São Paulo, Domingo, 09 de Maio de 1999
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HISTÓRIA
Para o historiador Kenneth Maxwell, o Brasil não desperta o interesse de seus descobridores
O descaso de Portugal

ALVARO MACHADO
especial para a Folha

O historiador inglês e brasilianista Kenneth Maxwell apresentou no auditório da Folha, no último dia 26, seu mais recente livro, "Chocolate, Piratas e Outros Malandros - Ensaios Tropicais", editado pela Paz e Terra.
O volume reúne textos e resenhas escritas nas últimas três décadas para publicações como o "The New York Review of Books" e o Mais! e abrange, entre outros temas, a pirataria no Atlântico nos séculos 17 e 18, a cultura cacaueira no Brasil e a atual crise econômica no governo FHC.
Ao responder a questões do público presente ao encontro, Maxwell apontou a iminência de modificações significativas, entre autores brasileiros, da visão predominante da história do descobrimento e da colonização brasileira. Segundo o historiador, a possibilidade é tanto mais forte pelo fato de os portugueses pouco ou nenhum interesse mostrarem hoje pela ex-colônia.
"Ao contrário da Inglaterra, que permanece psicologicamente imperial e não aderiu ao Mercado Comum Europeu, Portugal é um dos melhores membros da União Européia. Portugueses com menos de 40 anos estão perfeitamente inseridos na Europa e têm uma imagem muito curiosa do Brasil, que não se encaixa em sua mentalidade. Já a geração de seus pais cala-se sobre a história: nostálgicos do salazarismo, sublimaram um período conflituoso e nada falam sobre as guerras na África e a revolução. O Brasil quase inexiste em sua compreensão", afirmou.
Analisando a pequena ligação historiográfica entre Brasil e Portugal, Maxwell lembrou a mudança do fluxo de imigração portuguesa a partir de 1960, dirigida para Alemanha ou França, e a crescente cosmopolitização da literatura do país, com José Saramago e outros autores.
Como sintoma da não-interação entre as historiografias, lamentou que apenas um autor brasileiro tenha contribuído nos cinco tomos de uma recente publicação em Lisboa sobre a história da expansão portuguesa no mundo. Para Maxwell, assim como ocorreu por ocasião dos 500 anos da América -"quando Colombo passou gradualmente de herói a vilão"-, surgirão a partir de agora reinterpretações do descobrimento do Brasil, "não obstante o Itamaraty tenha instituído uma comissão com visão mais populista das celebrações".
"Vamos ver se há conflito no Brasil neste ano e de que maneira grupos culturais emergentes vão reagir a essa portugalização da interpretação do descobrimento", disse o historiador, que considera a escravidão o principal fato da colonização brasileira. Segundo ele, novas interpretações surgirão, a exemplo do que já ocorreu em torno da figura de Tiradentes, "um vilão reprimido pelo Império nos séculos 18 e 19, mas quase um Jesus Cristo na República".
Sobre movimentos sociais recentes no Brasil, disse que a discussão sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra é quase suprimida na mídia internacional. "Porém o MST possui seu próprio website, e atualmente há no mundo forte interligação entre movimentos por meio da Internet, o que tem fortalecido grupos como os zapatistas mexicanos".
Na opinião do historiador, a questão mais urgente no Brasil atual é a do desemprego. Citando o especulador George Soros, o Consenso de Washington e a "democracia do livre comércio", Maxwell ironizou que a crise brasileira tenha sido debelada. "Uma manchete da revista "Time" até comemorou o "salvamento" de Wall Street". Ele lembrou que, segundo o Banco Mundial, "em um mês, no Brasil, 5 ou 6 milhões de pessoas saíram da baixa classe média para a pobreza, desmontando conquistas de quatro ou cinco anos".
"Impossível pensar que não haverá nenhuma reação social se a economia brasileira continuar se retraindo 4% ao ano, conforme as previsões. E um dia as consequências desse fato se farão sentir também nos países centrais do sistema capitalista", disse o historiador.


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