![]() São Paulo, domingo, 9 de março de 1997. |
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Texto Anterior | Próximo Texto | Índice Qual o principal pecado da imprensa hoje?
GUSTAVO H.B. FRANCO Gustavo H. B. Franco é doutor em economia pela Universidade de Harvard (EUA), diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central e foi secretário-adjunto de Política Econômica do mInistério da Fazenda (governo Itamar Franco). MILTON DOS SANTOS especial para a Folha Frente à tirania do mercado, a imprensa tornou-se uma indústria frágil, impedida, exceto de forma residual e intermitente, de corresponder cabalmente ao seu papel histórico de ajudar a formar uma opinião pública independente. Em sua dimensão global, o mercado controla uma produção oligopolística de notícias por meio das agências internacionais e nos apresenta o mundo atual como uma fábula. Em suas dimensões nacional e local, o mercado, agindo como mídia, segmenta a sociedade civil, influi sobre o fluxo e a hierarquia do noticiário e aconselha a espetacularização televisiva de certos temas, confundindo os espíritos em nome de uma estratégia de vendas adotada pelos jornais como forma de sobrevivência. O remédio, aqui, é um veneno, num círculo vicioso que acaba por ser o seu principal pecado. Estará a imprensa pecando em nome próprio ou em nome e em favor do mercado? O resultado é o mesmo. O grave problema é geral e profundo. Como a questão é estrutural -um dado de nosso tempo: certos países europeus, em favor da preservação da opinião pública, adotaram medidas compensatórias para reduzir a vulnerabilidade de imprensa independente, frente ao império da publicidade. Mas esse tema -como outros ligados à cidadania- tem sido pobremente abordado no Brasil Milton dos Santos é professor titular de geografia na USP. MARTA SUPLICY especial para a Folha O maior pecado da imprensa é o ``oficialismo''. O poder que emana de Brasília pauta os jornais. E não é poder de deputados ou da Câmara. É a ``agenda'' do que o governo quer pautar. Já participei de dezenas de audiências públicas nas quais foram discutidos assuntos super-relevantes, de grande interesse público, com jornalistas presentes, e nada, no dia seguinte, nos jornais. Por quê? Temas ligados a interesse de grupos sociais que não representam o ``poder'' não têm a devida atenção. Será que os leitores percebem esta inversão de prioridades? Há pouco jornalismo investigativo, e o que o governo fala logo é publicado sem maiores aprofundamentos, como verdade absoluta. Os desmentidos saem alguns dias depois, sem grandes críticas frente à leviandade do pronunciamento, às vezes, do próprio presidente. O governo só pauta o que lhe interessa. Exemplo ocorre na educação, para a qual existe um programa de erradicação do analfabetismo que tem verba específica para tal fim, e o governo gastou apenas 4,61% do orçamento para o exercício de 1996. Isto é, somente neste programa, o governo deixou de investir 95,39% de verba já disponível. Mas só publicam as ``maravilhas'' que o ministro da Educação está realizando. Resumindo, oficialismo e parcialidade da imprensa estão intimamente articulados, e isso faz com que os meios de comunicação não estejam democratizados e não garantam a pluralidade de opiniões presentes na sociedade. Este padrão de notícia que é determinado pelo poder de Brasília acaba excluindo outros fatos políticos que acontecem nos Estados, a não ser em caso de enchentes, chacinas ou violência. Outra coisa que noto e de que reclamam os leitores da Folha é que o Painel do Leitor é ocupado seguidamente por políticos. É válida a queixa, mas o representante do povo também tem direito a ocupar este espaço na medida em que muitos não conseguem publicar suas idéias nos grandes jornais ou serem entrevistados sobre assuntos que crêem relevantes. Outro pecado é a frequência com que as manchetes são diferentes do conteúdo da matéria. Exemplo disso foi ``Mulher caminha para dominar EUA''. Há um certo progresso no número de mulheres em postos importantes e nas altas cortes jurídicas, mas daí a chegar perto do poder, estão anos-luz! Falta análise e maior conhecimento sobre o que se escreve. As opiniões mais ousadas e críticas são de articulistas, aliás, ótimos. Tenho que dizer que, pessoalmente, não tenho do que reclamar. Os assuntos de mulher que não conseguia colocar na imprensa, como a campanha Mulheres sem Medo do Poder, conseguiu um bom espaço. Mas, sem conseguir resistir, a imprensa ainda é muito machista em relação à oportunidade e à superficialidade com que tem tratado os temas da mulher. Marta Suplicy, 50, é psicanalista e deputada federal pelo PT-SP, membro da Comissão de Seguridade Social e Família e da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. ROBERTO MANGABEIRA UNGER especial para a Folha A tarefa principal do jornalismo numa democracia é ampliar o entendimento coletivo do possível, permitindo, por isso, um entendimento profundo e mais preciso da realidade das coisas. A nossa imprensa e a imprensa geral do mundo, mas sobretudo a nossa imprensa, estão rendidas completamente à ordem estabelecida das coisas, colaboram para desmoralizar qualquer visão de ampliação possível e para reafirmar os limites do existente. Roberto Mangabeira Unger é filósofo social e professor de direito da Universidade de Harvard (EUA). D. LUCAS MOREIRA NEVES especial para a Folha A Igreja Católica, em vários documentos relativos aos ``mass-media'', forjou uma outra expressão que julga preferível: fala de meios de comunicação social. Ela pensa evitar, desse modo, o perigo de ver tais meios como massificantes. A mesma Igreja afirma e reafirma a convicção de que são funções da mídia as seguintes: informar, transmitir cultura, divertir, criar comunhão e comunidade, educar ou formar a consciência moral dos usuários. Nesta linha, o pior pecado que a imprensa pode cometer é o de descumprir seus objetivos ou fazer o contrário deles: desinformar, até propositadamente; proporcionar, em função de interesses subalternos, obscenidade em lugar de lazer; ofender ou adulterar a cultura do povo; criar divisões e rupturas; deformar a consciência moral e religiosa. D. Lucas Moreira Neves é cardeal-primaz do Brasil e presidente da CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil). HERBERT DE SOUZA especial para a Folha É fundamental, antes de falar de pecado, destacar a importância fundamental da imprensa para a democracia. Sem uma imprensa livre e ligada à realidade, a democracia é uma farsa. Falando de pecado, creio que o principal é o sentido de pressa, de furo, que várias vezes joga a imprensa no perigoso terreno do inventado ou enganoso com consequências concretas sobre as pessoas e as instituições. Como todos sabem que a imprensa é poder, há uma grande disputa por seus espaços e, nos dias de hoje, isso se dá a alta velocidade, mas existem fatos e afirmações que precisam de tempo, devem ser qualificadas. Uma característica importante da imprensa é que ela dispara as notícias muitas vezes sem retorno, ou com um retorno muito atenuado, o que a torna a arma mais afiada ainda. No quadro de concentração de poder existente hoje no Brasil a liberdade de imprensa adquire uma importância vital, que deve ser preservada. Herbert de Souza, o Betinho, 61, é sociólogo, diretor-geral do Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) e articulador nacional da Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida. Texto Anterior | Próximo Texto | Índice |
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