São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2008

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+ literatura

Ironia de mão única

Reunião de artigos, ensaios e resenhas, "O Segundo Avião" mostra o escritor britânico Martin Amis sucumbindo aos clichês ao falar de temas como nazismo e 11 de Setembro

SUHAYL SAADI

Esta coletânea de ensaios, artigos e resenhas ["The Second Plane", O Segundo Avião, de Martin Amis, ed. Jonathan Cape, 214 págs., 12,99, R$ 45] delineia a trajetória política de seu autor desde a destruição do World Trade Center, em 2001.
O texto inicial evoca com sensibilidade o período posterior aos terríveis acontecimentos em Nova York, enquanto "A Guerra Errada" identifica com presciência a desastrosa centrifugalidade e a "ramificação natural de puro poder" que foi a invasão do Iraque.
Amis explora a posição do escritor em relação à religião e expõe habilmente o espaço interno comum ao terrorismo imagístico e à TV-realidade: "A canonização do ninguém".
O protagonista de "Os Últimos Dias de Muhammad Atta" descende de Camus; o islamismo é tanto um espetáculo pornográfico quanto um puritanismo nativista. Mas a compreensão do islã e do islamismo pelo autor continua inadequada. Ele tende a descontar a violência infligida à periferia econômica e demonstra grande ignorância de história, economia e política globais. Sua hábil identificação da "derrocada moral" que supostamente levou ao 11 de Setembro ignora de maneira conveniente o descarrilamento do trem da história e a amoralidade sistêmica dos impérios e Estados-nação. Amis critica acertadamente
o reducionismo cultural do islã. Em sua "vacuidade intelectual", essa pantomima malévola é um paradigma de patriarcado, humilhação neocolonial e interesse financeiro.

Figurações medievais
Mas, para Amis -e para os islâmicos, igualmente-, o mundo ficou simples. Ele acompanha agentes psíquicos, como o historiador Bernard Lewis, na desinformação, em figurações medievais e na fixação vitoriana por sexo e camelos.
Assim como sua ironia, sua compaixão é basicamente unipolar. Em outro texto, nos é informado que os nazistas eram "pagãos", que a Primeira Guerra Mundial foi "feita em Berlim" e, em uma contradição borgesiana de seu ser anterior, que a intenção de George W. Bush ao invadir o Iraque foi "uma dramática (e, de modo geral, benigna) expansão do poder norte-americano".
Ao contrário dos romances e do teatro, a vida não é redutível nem dualista, e Amis presta um grande desserviço ao fingir o contrário. É triste, mas revelador, que um homem tão talentoso tenha abolido a razão e adotado as sirenes da destruição. Este livro é um documento de rendição.


A íntegra deste texto saiu no "Independent".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

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