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Ponto de Fuga
O bom museu
Ocorreu no Museu D. João 6º, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, uma renovação espantosa, com uma ideia perfeita: salas de exposição concebidas como reservas
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JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA
Conhecemos instituições
de internamento: o asilo,
o hospital, a prisão, a escola, o quartel. Ora, o museu as
reúne todas: de fato, parece
uma escola, por sua vontade didática e suas preocupações historicistas; evoca a prisão, com
suas vigilâncias, barreiras,
proibições, sem contar o silêncio e os longos corredores; assemelha-se ao hospital ou ao
asilo, porque recolhe restos
mais ou menos deteriorados,
salvos do desastre ou do
tempo e, aliás, tratados em
consequência (múltiplos cuidados: desinfecção, próteses e
restaurações consolidantes): é
uma escola, uma prisão, um
hospital."
Esse é um trecho de "Le Musée sans Fin" (O Museu sem
Fim, ed. Champ Vallon, 1982),
escrito por François Dagognet,
ele próprio bom leitor de Michel Foucault.
Local disciplinar e repressivo, em que as obras são confinadas e os espectadores adestrados segundo normas rígidas
de comportamento, o museu
também é um lugar de crença e
de espetáculo.
A crença no valor espiritual
das artes faz dele uma solene
catedral laica. Os limites da visibilidade, dispostos pelos curadores e diretores, transforma-o num cenário.
As decisões, o domínio, a manipulação, situam-se nas coxias. Sobre o público, massa
passiva e menosprezada, derramam-se escolhas misteriosas,
indiscutíveis.
El supremo
A velha ideia do intelectual
diante da vanguarda das massas nasceu no Iluminismo e reforçou-se com certas concepções marxistas. Tem hoje seu
refúgio no diretor ou no conservador de museus. É ele
quem decreta quais obras o público deve ver, quais vão para as
reservas.
Esse poder chega às raias da
paranoia. Os grandes museus
internacionais permitem, pelo
menos aos estudiosos, acesso
fácil ao acervo conservado em
reserva. Mas em outros, o pesquisador encontra tropeços e
portas fechadas.
É então a via-crúcis dos pedidos negados, das cartas não respondidas, dos arbitrários: "Esta
não", "aquele não pode". É o
gostinho prazeroso do mando:
todas as razões se resumem a
"porque eu não quero".
Libertação
Em 1937, Le Corbusier propôs o projeto de um museu de
arte moderna em que as reservas seriam abertas ao público.
[A arquiteta] Andrée Putman
criou, para o museu de Rouen,
na França, uma formidável
apresentação, incluindo as reservas no percurso do espectador. São poucos os exemplos de
soluções assim democráticas.
Ocorreu no Museu D. João
6º, da Universidade Federal do
Rio de Janeiro, uma renovação
espantosa, coordenada pela
professora Sonia Gomes. Sua
coleção preciosa, admirável,
vinculada à Escola Nacional de
Belas Artes desde seus antigos
primórdios, está exposta em
totalidade, afora as obras mais
frágeis, como os papéis.
Ideia perfeita: salas de exposição concebidas como reservas. Que não se imagine, no entanto, a assepsia sem graça comum nesses lugares.
A museografia de Marize
Malta, sensível, pensou as cores com cuidado, dispôs obras
nas paredes e nos painéis que o
visitante deve, ele próprio, manipular para trazê-las à exposição. Não é um recinto técnico:
é um lugar lindo, e de prazer.
O visitante não o percorre
apenas: fica e não tem mais
vontade de ir embora.
Inédito
Todos os diretores de museus brasileiros deveriam fazer
uma peregrinação ao D. João
6º. Para inspirarem-se em suas
soluções e, sobretudo, em seu
espírito. Muitos decerto invocariam razões práticas para
continuarem autoritários. Os
obstáculos são, porém, mentais, e não concretos. Outros
aproveitariam.
Fica longe, no Fundão, prédio da Reitoria. Mas quem não
foi, faça um esforço e vá, para se
regalar.
jorgecoli@uol.com.br
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