São Paulo, domingo, 08 de março de 2009

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Monumental, Potala viu torturas

DO ENVIADO ESPECIAL AO TIBETE

Dos mais de cem milhões de votos do controvertido concurso para a eleição das Sete Maravilhas do Mundo Moderno, o Potala não atraiu nem sequer número suficiente para figurar entre os 21 finalistas.
Contudo esse templo-museu que já foi palácio supera muitos dos concorrentes em antiguidade (1.371 anos), originalidade, engenharia, acervo artístico e -de longe- opulência.
Mas uma visita guiada ao Potala não começa pelos testemunhos de fausto, e sim pelos de miséria: a reconstituição do calabouço no sopé da fachada do palácio.
Ali, antes da revolução comunista, suspeitos e condenados eram sujeitos a torturas inquisitivas ou punitivas: flagelação, amputações (mão, pé, nariz, orelha), desarticulação e uma opção singularmente tibetana, enucleação dos olhos.
Esta última foi, por exemplo, a pena aplicada em 1934 a Lungshar (muitos tibetanos usam apenas um nome), poderoso ministro caído em desgraça por intrigas palacianas, antes de cumprir prisão perpétua.
Outro personagem ilustre que morreu na masmorra do Potala foi o lama regente Reting, que reconheceu o menino Lhamo Dhondup (hoje Tenzin Gyatso, dalai-lama 14) como reencarnação do dalai-lama 13.
Rivais de Reting o prenderam em 1947 sob acusação de ter falsificado augúrios e oráculos indicativos da identidade do sucessor do dalai-lama 13, com a intenção de eliminar outro candidato, protegido de lama rival.
Entretanto a maioria dos supliciados, ali e noutros lugares, era de condição social mais baixa; por exemplo, servos agregados a alguma propriedade rural, fosse de aristocrata, fosse de algum mosteiro (cada um destes -que chegaram a passar de 6.000- era sustentado pelos servos que labutavam a propriedade circundante).
Estes, porém, e seus descendentes, tinham compromisso perpétuo de trabalhar (sem salário) exclusivamente para o senhor ou para o mosteiro. Fugir diminuía o valor da propriedade, crime equivalente a furto, em geral punido com igual rigor no próprio domínio do senhor ou do mosteiro.
Você sai dessa preleção vagamente abalado e ansioso por algum aspecto da história tibetana mais condizente com a ficção de Xangri-lá.
Mas o resto do Potala é igualmente perturbador, com sua combinação de esplendor estético com a culpa que elicia por você admirar um tesouro artístico alicerçado em tais horrores. O Centro de Informação China Tibete calcula que se empregaram 4 toneladas de ouro só na estupa da múmia do dalai-lama 5 (1617-82), construída em 1691. (Estupas são estruturas cônicas e ocas para resguardo de relíquias.)
Estima-se também que, em comparação, apenas uns 600 quilos de ouro se incorporam à estupa do dalai-lama 13 (1876-1933). Em compensação, incrustações de gemas e pérolas a tornam muito mais valiosa.

Crânio humano
Somente na mandala tridimensional que a defronta se estima haver cerca de 200 mil pérolas, afora diamantes e outras gemas que totalizam cerca de 40 mil engastes preciosos.
Ouro e prata, afora milhares de gemas, também ornamentam no Potala mais de 10 mil ídolos e seus nichos, o trono do dalai-lama, vasilhas e incontáveis outros utensílios de seu uso pessoal, cerimonial e oficial. Intrigante objeto ritual é a "kapala", taça formada pela calota dum crânio humano, mas em geral decorada com valiosos requintes de ourivesaria.
Também preciosos, noutros sentidos, são os mais de 200 mil livros sobre budismo, história, medicina, magia, astrologia e variados outros assuntos.
Com seus 117 metros de altura, o Potala foi a construção mais alta do mundo até ser superado pela Torre Eiffel em 1889. Já entre edifícios ocupados, o primeiro a ultrapassá-lo foi o arranha-céu Park Row Building (1899), de Nova York.
Engenheiros notam que o Potala não incorpora nem a tecnologia dos esqueletos de aço rebitados e soldados nem a do concreto (tibetanos não conheciam o cimento) nem a dos elevadores. Não fosse a engenhosa solução de recostá-lo na rocha maciça da colina e incrustar nela algumas traves, meras paredes não suportariam o peso de prédio tão alto.


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