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Emily Dickinson cult e em nova versão
Nova
tradução de
José Lira
contempla
245 poemas
da autora
americana
IVO BARROSO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Idied for Beauty" (morri
pela beleza) é um verso de
Emily Dickinson [1830-1886] que soa familiar ao
leitor brasileiro, traduzido que foi inúmeras vezes, desde os anos 40, quando adquiriu
foros nacionais na versão do
grande Manuel Bandeira. Segundo o minucioso pesquisador Carlos Daghlian, da Universidade Estadual Paulista,
campus São José do Rio Preto,
pode-se contar até agora cerca
de 75 tradutores de Emily em
língua portuguesa, entre os
quais destacamos Aïla de Oliveira Gomes e Idelma Ribeiro
de Faria, que nos anos 80 nos
deram, cada qual, uma centena
dessas composições.
Uma nova tradução, de José
Lira, lançada agora pela Iluminuras, contempla 245 delas, o
que ainda poderia parecer pouco em relação aos quase 1.800
pequenos poemas que se creditam à autora. Mas conhecendo
as condições em que foram escritos, e analisados cada um de
"per se", pode-se dizer -sem
ofender os dicksonianos menos ortodoxos- que grande
parte dessa produção é perfeitamente descartável, seja pela
sua repetitividade, seja pela total impossibilidade de se saber
o que está escrito ou o que esses versos querem dizer. No
entanto, críticos da importância de um Louis Untermeyer,
defensores de um "zelo devocional", acham que nenhuma
linha deles seria dispensável.
A Emily Dickinson "cult",
uma "poeta para poetas" no dizer de [Otto Maria] Carpeaux,
goza de absoluta unanimidade
no mundo literário e seria inteiramente fora de propósito
achar que seu mérito seja discutível. Mesmo os que reconhecem um acentuado "parti
pris" nas opiniões de um Harold Bloom -que a considera
"a maior poeta ocidental de todos os tempos, colocada logo
abaixo de Shakespeare"- estão
cônscios de que o ineditismo
formal, a profundidade conceptualística, a "espantosa
complexidade intelectual" da
poesia dessa americana de Amherst (Massachusetts) fazem
de sua obra a influência referencial mais identificável da
poesia moderna.
Parece que Emily tinha a intuição de estar escrevendo para
além de seu tempo, tanto assim
que quase nada (apenas dez
poemas) publicou em vida, engavetando sistematicamente
todos seus papéis avulsos e os
bilhetes cifrados num código
de hermética poesia que enviava às amigas, com as quais se
recusava a conviver. Tia, feia e
solteirona à semelhança de Jane Austen, passou os últimos
25 anos de sua vida de 56 enclausurada num quarto sem receber ou falar com ninguém.
Alguns estudiosos procuram
atribuir sua atividade literária
a um ou vários amores, que sua
formação calvinista não lhe
permitiu assumir.
Mas isto seria muito pouco
para gerar um "corpus" de tamanha abrangência estrutural,
com sua pontuação personalíssima; a impregnação de um
sentimento ontológico capaz
de transformar a idéia da natureza em símbolo da morte; a
dislexia frasal, com suas interrupções bruscas e desvairadas
mudanças de rumo. Emily viveu uma ascese espiritual em
sentido oposto, um mergulho
no nada, a descoberta do outro
lado da alma, uma luta não para
vencer a morte mas a vida.
Tradução e recriação
Toda nova tradução de um livro célebre tem por obrigação
ser superior às que a antecederam. E aqui está o grande mérito de José Lira, que desde muito vem se dedicando ao estudo
de Emily Dickinson, principalmente no que respeita ao seu
uso peculiar da rima. Ele próprio afirma no prefácio da obra
que se ocupou "não apenas em
"traduzir" poesia, mas em "fazer"
poesia". Daí ter optado por um
processo tripartite de tradução
que consiste em transladar os
poemas por meio de "recriações", "imitações" e "invenções" (denominações do próprio). Por sorte, "recriações"
aqui não têm o mesmo sentido
que em outras partes, em que o
tradutor substitui o poema original por outro, seu. Essas recriações -algumas excelentes- são aquilo que se chamava
antigamente de "tradução integral", em que o tradutor procura captar o máximo de elementos formais e substanciais do
original. Com esta edição bilíngüe, o leitor poderá avaliar até
que ponto o conseguiu.
Preocupado com seu profundo entendimento da rima dicksoniana, Lima às vezes opta por
uma solução que, embora tecnicamente perfeita, nem sempre agradará o leitor por forçar
um desvio ou "ruído" na ânsia
de reproduzir um aspecto formal (talvez de pouca importância para o leitor). Nas "imitações", os aspectos formais são
menos observados, há alguma
"desambigüição de termos e
expressões mais obscuras, resultando em textos menos fiéis
porém mais "fluidos'". E, finalmente, nas "invenções", a técnica usada equivale ao que para
outros tradutores é a chamada
"recriação": a substituição de
Emily por experiências formais
à la Pound.
Embora sejam um verdadeiro tratado tradutório ("tradução para tradutores"), que certamente os cultores do gênero
não deixarão de apreciar, estes
magníficos "resgates" de José
Lira o recomendam como livro
que nenhum leitor habitual de
poesia poderá dispensar.
IVO BARROSO é poeta e crítico, autor de "A Caça Virtual" (Record). Traduziu, entre outros, Arthur Rimbaud.
ALGUNS POEMAS
Autor: Emily Dickinson
Tradução: José Lira
Editora: Iluminuras (tel. 0/xx/11/
3031-6161)
Quanto: R$ 44 (320 págs.)
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