São Paulo, domingo, 07 de janeiro de 2007

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Ponto de Fuga

Boas resoluções a todos!

Champfleury foi pioneiro nos estudos da cultura popular e crítico de primeira linha; foi o historiador da arte que redescobriu artistas maiores do passado, como os irmãos Le Nain

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Ele é uma espécie de Deus entre seus amigos". A dor-de-cotovelo devia ser enorme, nesta frase de um contemporâneo, ainda mais porque os amigos se chamavam Baudelaire, Balzac, Delacroix, Nadar, Whistler, Richard Wagner, Manet, Rodin. O "Deus" desses deuses foi bem esquecido, hoje conhecido apenas por alguns xeretas. Ao longo do século 19, era um intelectual e pensador influente. Chamava-se Champfleury.
Escreveu romances, mas, sobretudo, atuou, pioneiro, nos estudos da cultura popular -as xilogravuras, as canções urbanas e rurais, a caricatura, a pantomima, o circo, a faiança rústica e a porcelana sofisticada. Foi crítico de primeira linha; foi historiador da arte que redescobriu artistas maiores do passado, como os irmãos Le Nain [pintores franceses do séc. 17].

Convicções
Em 1861, Champfleury publicava uma obra intitulada "Grandes Figuras de Ontem e de Hoje - Balzac, Gérard de Nerval, Wagner, Courbet". São ensaios vivos e agudos sobre cada um e ainda se mostram testemunhos de sua convivência com esses grandes criadores. O livro, esgotado há muito, está, integral, no site Google Pesquisa de Livros [http:// books.google.com.br; buscar "Grandes figures d'hier et d'aujourd'hui"]. À guisa de prefácio, Champfleury insere vários conselhos para si mesmo, redigidos muitos anos antes, quando era jovem e começava sua carreira literária nos jornais. São frases sábias, levemente amargas, orgulhosas e misantrópicas. Não envelheceram sequer em uma vírgula. Numerosas demais para serem transcritas todas aqui, vão, pelo menos, algumas.

Frases
1) Nunca faça concessão a ninguém. 2) Pense o que você escreve e escreva o que você pensa. 3) Se você quer enriquecer, jogue fora sua pena. 4) Se você teme ferir as opiniões da sociedade, jogue fora sua pena. 5) Se você quer agradar a toda gente, jogue fora sua pena.
6) Se você quer, aos 30 anos de idade, chegar à honra, à fortuna, à tranqüilidade, jogue fora sua pena. 7) Se o amor ao jogo, ao vinho, às mulheres é, em você, mais forte do que a arte, jogue fora sua pena. 8) Não se submeta às leis da sociedade e não tema viver sozinho, com seu pensamento diante de si, com seu pensamento como companheiro, com seu pensamento como amigo, com seu pensamento como namorada. 9) Obrigue-se a ser pobre. Se você é rico, gaste logo seu dinheiro para pedir o sustento às letras. 10) Com 20 anos, todos somos ricos; o dinheiro virá mais tarde.
11) Nunca escreva uma única linha por complacência com quem quer que seja; de complacência em complacência, você se tornará apenas um empregado doméstico. 12) Não espere uma popularidade súbita; só os medíocres conseguem o sucesso na primeira tentativa. 13) Pense muito no futuro, pouco no passado, e esqueça o presente. 14) Não se gaste com polêmicas frívolas. As polêmicas não fazem bons volumes. 15) Negam sua obra; sua obra responde por você. 16) Você foi negado, logo, você existe. 17) De 18 a 25 anos, permito-lhe todas as paixões; para pintar o amor é preciso ter amado. Você ainda não é homem e não sabe o que vai se tornar; mas tome cuidado para que as paixões não grudem em você por toda a vida.
18) Se precisar de um amigo dedicado, sempre alegre, sempre disposto a acompanhar-lhe em longas caminhadas, pegue um cachorro. 19) Você deve julgar tudo por você mesmo, por seus olhos e por seus ouvidos, nunca decida nada pelos olhos de outro ou pelos ouvidos de seu vizinho.


jorgecoli@uol.com.br


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