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+Livros
Amor para sempre
Em "Você
Precisa Ir?",
a historiadora Antonia Fraser relembra
os 30 anos
de convivência
com o marido,
o Nobel
Harold Pinter
DOMINIC DROMGOOLE
Existe um tipo de casal
no qual as duas pessoas são tão totalmente diferentes que é
quase impossível
identificar o que as atrai.
Parece não haver nada de comum em seu passado, nenhuma correspondência de classe
social, nenhuma opinião política comum, nem mesmo um ou
dois hobbies que ambos compartilhem. Você acaba se perguntando não apenas como puderam se conhecer, mas como
o amor floresceu e cresceu,
atingindo a maturidade.
A explicação convencional
de que os opostos se atraem em
geral se aplica a mais ou menos
seis meses de transas entusiasmadas, mas raramente é o bastante para energizar mais de 30
anos de união conjugal.
Gosto pelas diferenças
Com certos casais, porém,
vemos diferenças como essas
acompanhando uma longevidade tamanha que não podemos deixar de admirá-la, atribuindo-a ao fato de cada um
gostar tanto das diferenças
existentes no outro.
Há algo de profundamente
saudável em um amor que é baseado na curiosidade interminável acerca de outra pessoa.
Isso foi encarnado à perfeição
na história de amor de Harold
Pinter e Antonia Fraser ["Must
You Go? My Life with Harold
Pinter", Você Precisa Ir? -
Minha Vida com Harold Pinter,
de Antonia Fraser].
Ele, o robusto apóstolo das
trevas, nascido na zona leste de
Londres [região proletária da
capital]; ela, um misto aristocrático e veranil de alegria e doçura. Evidentemente, a curiosidade era algo normal e corriqueiro para ambos -ele, um
dramaturgo de curiosidade psicológica investigativa; ela, historiadora especializada no coração humano do que em forças
sobretudo sociológicas.
O livro segue a forma de anotações tiradas dos diários que
ela escreveu de maneira intermitente ao longo dos 30 e poucos anos que durou seu relacionamento com ele.
A obra oferece uma visão
aguda de Pinter, a pessoa, e
também insights sobre suas peças. O investimento de Fraser
no trabalho de seu parceiro era
imenso, e ela é agradavelmente
franca com o leitor, assim como
era com o marido, ao falar de
sua estética e sua política.
O livro tem início com uma
conflagração de escândalos e
paixão, quando ela é arrebatada
de seu marido, o deputado conservador Hugh Fraser, enquanto ele escapa das garras dolorosas da mulher de Pinter, a atriz
Vivien Merchant.
Essa seção recria uma imagem de prazeres simples dos
anos 1970, como carros esporte
e fins de semana em Paris, jantares e encontros românticos
discretos, esperas agoniadas
por telefonemas e cartas de
amor entregues em segredo.
O amor dos dois perdura e se
aprofunda ao longo de décadas
das mudanças sísmicas em cujo
centro Pinter e Fraser pareciam estar com frequência.
[O escritor] Salman Rushdie
aparece, desaparece e reaparece; [o dramaturgo e político]
Vaclav Havel, enigmático e glamouroso, entra e sai de maneira fugaz; o socialismo regado a
champanhe é inventado na sala
de estar deles; Pinter sobe com
dificuldade em uma plataforma
no Hyde Park para lançar uma
diatribe contra a guerra do Iraque, diante de 1 milhão de almas esperançosas e desesperançadas. E, eventualmente, o
mundo se reúne à sua porta para festejar seu Prêmio Nobel
[ganho em 2005].
Tudo é relatado de uma perspectiva privilegiada e com muita atenção aos detalhes sociais
e comportamentais.
Em muitos momentos, Pinter é captado sob uma luz escura e teatral, posicionando-se
diante de janelas ou portas,
com sua silhueta destacada por
uma aurora fresca ou um crepúsculo morno, colocando-se
em cena com um senso teatral
natural, antes de voltar-se ao
grupo ou à autora e disparar alguma pérola.
Contrastes deliciosos
Também há episódios em
que os contrastes entre Pinter e
Fraser se tornam deliciosos.
Fraser tem obsessão por flores, e em todo lugar aonde vão,
em qualquer estado de clandestinidade política na Tchecoslováquia pré-Veludo ou de desespero médico durante o declínio
de Pinter devido ao câncer, sua
mulher não para de observar as
fúcsias, as gardênias e os hiacintos que os cercam.
Há algo de extremamente cômico nisso, mas também profundamente tocante. Este livro
funciona, assim como suas vidas parecem ter funcionado,
como a mais comovente e duradoura das histórias de amor.
Nos últimos anos, os dois
dançaram em bailes geriátricos
em locais exóticos, jogaram par
ou ímpar para decidir em que
restaurantes de Holland Park
comeriam e sempre pareceram
misteriosos e quase idealizados
como casal feliz.
Apetite pela vida
O livro faz pouco para reduzir o mistério, mas, de alguma
maneira, consegue fazer a felicidade deles parecer perfeitamente natural -duas pessoas
com um apetite pela vida, o vinho e a verdade que é quase tão
ávido quanto o apetite que tinham uma pela outra.
O final, apresentado de modo
brutal e nada sentimental, mas
repleto de uma franqueza própria a um Tolstói, é quase insuportavelmente comovente.
Todo este livro belíssimo enche o leitor de gratidão pelo fato de que o acaso pode, de vez
em quando, não errar a mão
-pode encontrar a garota certa
para o rapaz certo.
DOMINIC DROMGOOLE é diretor artístico do
teatro Shakespeare's Globe, em Londres. A íntegra deste texto saiu no "Financial Times".
Tradução de Clara Allain.
MUST YOU GO?
Autora: Antonia Fraser
Editora: Weidenfeld & Nicolson (Reino
Unido)
Quanto: 20, R$ 56 (336 págs.)
ONDE ENCOMENDAR - Livros em
inglês podem ser encomendados pelo site
www.amazon.co.uk
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