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Entre a ordem e o caos
Dois dos principais filósofos da ciência do século 20, mas de visões antitéticas, Karl Popper e Thomas Kuhn têm livros lançados no Brasil
CAETANO PLASTINO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Há muito tempo se
procura compreender a natureza da ciência, seus
procedimentos de
pesquisa, as razões de sua notável eficácia, os valores e ideais
que norteiam tal empreendimento. No século 20, os filósofos Karl Popper e Thomas
Kuhn apresentaram visões de
ciência amplas e desenvolvidas, ricas em exemplos históricos e com grande poder de persuasão. No entanto suas divergências foram fundamentais e
marcaram definitivamente o
cenário da filosofia da ciência.
Segundo Popper, a investigação científica sempre parte de
problemas, teóricos ou práticos, e não de simples observações pelos sentidos. Os cientistas procuram resolver esses
problemas, encontrar soluções
bem-sucedidas. Essas tentativas de solução consistem em
teorias formuladas em linguagem clara e objetiva.
Mas as soluções experimentadas podem falhar, podem
apresentar erros. Todo conhecimento científico é hipotético
e falível. Cabe submeter as tentativas de solução ao processo
de eliminação dos erros, tendo
em vista a busca da verdade. E
novos problemas podem surgir
dessa discussão crítica.
Biologia e política
No livro "Em Busca de um
Mundo Melhor", sua abordagem é aplicada a um campo
bem mais extenso, desde os fenômenos biológicos até as formas de governo.
"Todo organismo está constantemente ocupado em resolver problemas." Por tentativa e
erro, o organismo busca soluções que melhorem suas condições de vida. A diferença é que a
ameba arrisca a vida, pois sua
expectativa faz parte dela própria, ao passo que Einstein submete a teste sua hipótese, sem
perecer com ela.
O pensamento crítico defendido por Popper é favorecido
em uma sociedade democrática, que assegure o máximo possível de liberdade e tolerância.
Nesse caso, todos são livres
para formar suas opiniões e discuti-las criticamente com os
outros. A busca de um mundo
melhor não requer profecias
utópicas; pelo contrário, exige
uma atitude crítica e racional,
que permita reduzir ao mínimo
o sofrimento evitável, numa sociedade aberta a reformas.
Crise pronunciada
No caso da ciência, como podemos saber se as mudanças
teóricas, quando obedecem o
método crítico, conduzem a
uma aproximação da verdade?
Ainda que a verdade seja em
princípio atingível, não sabemos se progredimos na direção
correta.
Além disso, será que a melhor maneira de compreender a
racionalidade da ciência consiste em apresentar regras metodológicas estáveis, convencionais e de aplicação geral? Segundo Kuhn, o que a história
nos mostra sobre o processo
científico é algo bem diverso
dessa imagem ideal.
Nos períodos de normalidade, há um amplo acordo entre
os cientistas a respeito dos problemas legítimos e dos padrões
de solução adequados. Sua pesquisa é dirigida por um paradigma, isto é, por "realizações
científicas universalmente reconhecidas que, durante algum
tempo, fornecem problemas e
soluções modelares para uma
comunidade de praticantes".
Esses cientistas compartilham uma mesma visão de
mundo e estão de tal modo
comprometidos com uma tradição específica que os fracassos não se refletem sobre o paradigma, mas sobre os próprios
cientistas.
Com o tempo, as dificuldades
podem se agravar, se tornar
constantes e gerar uma crise
pronunciada, um sentimento
intenso de insegurança profissional. Abre-se o caminho para
a emergência de um novo paradigma profundamente diferente e incomensurável com aquele que o precedeu.
Não se trata, insiste Kuhn, de
um desenvolvimento cumulativo das teorias científicas em
direção a um objetivo comum,
mas de uma revolução científica, de uma mudança radical na
maneira de ver o mundo e de
nele praticar a ciência.
Seu principal livro, "A Estrutura das Revoluções Científicas" [ed. Perspectiva], publicado em 1962, tornou-se best-seller, transformou a imagem dominante de ciência e produziu
forte impacto em filosofia, sociologia, história, ensino de
ciência etc.
Na coletânea "O Caminho
desde "A Estrutura'", Kuhn elucida e desenvolve seu trabalho
original, analisa em detalhe a
linguagem científica e estabelece diversos paralelos com a
evolução biológica, como na explicação do surgimento de novas especialidades científicas
após uma revolução.
Incomensurabilidade
Ao mesmo tempo em que
questiona a filosofia corrente,
Kuhn rebate as acusações de irracionalidade e relativismo radical. Reconhece o caráter intrinsecamente social do trabalho científico mas também critica a sociologia da ciência que
explica o consenso mediante
uma "negociação" movida a poder e interesses.
Ele revela a incomensurabilidade entre estruturas lingüísticas da ciência, mas salienta que
ela não conduz ao colapso da
comunicação, pois o cientista
pode aprender outra linguagem sem precisar traduzi-la.
O filósofo Ian Hacking [de
"Por Que a Linguagem Interessa à Filosofia?", ed. Unesp] nos
conta que "os filósofos por longo tempo fizeram da ciência
uma múmia. Quando finalmente desenrolaram o cadáver
e notaram os vestígios de um
processo histórico de transformação e descoberta, criaram
para si mesmos uma crise da
racionalidade. Isso aconteceu
por volta de 1960".
CAETANO ERNESTO PLASTINO é professor de
filosofia da ciência no departamento de filosofia da Universidade de São Paulo.
EM BUSCA DE UM MUNDO MELHOR
Autor: Karl R. Popper
Tradução: Milton Camargo Mota
Editora: Martins (tel. 0/xx/11/
3241-3677)
Quanto: R$ 49 (318 págs.)
O CAMINHO DESDE "A ESTRUTURA"
Autor: Thomas S. Kuhn
Tradução: Cesar Mortari
Editora: Unesp (tel. 0/xx/11/3242-7171)
Quanto: R$ 49 (408 págs.)
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