais importante contribuição brasileira para as artes
plásticas neste nosso século foi,
sem dúvida, a gravura. Esta
convicção é plenamente confirmada pela mostra que, no Centro Cultural da Fiesp (SP), traz
ao público a coleção Mindlin.
Os colecionadores, Guita e José,
declinam, porém, desse título
com verdadeira modéstia. Foi
por acaso, dizem, que reuniram as obras ali presentes, uma
fenomenal série de tiragens e
matrizes. Acaso lúcido, porém,
porque as escolhas são de uma
tal qualidade, as obras, todas,
de um tal nível que o conjunto
se impõe como o melhor do melhor. Incorporar as madeiras e
os metais à coleção significa
um discernimento complementar: se alguns parecem confidenciar segredos do ato criador, outros adquirem a força
de obras autônomas, com uma
natureza diversa da marca deixada no papel.
São assim as delicadas placas
de cobre de Evandro Carlos
Jardim ou ainda os poderosos
blocos das "Apoteoses", de Maria Bonomi, que possuem a força de verdadeiras esculturas.
Talvez faltem apenas os entalhes de Samico na madeira, raros pelo acabamento meticuloso e pela beleza definitiva, embora haja dele, na mostra, um
farto conjunto de tiragens, das
quais muitas são prova de artista. A sequência numerosa
das obras de Renina Katz é
deslumbrante, sustentada sobretudo por sua série "stendhaliana", seus "Ares e Lugares".
Mas é injusto falar de alguns e
não falar de todos: o "acaso"
Mindlin teve o dom da seleção
sem erros.
CHIQUÍSSIMO - O Museu
de Arte Moderna (MAM-SP)
expõe a coleção Adolpho Leirner. No título, a expressão "Arte Construtiva", empregada como se fosse corrente na história
e na crítica das artes, revela
antes um embaraço: o de encontrar a palavra justa para
exprimir afinidades entre as
obras reunidas pelo colecionador. Dificuldade que assinala a
força dessas intuições associativas precedentes ao conceito
abstrato. Nem toda construção
é geométrica, e na coleção Leiner a geometria conduz os vínculos entre móveis, cartazes,
quadros. Uma cama art déco,
de 1930, um objeto cinético, um
relevo "op art", uma escultura
concretista passam, por obra
do rigor intuitivo que as juntou, a inserirem-se numa mesma e insuspeitada família.
Fruto de grande refinamento,
de um gosto formado na elegância contida dos anos 50, ela
busca, no percurso da mostra,
seu passado e seu futuro. Esta
bela exposição distancia todo
sentimento de "profundidade"
mal-educado e "raseur", em benefício de uma harmonia sem
perturbações nem angústias,
que circula entre o objeto decorativo e a obra confidencial.
TANGO - Quando alguém
encontra um argentino e lhe
diz: "Como vai?", obtém, como
resposta, uma expressão amargurada e uma voz trêmula dizendo: "Querés que te cuente?".
Se esta historinha é verdadeira,
o último filme de Babenco é o
mais argentino de todos. Nele,
há um masoquismo latente,
que se compraz em revirar o
punhal dentro das próprias feridas físicas e morais. Os dramas verdadeiros, vividos pelo
autor, são dolorosamente celebrados pela ficção e, mais o filme avança para o final, mais
adquire força e grandeza.
HORIZONTES - Na Galeria
Múltipla de Arte (SP), as paisagens imaginárias de Nelson
Screnci, minuciosas e tranquilas. Não são ambiciosas, são
fiéis a um fazer meticuloso, tecendo azuis e verdes com sinais da memória: cidadezinhas, circos, trens de ferro. As
últimas telas inventam apenas
massas vegetais, reconstruindo uma densidade tropical de
Mata Atlântica que desce por
encostas, envolvida na atmosfera saturada de brumas.
Jorge Coli é historiador da arte.
E-mail: coli20@hotmail.com
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