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Ícone controverso da cultura pop desde os anos 60, o líder dos Rolling Stones, que se apresentam no Rio
em 18 de fevereiro, fala de perseguição política, pressão de patrocinadores, Guerra do Iraque e terrorismo
Mick Jagger na ponta da língua
DIEGO A. MANRIQUE
Em 2 de agosto passado, no aeroporto internacional de Toronto, um avião da Air France
saiu da pista de aterrissagem
pela esquerda e se incendiou junto
de uma estrada. Não houve vítimas
fatais, mas as imagens terríveis percorreram o mundo. Os Rolling Stones estavam em Toronto, e quando
viram o acidente prenderam a respiração: se o Airbus tivesse deslizado
para a direita, teria atingido o hangar onde estava montado o complexo palco que eles usam em sua atual
turnê. Dias depois do acidente, Mick
Jagger ainda estremecia quando
pensava nessa possibilidade.
É uma
jogada
inteligente
da empresa
associar-se
a nós; de
qualquer
forma,
há muito
exagero
com os
patrocínios:
não pagam
muito
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"Poderíamos substituí-lo, mas talvez fôssemos obrigados a suspender
a metade dos shows nos EUA. O incrível é que no avião estava um jornalista francês que vinha nos entrevistar. Teria dado um grande título:
"Jornalista musical impede turnê w
dos Rolling Stones". (Gargalhada.)
Na entrevista abaixo, Jagger fala
também do disco mais recente, "A
Bigger Bang", da relação com os patrocinadores e da Guerra do Iraque.
Pergunta - Você ainda acredita que
os jornalistas musicais odeiam seu
grupo?
Mick Jagger - Acho que eles passaram por toda a gama de sentimentos, que vão do amor até o ódio. Fomos o alvo preferido desde os anos
do punk rock; você sabe, éramos os
dinossauros. Mas os Sex Pistols se
autodestruíram pouco depois e logo
reapareceram como um espetáculo
de nostalgia, tocando as velhas canções. É um pouco vergonhoso, não?
Nós não saímos em turnê quando
não temos repertório novo.
Pergunta - Na parte americana da
turnê, o patrocinador é a Ameriquest,
uma companhia de hipotecas. Curioso, não?
Jagger - Na verdade, não. Você pode ser um fanático por rock com cabelo até a cintura mas também desejar comprar uma casa ou trocar de
apartamento. É uma jogada inteligente da empresa associar-se a nós.
De qualquer forma, há muito exagero com os patrocínios: não pagam
muito; ganha-se muito mais por
permitir o uso de uma canção em
um comercial. Mas os patrocinadores investem grandes quantias para
anunciar o acordo, digamos que eles
vendem a turnê.
Pergunta - Os Stones dão shows privados para grandes empresas ou para
milionários. Como se sentem nessas
ocasiões?
Jagger - Costumamos pedir que
haja algumas entradas para as pessoas comuns. Mas também não há
problema se forem só convidados; se
alguém nos paga não sei quantos
milhões de dólares para tocarmos
em sua festa de aniversário em Las
Vegas, você pode supor que vai ter
um público disposto a se divertir.
Pergunta - O que aconteceu para
que, nesta altura, fizessem um disco
tão feroz quanto "A Bigger Bang"?
Jagger - Evitamos a dispersão e os
confrontos. Ninguém entra em gravação com a mentalidade de se aborrecer ou passar um ano trancado.
Decidimos limitar o número de pessoas no estúdio; boa parte de "A Bigger Bang" foi feita com três ou quatro músicos e o engenheiro, sem assistentes. Com menos pessoal há
menos problemas.
Além disso, Keith [Richards] e eu
fizemos a lição de casa: canções quase prontas, arranjos muito aproveitáveis. Hoje a tecnologia permite
fundir o processo de composição
com o de gravação. Por isso é um
disco de rock tradicional feito com
métodos modernos.
Pergunta - Encontrei um documento curioso de 1979, quando vocês tentaram entrar na China pela primeira
vez. É uma proposta oficial à embaixada chinesa em Washington, na qual
os Stones se apresentam como campeões das massas proletárias, açoite
da classe alta e não sei mais quantas
mentiras...
Jagger - (Sorriso mefistofélico) Encomendamos o texto a um jornalista
e ele exagerou. Mas era muito convincente! O que aconteceu é que me
reuni com o embaixador e não consegui agüentar sua hipocrisia: um
regime que matou 70 milhões de
seus cidadãos por decisões absurdas
de Mao e que fazia objeções às minhas letras que falam de sexo... Por
favor! E eu ainda não sabia das conseqüências das barbaridades que
Mao implementou, como o Grande
Salto para a Frente. Você leu sua última biografia ["Mao -The Unknown
Story", Mao - A História Desconhecida, de Jung Chang e Jon Halliday]?
Todos deveriam conhecê-la.
Pergunta - Você viu "Stoned", um
filme sobre Brian Jones (um dos fundadores dos Stones, que morreu quatro semanas depois de ter sido expulso do grupo)?
Jagger - Eu o tenho aqui, me mandaram um DVD, mas ainda não tive
tempo de assistir. (Encolhe os ombros.) Se nos negássemos a dar nossa aprovação, teriam dito que pretendíamos esconder algo.
Suponho que continue a teoria alternativa de que ele não se afogou
em um acidente em sua piscina; é
mais excitante acreditar que foi
morto por um dos pedreiros que trabalhavam em sua casa. Com a leitura
moralizante: a classe trabalhadora se
vinga de um hippie rico. A Inglaterra
adora essas coisas.
Pergunta - Na verdade, creio que o
ódio aos Rolling Stones e seus amigos
era então um sentimento interclassista. Nesses documentos da Scotland
Yard que agora foram divulgados, vocês são definidos como "dejetos da
sociedade".
Jagger - Exatamente, dizem
"dregs", os resíduos, as fezes que ficam no fundo do vaso ou da garrafa
de vinho. Levaram a coisa muito a
sério. Denunciei que o policial que
me deteve era um corrupto, que colocava um papelote de heroína num
registro e depois negociava para que
fizesse desaparecer a evidência que
havia plantado. Ele foi absolvido,
mas depois o afastaram discretamente do cargo. Tudo muito inglês.
Pergunta - Isso de "fezes" se aplica
inclusive a defensores seus, como Michael Hayers (advogado, depois promotor-geral com os conservadores) e
Tom Driberg (deputado trabalhista).
Driberg não era um qualquer: presidiu a Executiva dos trabalhistas e tentou convencê-lo a se apresentar como
candidato por seu partido...
Jagger - A verdade é que estava
atraído por mim. Sexualmente, quero dizer. Não escondia sua homossexualidade: ele e seus colegas se reuniam em um lugar chamado The
Gay Hussar. (Risos.) Tom, bendito
seja, se comprometeu com meu caso, até perguntou no Parlamento pelas humilhações que a polícia me fez
passar. E assinou aquele anúncio no
"Times" pedindo a legalização da
maconha. Poucos políticos atuais se
atreveriam a tanto.
Pergunta - Você realmente acalenta
a idéia de entrar na política?
Jagger - Sim, por dez minutos.
(Gargalhada.) Nos anos 60, mais que
uma disputa entre esquerda e direita, o confronto era entre jovens e
mais velhos. E parecia lógico que os
jovens estivessem representados no
Parlamento. Mas que eu fosse o escolhido... Um absurdo. Mas a proposta me massageou o ego.
Pergunta - Hoje aceitaria algum tipo de cargo no governo?
Jagger - Hummm... Poderia considerar. Não como o ministro brasileiro (Gilberto Gil), mas como assessor. Mas com algum poder executivo para aplicar decisões. Meu amigo
David Puttnam (produtor cinematográfico) ocupou um desses cargos
e saiu muito frustrado.
Pergunta - Não quero nem pensar
no que diria Keith Richards ao vê-lo
no governo: já o criticou quando se
transformou em sir Mick Jagger.
Jagger - Estava enciumado.... Esperava que também lhe oferecessem
essa honra, mesmo que fosse só para
recusá-la. Keith é mais inglês que eu,
mas não foi feito para a vida social.
Pergunta - Você acompanhou as
transmissões do "Live 8" [série de
concertos realizados para pressionar
os principais líderes mundiais a combater a pobreza na África]? Bob Geldof não convidou os Stones?
Jagger - Sim, ele queria que fizéssemos algo especial (imita Geldof):
"Mick, o "fucking" McCartney virá;
preciso dos "fucking" Rolling Stones
para que haja um "fucking" contraste". Mas era impossível, não estávamos prontos e você não pode ficar
mal diante de um público mundial.
Você deve lembrar que há 20 anos,
no "Live Aid", Keith e Ronnie
(Wood, o segundo guitarrista dos
Stones) se apresentaram com Dylan
e fizeram ridículo: Dylan não quis
ensaiar, não se escutava direito, foi
uma vergonha. Mas tenho uma
enorme admiração por Geldof e Bono: foi muito inteligente passar dos
concertos de caridade para as ações
de pressão sobre os líderes do G-8.
Pergunta - Infelizmente, os atentados em Londres fizeram o foco da reunião do G-8 passar para o terrorismo.
Jagger - Sim, ficou claro que os militantes islâmicos não consideram o
destino de seus "irmãos africanos"
uma grande prioridade. As bombas
em Londres não me surpreenderam:
eu tinha falado nisso com meus filhos, fizemos até planos de emergência para uma situação como essa.
Na verdade, no novo disco algumas letras agora parecem proféticas.
Mas dava para perceber que ia acontecer alguma coisa: policiais, helicópteros, tanques... Londres ocupada, como Belfast nos piores tempos.
Pergunta - Nos dias que antecederam a invasão do Iraque, você -diferentemente de outras figuras do
rock- não se manifestou contra.
Jagger - Já estou velho para ir a manifestações, fiz isso nos anos 60 e 70.
Sentia-me dividido: acabar com
Saddam Hussein era um presente
para a humanidade, e eu pensava
que houvesse um plano coerente para levantar o Iraque. Agora conhecemos o memorando de Downing
Street (resumo de uma reunião do
governo britânico em 23/7/2002), e
fico indignado que Blair já soubesse
que o assunto das armas de destruição em massa era simplesmente
uma desculpa e que não havia nada
previsto para o dia seguinte.
Pergunta - Bem, quais teriam sido
suas recomendações?
Jagger - Bastava lembrar o que
aconteceu na Iugoslávia depois da
morte de Tito [1892-1980], das forças
centrífugas que surgem depois do
desaparecimento de um líder forte.
No Iraque há pelo menos três grupos
irreconciliáveis: os xiitas, os sunitas e
os curdos. Ou se estabelece um sistema federado muito bem pensado ou
aquilo se desmancha. Só agora os
americanos estão descobrindo a realidade do Iraque.
Além disso, os iranianos já estão se
infiltrando em todos os níveis do novo Estado iraquiano, ao mesmo
tempo em que mandam armas e
bombas para a resistência. A coalizão enfrenta agora uma guerra de
desgaste para defender um regime
que não parece muito preocupado
com os direitos das mulheres e das
minorias.
A não ser que tomem medidas inteligentes, parte do Iraque acabará
transformada em uma república islâmica, um fantoche de Teerã. (Pausa teatral) Desconfio que os Stones
nunca chegarão a tocar em Bagdá.
Pergunta - Novo novo disco há um
blues ferino chamado "Sweet Neo
Con", a primeira canção de um grupo
ou solista de primeiro time que ataca
diretamente o clã que hoje manda em
Washington. Como você se considera
um conservador, alguns pensam que
se trata de uma jogada publicitária.
Jagger - Primeiro, sou conservador
com "c" minúsculo; não tenho nada
a ver com o Partido Conservador de
meu país, que me parece bastante
imbecil. É possível ser conservador
em questões fiscais e tolerante em
assuntos morais ou de liberdade de
expressão. Detesto especialmente a
submissão da política à religião, com
esses fundamentalistas cristãos que
estão dispostos ao que for, desde que
contenham o islã. Me assusta que tenham voltado a utilizar essa palavra
espanhola: "Reconquista".
Pergunta - Quando alguém faz críticas ásperas a Bush, ainda mais se for
estrangeiro, (a rede de TV) Fox e as rádios de ultra-direita o trituram. Você
não tem medo de reações?
Jagger - Espero que vejam o humor
em "Sweet Neo Con". Mas estou preparado. Sempre digo a Keith que
não deveríamos nos acostumar a ser
tratados como reis em visita de Estado. Na última turnê, cruzando a
fronteira do Canadá com os EUA,
nos pararam e desmontaram tudo,
tudo. Trouxeram até cães farejadores! Há alguns anos, entrando no Japão para promover "Freejack" (filme de 1992 em que Jagger interpreta
um caçador de recompensas do futuro), me detiveram e passei um dia
explicando ponto a ponto minha ficha policial. Foi interessante, havia
julgamentos e detenções que eu tinha esquecido (risos).
Pergunta - Como vai sua produtora
de cinema?
Jagger - Vai indo, tento torná-la
rentável produzindo programas de
televisão entre um filme e outro. É
muito difícil fazer cinema na Inglaterra. Você tenta entrar no circuito
de distribuição de Hollywood e se
esforçam para mudar seu roteiro:
"Precisamos que o protagonista e
seu par romântico sejam americanos; seria preferível que se passasse
em Baltimore". E você responde:
"Olhe, isto aconteceu no campo inglês, os decifradores de códigos
eram ingleses" (refere-se a "Enigma", sua versão de um romance de
Robert Harris).
Bem, já chega, você já tem bastante
material para seu jornal.
Pergunta - Desculpe, mas ainda tenho algumas perguntas. Gostaria que
falássemos de mulheres. Diante de
sua experiência, o casamento no século 21 tem algum sentido?
Jagger - Ah, você não vai querer
começar esse assunto! Já tive choques demais com as feministas e ultimamente estamos em paz. Acredito, sim, que deveríamos ter mais opções, diferentes fórmulas matrimoniais e patrimoniais. Em muitos casos, o casal monogâmico para toda a
vida não funciona. E é só isso o que
vou dizer.
A íntegra desta entrevista foi publicada no
"El País".
Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves.
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