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HISTÓRIA
Para o historiador Kenneth Maxwell, o Brasil não desperta o interesse
de seus descobridores
O descaso de Portugal
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
O historiador inglês e brasilianista Kenneth Maxwell apresentou no auditório da Folha, no último dia 26, seu mais recente livro,
"Chocolate, Piratas e Outros Malandros - Ensaios Tropicais", editado pela Paz e Terra.
O volume reúne textos e resenhas escritas nas últimas três décadas para publicações como o
"The New York Review of
Books" e o Mais! e abrange, entre
outros temas, a pirataria no Atlântico nos séculos 17 e 18, a cultura
cacaueira no Brasil e a atual crise
econômica no governo FHC.
Ao responder a questões do público presente ao encontro, Maxwell apontou a iminência de modificações significativas, entre autores brasileiros, da visão predominante da história do descobrimento e da colonização brasileira.
Segundo o historiador, a possibilidade é tanto mais forte pelo fato de
os portugueses pouco ou nenhum
interesse mostrarem hoje pela
ex-colônia.
"Ao contrário da Inglaterra, que
permanece psicologicamente imperial e não aderiu ao Mercado
Comum Europeu, Portugal é um
dos melhores membros da União
Européia. Portugueses com menos de 40 anos estão perfeitamente
inseridos na Europa e têm uma
imagem muito curiosa do Brasil,
que não se encaixa em sua mentalidade. Já a geração de seus pais cala-se sobre a história: nostálgicos
do salazarismo, sublimaram um
período conflituoso e nada falam
sobre as guerras na África e a revolução. O Brasil quase inexiste em
sua compreensão", afirmou.
Analisando a pequena ligação
historiográfica entre Brasil e Portugal, Maxwell lembrou a mudança do fluxo de imigração portuguesa a partir de 1960, dirigida para Alemanha ou França, e a crescente cosmopolitização da literatura do país, com José Saramago e
outros autores.
Como sintoma da não-interação
entre as historiografias, lamentou
que apenas um autor brasileiro tenha contribuído nos cinco tomos
de uma recente publicação em Lisboa sobre a história da expansão
portuguesa no mundo. Para Maxwell, assim como ocorreu por ocasião dos 500 anos da América
-"quando Colombo passou gradualmente de herói a vilão"-,
surgirão a partir de agora reinterpretações do descobrimento do
Brasil, "não obstante o Itamaraty
tenha instituído uma comissão
com visão mais populista das celebrações".
"Vamos ver se há conflito no
Brasil neste ano e de que maneira
grupos culturais emergentes vão
reagir a essa portugalização da interpretação do descobrimento",
disse o historiador, que considera
a escravidão o principal fato da colonização brasileira. Segundo ele,
novas interpretações surgirão, a
exemplo do que já ocorreu em torno da figura de Tiradentes, "um
vilão reprimido pelo Império nos
séculos 18 e 19, mas quase um Jesus Cristo na República".
Sobre movimentos sociais recentes no Brasil, disse que a discussão sobre o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra é
quase suprimida na mídia internacional. "Porém o MST possui seu
próprio website, e atualmente há
no mundo forte interligação entre
movimentos por meio da Internet,
o que tem fortalecido grupos como os zapatistas mexicanos".
Na opinião do historiador, a
questão mais urgente no Brasil
atual é a do desemprego. Citando
o especulador George Soros, o
Consenso de Washington e a "democracia do livre comércio",
Maxwell ironizou que a crise brasileira tenha sido debelada. "Uma
manchete da revista "Time" até
comemorou o "salvamento" de
Wall Street". Ele lembrou que, segundo o Banco Mundial, "em um
mês, no Brasil, 5 ou 6 milhões de
pessoas saíram da baixa classe média para a pobreza, desmontando
conquistas de quatro ou cinco
anos".
"Impossível pensar que não haverá nenhuma reação social se a
economia brasileira continuar se
retraindo 4% ao ano, conforme as
previsões. E um dia as consequências desse fato se farão sentir também nos países centrais do sistema
capitalista", disse o historiador.
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