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O sal de Eno
CHARLES GAVIN, DOS TITÃS, DIZ QUE ABERTURA A VÁRIAS INFLUÊNCIAS TORNA INGLÊS SÓ COMPARÁVEL A GEORGE MARTIN, QUE PRODUZIU OS BEATLES
ERNANE GUIMARÃES NETO
DA REDAÇÃO
Charles Gavin diz ter
sorte por haver trabalhado com bons
produtores. Para o
baterista dos Titãs, a
orientação estilística e de repertório pode até ser rejeitada
por artistas mais independentes -e fechados musicalmente-, mas a maioria dos músicos
usaria, se pudesse pagar, os serviços de um Brian Eno.
Pragmático, Gavin concorda
com a ambição de Eno de encontrar um meio-termo entre
experimento e comércio. "O
capitalismo está aí para isso".
Gavin coleciona discos e organizou o livro "300 Discos Importantes da Música Brasileira" (ed. Instituto Sou da Paz).
Na entrevista abaixo, ele comenta os produtores dos Titãs
e a cena brasileira. "Os erros
que tivemos na carreira foram
por nossa conta, não creditaria
a nenhum produtor."
FOLHA - Qual é o papel de um produtor musical?
CHARLES GAVIN
- No caso de produção de discos, é enxergar a
potencialidade do artista e fazê-lo render ao máximo. O bom
produtor compreende com
quem está lidando e elabora um
plano artístico. Isso pode envolver intervenção direta, como tocar junto, chamar outros
músicos, reformular a banda.
Há bandas que chegam com
quase tudo pronto, então ele se
cerca do melhor tecnicamente
para registrar a música.
FOLHA - E o que faz Brian Eno?
GAVIN
- Ele se especializou em
escutar o que o artista trouxe e
dar muitas sugestões. Interfere
no resultado. Não se coloca só
como músico, mas como pensador. Os discos com Bowie,
nos anos 70, tinham essa abordagem de pensar no "conceito".
FOLHA - Que outros nomes têm o
apelo dele entre os profissionais?
GAVIN
- É difícil comparar. Eno
é diferente porque não só entende muito do processo técnico, mas ajuda com ideias para o
disco, sem que os resultados fiquem parecidos.
FOLHA - Como se percebe sua mão
ao ouvir David Bowie ou U2?
GAVIN
- No U2 é mais fácil perceber do que em Bowie, o "camaleão". Bowie sempre mudou
muito de disco para disco, tem
facilidade em transitar entre
estilos. Com o U2, é só ver o que
a banda fez antes de Brian Eno.
Fizeram discos muito bons
com Steve Lillywhite. Mas chegou um momento em que quiseram experimentar uma nova
sonoridade. No primeiro disco
com Eno, "The Unforgettable
Fire", o som mudou bastante,
mas continuou sendo U2.
Ele não muda a sonoridade
de uma banda como fazem outros produtores, como Trevor
Horn [que produziu discos recentes de Robbie Williams e
Pet Shop Boys]. Este faz tudo:
escolhe repertório, forma a
banda, toca, faz o grupo acontecer, é quase um mágico.
Os ingleses sempre apostaram na melodia, e os três primeiros discos do Coldplay investiram nisso. Mas seu vocabulário musical era muito fechado. Já "Viva la Vida" está
cheio de texturas novas, por
exemplo ritmos orientais, com
tabla, música árabe.
Há momentos em que, para
se renovar, é preciso mudar a
instrumentação. Eno sabe usar
a programação de instrumentos como poucos, a favor da
banda. Certos produtores usam
tantas máquinas que deixam os
músicos em segundo plano.
No Coldplay, há momentos
em que a bateria é programada.
Eno fez muito isso com o U2,
por exemplo em "Achtung
Baby". É claro que, ao vivo, é
preciso fazer adaptações. Porque, ao vivo, são outros códigos,
precisa de humanidade.
O único produtor que me
vem à cabeça e que tinha a
mente tão aberta, apesar de
muito diferente, era George
Martin -até porque os Beatles
precisavam disso.
FOLHA - Produtores como Liminha,
de Gilberto Gil e Os Paralamas do
Sucesso, Jack Endino, de Nirvana e
Mudhoney, e Rick Bonadio, de Charlie Brown Jr. e CPM 22, necessariamente levam os Titãs a lugares musicais diferentes?
GAVIN
- Os três levaram, cada
um da sua forma. Respeito
muito o Lulu Santos, que fez
nosso segundo disco, "Televisão" -que só não é melhor porque a banda estava em formação. Peninha, que produziu o
primeiro disco, também foi
muito importante.
Aprendi muito com Liminha.
Vi canções que já tinham um
formato, como no disco "Jesus
Não Tem Dentes no País dos
Banguelas", que ele gravou
bem. "Comida" tinha uma batida funk, que Liminha entendeu
que poderia ter algo de música
eletrônica. Ele foi muito feliz,
acabou fazendo um arranjo que
entrou para nossa história. E
fazia a gente tocar bem, de forma relaxada, orgânica.
FOLHA - Os produtores brasileiros
melhoraram? Vocês trouxeram o
americano Jack Endino por falta de
opção?
GAVIN
- Escolhemos o Endino
antes do estouro do Nirvana
-era uma opção estética que
poderíamos pagar. Mas, mesmo que pegássemos o produtor
mais caro e badalado, só funcionaria se o cara tivesse disposição de conhecer o mercado.
E ele teve: nós o levamos para
assistir a um show do João Gilberto, nós o fizemos ouvir rádio, mesmo não querendo nenhuma das alternativas ali
ofertadas, mas para saber como
era o som que se fazia por aqui.
Naquela época, dos anos 80
para os 90, não havia tantos
produtores. Uma das funções
do rock brasileiro foi trazer um
pouco de tecnologia. Nos anos
70, o rock viveu dos talentos artísticos, Rita Lee, Raul Seixas,
Secos & Molhados, O Terço...
Nossa geração precisava de um
passo à frente.
FOLHA - Dos "300 Discos Importantes da Música Brasileira", que
produtores vêm à mente?
GAVIN
- A figura do produtor ficou mais definida na indústria
brasileira nos anos 70.
Até os anos 60, havia confusão entre quem é arranjador,
técnico ou produtor. Mazzola
fez discos fantásticos, "Krig-Ha, Bandolo!", do Raul, e "África Brasil", de Jorge Ben.
No Brasil, a gente tem o péssimo hábito de execrar quem
tem performances estupendas.
É um erro "queimar" quem
vende bem. O capitalismo está
aí para isso. A música de rádio
tem a mão do produtor, isso é
legítimo e tem gente que gosta.
Se um cara vende muito, é um
mérito. Se a obra vai permanecer, é o tempo que vai dizer.
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