São Paulo, Domingo, 09 de Janeiro de 2000


Envie esta notícia por e-mail para
assinantes do UOL ou da Folha
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

+ 3 questões Sobre a psique

1. Que pulsão domina hoje os homens?
2. Vivemos numa época de sublimação ou dessublimação?
3. A psicanálise sobreviverá às pílulas?
Miriam Chnaiderman responde
1.
A pulsão delimita o anímico a partir do corpo, eliminando a dicotomia entre afeto e representação. Qualquer ponto do corpo pode originar uma pulsão, bem como satisfazê-la. As pulsões são múltiplas, tendo infinitas possibilidades de realização. São movimentos constituintes do sujeito. A petrificação da pulsão pode ser entendida como perversão.
Vivemos num mundo de objetos, mas as possibilidades de prazer são restritas, não só por razões econômicas, mas também porque se busca o controle do sonho de cada um. A psicanálise deveria nos instrumentalizar na observação dos movimentos pulsionais que surgem na tentativa de driblar a hegemonia dos objetos, nos interstícios do dia-a-dia. Se um mesmo processo cria o eu e os objetos, se não há eu que preexista ao mundo dos objetos, há uma subjetividade mutante que se instaura nessa proliferação de objetos. O perigo é que a concretude do mundo dos objetos apague a virtualidade do espaço de criação, petrificando o mundo interno em um imenso parque de diversões povoado por monstros.
2.
Para a teoria psicanalítica da cultura, sempre haverá a contenção do fluxo energético, pois a satisfação pulsional nunca poderá ser total. Por isso, o mal-estar é inerente à civilização. Um dos destinos da pulsão é a sublimação, tendo sido pensada por Freud como dessexualização. Hoje pensamos a sublimação muito mais como plasticidade, encontros com novas formas de prazer. Em nosso mundo, deparamo-nos tanto com a sublimação excessiva -em que a sexualidade passa a segundo plano- quanto com a violência da dessublimação -a sexualidade vivida violentamente, sem mediação ou possibilidade de simbolização. Irrompe a insatisfação, explode a violência. O fato é que temos tido de lidar com formas menos grandiosas de realização pulsional, o que pode ser rico e inusitado.
3.
Pílulas são outros tantos objetos postos à nossa disposição. Só pessoas que de fato se iludem achando que podem ser determinadas pelos objetos é que podem achar que as pílulas levarão ao fim da psicanálise. As questões do não-humano que permeiam o humano, os movimentos pulsionais, os sentidos múltiplos continuarão driblando totalitarismos e bagunçando cosmos.

Joel Birman responde
1.
A violência está hoje em toda parte, em diferentes níveis de grandeza, como a marca maior do nosso tempo sombrio. Assume formas inéditas, pelas quais é o não-reconhecimento do outro que sempre se impõe. Este se transforma num objeto descartável, instrumento apenas do gozo imediato do sujeito. Isso porque o exibicionismo é o único capital que se valoriza na cultura fundada no espetáculo e regulada pelo narcisismo -a sua repetição se impõe numa monotonia estridente, dada a volatibilidade dessa forma de capital.
2.
Estamos lançados numa espécie de anti-sublimação sistemática, pela qual os bens simbólicos são permanentemente desqualificados em nome do prazer imediato. Os carreiristas disciplinados, sempre vigilantes do que é o efêmero, se transformam em modelos na cultura que idealiza os grandes oportunistas, isto é, os que vendem na mídia os seus gracejos. A sublimação assume uma forma eminentemente repressiva, se considerarmos que o erotismo é um bem que é desinvestido cotidianamente, já que ameaça o exibicionismo triunfante.
3.
É pela pertinência dessa lógica mencionada acima que se pode compreender a imensa difusão das drogas hoje, tanto as ditas medicinais, promovidas pela psiquiatria, quanto as comercializadas pelo narcotráfico -faces hediondas da mesma moeda. A "drogadicção" se transforma assim na patologia psicossocial da nossa época, dado que a dor tem que ser eliminada pelo sujeito custe o que custar, pois a cultura está centrada na performance. Depressão e angústia são recusadas como o que impede as pessoas de ocuparem a cena exibicionista e dizerem em alto e bom som: cheguei.
A crise da psicanálise, enfim, se inscreve hoje nesse pesadelo escatológico, que infelizmente se transforma na fungada nossa de cada dia.



Texto Anterior: Os dez +
Próximo Texto: Quem são
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.