São Paulo, domingo, 07 de janeiro de 2007

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Futilidade que vem do berço

Biografia traz a Revolução Francesa vista por Maria Antonieta, sua vítima mais famosa

ISABEL LUSTOSA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Nesta minuciosa biografia de Maria Antonieta [1755-1793] temos a história da Revolução Francesa contada do ponto de vista de sua vítima mais famosa. Décimo quinto filho e oitava filha mulher da imperatriz da Áustria, a grande Maria Tereza, não se previa um futuro muito grandioso para Antonieta. Destinada a se casar com um dos netos de Luís 15, ela chegou à França com 14 anos, sem ter recebido uma educação formal adequada e sendo, por natureza, dispersiva e desinteressada pelos livros. Pode-se dizer que Maria Antonieta encontrou seu elemento natural naquela corte das aparências e do luxo exagerado. Vocacionada para a vida nos salões, para o hedonismo tão bem cultivado na corte de Luís 15, Antonieta pôde ali desenvolver suas melhores qualidades: um irresistível encanto pessoal; uma postura altiva e elegante; um jeito gracioso e inconfundível de andar; talento para a dança, o teatro e a música (tocava harpa).
No momento em que as idéias de Rousseau penetravam em todos os setores da sociedade, mesmo nos salões da nobreza, momento em que se exaltavam a igualdade, o racionalismo, a valorização do homem comum, em que o poder divino dos reis vinha há muito sendo desacreditado, o modo de vida ostentatório da monarquia passou a ser uma prática perigosa.
Isolados em Versalhes, Antonieta e seus amigos viviam em um mundo à parte que não se dava conta das mudanças que se vinham operando bem ali, em Paris. Sem interesse nenhum por política, alheia aos problemas nacionais, tornando-se a rainha também da moda, Maria Antonieta virou o maior símbolo daquele modo de vida ultrapassado e irreal de custo altíssimo para uma nação economicamente falida. Enquanto iam aumentando gradativamente o volume dos seus penteados; o rouge de suas faces; o preço de seus vestidos; o custo da elaborada decoração de suas residências; a mesada das pessoas de sua corte pessoal, ia-se construindo a imagem da rainha dissoluta e egoísta, cada vez mais identificada pelo franceses como "a austríaca".

Panfletos indecentes
Luís 16, um rei tímido, pusilânime, sem qualquer graça pessoal, cujas dificuldades sexuais eram de conhecimento público -o casamento demorou anos para ser consumado- não tinha uma imagem capaz de fazer frente à perda da força simbólica da monarquia. O rei e a rainha se tornaram o tema preferencial dos panfletos indecentes aos quais reagiram com indiferença.
Não avaliando o papel corrosivo que essa propaganda negativa causava a suas imagens junto ao povo, foram igualmente inábeis no trato com alguns setores da aristocracia e da classe política. Desmoralizada a realeza, quando a Revolução chegou, Luís 16 e Maria Antonieta não encontraram amparo nem mesmo entre a família real. Ela também dividida, com os Orléans aderindo à causa da Revolução.
A incapacidade decisória de Luís 16 seria fatal para o seu destino e o de sua família. A falta de visão do processo de escalada da violência que teve início com a queda da Bastilha e a tentativa de assassinato de Maria Antonieta em Versalhes, seguida pela desastrada tentativa de fuga para Varennes, quando a família já se encontrava presa nas Tulherias, selaram o destino da família real. O resto da história é a penosa descida aos infernos, onde o lado mais cruel da Revolução se revela no brutal massacre da princesa de Lamballe e nas humilhações impostas à rainha na prisão e durante a ida para o cadafalso.
O aspecto que mais revolta é o destino de Luís 17, menino arrancado da mãe para ser corrompido e usado contra ela de maneira infame em seu julgamento. Foi esse processo trágico que permitiu a Maria Antonieta elevar-se acima de sua própria natureza, demonstrando ser maior na desventura do que jamais fora na fortuna.
O maior mérito do livro de Antonia Fraser reside no enorme volume de informações que, bem concatenadas, permitem acompanhar toda a trajetória de Maria Antonieta. O texto que, em si, não é muito elegante, foi prejudicado na edição brasileira por um certo descuido em seu tratamento, evidenciado em muitos parágrafos mal redigidos e de leitura quase incompreensível.
Exemplar disso é a referência da autora no prefácio a um subtítulo [a mulher extravagante, infiel e condenada de Luís 16] (no original, em inglês: extravagant, unfaithful and doomed wife of Louis XVI) que, de certa forma, explicaria o sentido da obra e que foi subtraído da edição brasileira.


ISABEL LUSTOSA é cientista política, historiadora da Casa de Rui Barbosa (RJ) e autora de "D. Pedro 1º - Um Herói sem Nenhum Caráter" (Companhia das Letras), entre outros livros.

MARIA ANTONIETA
Autor:
Antonia Fraser
Tradução: Maria Beatriz de Medina
Editora: Record (tel. 0/xx/21/ 2585-2000)
Quanto: R$ 67,90 (574 págs.)



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