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Saia rodada
De Botticelli a Warhol, da minissaia à indústria e ao comércio, "Roupa de Artista" mapeia a relação entre vestuário e arte
JOÃO BRAGA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Roupa de Artista - O
Vestuário na Obra
de Arte", de Cacilda
Teixeira da Costa, é
um belo livro, uma
grande pesquisa e um excelente resultado.
Trata-se de um trabalho sobre roupas e percepção do corpo pela visão do artista -e não
do estilista (não que este não
possa ser considerado um artista, uma vez que, pelas trocas
de referências, sempre há cumplicidade)- como documento
pictórico, tanto hagiográfico
quanto secular.
Passa por trajes de corte,
roupas burguesas e propostas
subjetivas para conceitos e vestires em geral, dos universos feminino e masculino.
Na concisa, porém profunda,
apresentação de Walter Zanini,
pode-se perceber a essência do
título: "A pesquisadora situa a
importância adquirida pela indumentária como elemento
ativamente integrante ao conjunto de fatores de definição da
linguagem visual".
Ela abarca o intervalo histórico do Renascimento ao início
do século 21, por meio de obras
de arte cujo olhar é focado exatamente na vestimenta, sendo
simultaneamente um relato de
história da arte, história da indumentária e, por extensão,
história dos costumes.
O livro é de excelente impressão, ricamente ilustrado e
com texto bilíngue (português
e inglês) muito objetivo, tanto
descritivo quanto analítico.
Percorre, didaticamente, períodos e movimentos artísticos
de forma linear e clara, ilustrando-os com trabalhos dos
mais significativos da arte ocidental e suas contribuições na
formação de cada "zeitgeist".
Isso se dá por meio das visões
de mundo, pelo olhar do artista
para as vestimentas e os correlatos que complementam o
conjunto da indumentária.
O trabalho não esgota a
abrangência do tema, mas, no
que diz respeito às suas escolhas para os desdobramentos
do livro, ela foi complexa sem
ter sido pretensiosa, foi ampla
sem ter sido cansativa, foi decidida sem que os não mencionados tenham sido esquecidos e
foi generosa em socializar seu
pensamento, sua interpretação
e sua conclusão.
Trata-se de um conteúdo de
extrema valia pública e para
um mercado editorial sobre indumentária e moda de certa
forma ainda emergente em língua portuguesa nos trópicos.
Contribui assim para a ampliação de olhares pelas possibilidades de interface de áreas
culturais e consequente difusão e troca de conhecimentos.
Singularidade brasileira
Ele é composto de duas partes: 1) um suplemento expressivo; e 2) um elemento plástico
autônomo.
A primeira abrange nove capítulos e a outra, mais extensa,
14. Transita por diversas expressões plásticas -pintura,
escultura, desenho, gravura,
manifesto e as atuais performances e instalações- e nos
agracia com Ticiano, Botticelli,
Michelangelo, Bernini, Velázquez, Watteau, Boucher, Vigée-Le Brun, Fragonard, David, Ingres, Goya, Monet, Manet, Toulouse-Lautrec, Klimt, entre
inúmeros outros.
Chega ao século 20 focando a
arte moderna pelo viés dos futuristas italianos e pelos "vestidos simultâneos" de Sonia Delaunay. Passa pelas vanguardas
russas evidenciando as roupas
produtivistas de Rodtchenko.
Não esquece de Dalí com seu
"Costume do Ano 2045", visão
surreal para o futuro da roupa
feminina e cuja criação pertence ao acervo do Masp.
Avança na arte contemporânea e enfoca Warhol, Christo e
Jeanne-Claude, Beuys, Nam
June Paik e outros mais.
Para nosso deleite nacionalista, inclui inúmeros artistas
brasileiros ou aqueles estrangeiros que tenham olhado para
os trópicos, como Eckhout e
Debret. Acrescenta Pedro
Américo e Araújo Porto Alegre.
Em momentos mais contemporâneos, começa com Flávio
de Carvalho em sua "singularidade brasileira" na "Experiência nº 3". Aí ele propõe a minissaia para homens (antes que
Courrèges a tivesse proposto
para mulheres, na Paris do início dos anos 1960, e Mary
Quant a tivesse difundido, via
Londres, em meados deste mesmo decênio).
Passa também pelas propostas de Hélio Oiticica, Lygia
Clark, Nelson Leirner, entre outros.
O livro também fala das relações da indústria e do comércio
com as artes por meio das propostas de Milton Dacosta, Alfredo Volpi, Iberê Camargo,
Waldemar Cordeiro e alguns
mais. Acrescenta o emblemático e internacionalmente conhecido trabalho de Arthur
Bispo do Rosário, além de documentar Leonilson e Tunga.
A obra conclui com Jum Nakao que, por meio de seus "A
Costura do Invisível" e "Lux
Delix" -desfile, livro, vídeo e
exposição-, ajuda a legitimar
arte e moda brasileiras contemporâneas.
O Brasil no mundo
Muito gratificante é como a
autora valoriza e inclui a criação brasileira no cenário internacional das artes pelo viés da
indumentária; e não só evidencia, de maneira colonizada, as
realidades estrangeiras.
Livro indispensável tanto às
bibliotecas das escolas de arte e
moda quanto às dos iniciados e
iniciantes nesses universos.
Por suas fontes e enfoques,
há de servir de muitas inspirações e deve ser percebido, lido,
admirado, apreendido e memorizado, seja para o aprendizado
ou por puro prazer. Obra de referência e contemplação.
JOÃO BRAGA é professor de história da arte e
história da moda na Fundação Armando Álvares
Penteado e na Faculdade Santa Marcelina (SP).
Roupa de Artista
Autora: Cacilda Teixeira da Costa
Editora: Imprensa Oficial/Edusp (tel.
0/ xx/11/ 3091-4008)
Quanto: R$ 120 (312 págs.)
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