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+ literatura
Ironia de mão única
Reunião de artigos, ensaios e resenhas, "O Segundo Avião" mostra o escritor britânico
Martin Amis sucumbindo aos clichês ao falar de temas como nazismo e 11 de Setembro
SUHAYL SAADI
Esta coletânea de ensaios, artigos e resenhas ["The Second
Plane", O Segundo
Avião, de Martin
Amis, ed. Jonathan Cape, 214
págs., 12,99, R$ 45] delineia a
trajetória política de seu autor
desde a destruição do World
Trade Center, em 2001.
O texto inicial evoca com
sensibilidade o período posterior aos terríveis acontecimentos em Nova York, enquanto "A
Guerra Errada" identifica com
presciência a desastrosa centrifugalidade e a "ramificação
natural de puro poder" que foi
a invasão do Iraque.
Amis explora a posição do escritor em relação à religião e
expõe habilmente o espaço interno comum ao terrorismo
imagístico e à TV-realidade: "A
canonização do ninguém".
O protagonista de "Os Últimos Dias de Muhammad Atta"
descende de Camus; o islamismo é tanto um espetáculo pornográfico quanto um puritanismo nativista.
Mas a compreensão do islã e
do islamismo pelo autor continua inadequada. Ele tende a
descontar a violência infligida à
periferia econômica e demonstra grande ignorância de história, economia e política globais.
Sua hábil identificação da
"derrocada moral" que supostamente levou ao 11 de Setembro ignora de maneira conveniente o descarrilamento do
trem da história e a amoralidade sistêmica dos impérios e Estados-nação.
Amis critica acertadamente
o reducionismo cultural do islã.
Em sua "vacuidade intelectual", essa pantomima malévola é um paradigma de patriarcado, humilhação neocolonial
e interesse financeiro.
Figurações medievais
Mas, para Amis -e para os islâmicos, igualmente-, o mundo ficou simples. Ele acompanha agentes psíquicos, como o
historiador Bernard Lewis, na
desinformação, em figurações
medievais e na fixação vitoriana por sexo e camelos.
Assim como sua ironia, sua
compaixão é basicamente unipolar. Em outro texto, nos é informado que os nazistas eram
"pagãos", que a Primeira Guerra Mundial foi "feita em Berlim" e, em uma contradição
borgesiana de seu ser anterior,
que a intenção de George W.
Bush ao invadir o Iraque foi
"uma dramática (e, de modo geral, benigna) expansão do poder norte-americano".
Ao contrário dos romances e
do teatro, a vida não é redutível
nem dualista, e Amis presta um
grande desserviço ao fingir o
contrário. É triste, mas revelador, que um homem tão talentoso tenha abolido a razão e
adotado as sirenes da destruição. Este livro é um documento
de rendição.
A íntegra deste texto saiu no "Independent".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.
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