São Paulo, domingo, 09 de março de 2008

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Ponto de Fuga

Fotografia em família


Luciano Ferrez fascina-se pelas transformações que o Rio sofre: o desmonte do morro do Castelo, as construções modernas; são presenças vivas de metamorfoses

JORGE COLI
COLUNISTA DA FOLHA

Júlio e Luciano eram filhos, Gilberto era neto do grande Marc Ferrez (1843-1923), fotógrafo do século 19 brasileiro. Esses três descendentes se dedicaram à mesma arte e seus clichês formam o objeto de exposição no Centro Cultural Banco do Brasil (RJ).
Uma passagem do catálogo sintetiza assim: "Gilberto é o viajante e o aventureiro; Luciano é o engenheiro e o urbanista; Júlio é o cronista familiar e o comentarista social".
Esses temas preponderantes se interpenetram, porém, e as fotos, atravessando décadas, conservam um evidente ar... de família. São prodigiosas e muito mais do que documentos.
Seus autores dominam a luz como poucos, recusam as simplificações dos contrastes violentos, dosam matizes. As imagens se organizam sempre com equilíbrio e elegância.
Júlio capta cenas que combinam tom mundano e sensibilidade. Sabe sentir a dignidade apurada, a melancolia delicadamente existencial de seus retratados. Gilberto possui o talento de compor com segurança original paisagens vindas do Brasil todo e do mundo inteiro.
As colunas brancas e sólidas, desenhadas para a Carlton House Terrace pelo arquiteto John Nash (1752-1835), em Londres, foram apanhadas por sua lente em 1952: parecem dirigir-se para o infinito. Essa perspectiva é compartilhada por árvores enfileiradas e por pequenos personagens; o rigor é estrito, mas tudo vibra de sugestões indizíveis.
Luciano fascinava-se pelas transformações que o Rio de Janeiro sofria: o desmonte do morro do Castelo, as construções modernas. São presenças vivas de metamorfoses.
A objetiva busca também tipos populares e cenas urbanas pouco banais, como na formidável série da grande ressaca ocorrida em 1921.

É um assombro
Em poucas semanas encerra-se "Sassaricando - E o Rio Inventou a Marchinha", no Teatro Carlos Gomes, no Rio. É uma revista musical de Rosa Maria Araújo e Sérgio Cabral. Ficou um ano em cartaz, viajou para várias cidades. Um primor. Evoca o Carnaval que um dia, no passado, pôde ser leve e divertido.
Sem a menor vulgaridade, com um elenco perfeito, encabeçado por Eduardo Dussek e Soraya Ravenle, as marchinhas se sucedem. Brilham, têm letras espertas, às vezes críticas, às vezes poéticas. Foram tratadas musicalmente com talento e respeito por Luís Filipe de Lima. Quem não viu e puder ir, corra. Para quem não puder, há um DVD e um CD duplo do espetáculo (Biscoito Fino).

Fascínio
A arte feita no Brasil durante o século 19 continua sendo, de modo geral, pouco amada. Pairam sobre ela dois preconceitos: não seria moderna nem nacional. Mas, já há algum tempo, há sinais de mudança inteligente. Acabam de surgir alguns livros que tratam com amor e discernimento as artes no Brasil dos oitocentos.
Rafael Cardoso, num volume bonito, editado pela Record, agrupa ensaios estimulantes em "A Arte Brasileira em 25 Quadros (1790-1930)". Sonia Gomes Pereira escreveu, com fins didáticos, "A Arte Brasileira do Século 19" (editora C/Arte). Expõe um belo panorama: para quem começa a se interessar pelo assunto, é a obra indicada. Maraliz Vieira Christo organizou um dossiê sobre a pintura de história para os Anais do Museu Histórico Nacional: são estudos aprofundados, trabalhos de especialistas que descobrem e desvendam.
Enfim, Ruth Levy interroga a arquitetura "fin-de-siècle", no seu "Entre Palácios e Pavilhões - A Arquitetura Efêmera da Exposição Nacional de 1908" (EBA Publicações).


jorgecoli@uol.com.br


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