São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2008

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Arthur, um sedutor

Sai na França "Correspon-dência" de Rimbaud, que reúne todas as respostas e todos os documentos ligados às cartas do poeta

PATRICK KÉCHICHIAN

Se compararmos esta obra de mil páginas ao volume real da correspondência conhecida de Rimbaud -21 cartas para o período literário (1870-1875) e 194 para os anos de 1876-1891-, a desproporção salta aos olhos. Mas o autor das "Iluminações" suscita, à altura de seu gênio, um entusiasmo específico.
Jean-Jacques Lefrère, que também é hematólogo e professor de medicina, publicou nos últimos sete anos, além de uma biografia de referência (Fayard, 2001), vários álbuns de documentos autógrafos e fotografias em torno de Rimbaud. A notável edição que fez dessa "Correspondência" é provavelmente única no gênero. Ela reúne, anota e comenta todas as respostas e todos os documentos ligados às cartas do poeta.
"Como a parte propriamente literária ocupa menos de 200 das mil páginas", explica Jean-Jacques Lefrère, "é menos a correspondência de um "escritor" -sempre temos dificuldade para classificar Rimbaud nessa categoria quase profissional- que a de um negociante em importação-exportação no final do século 19, em plena Abissínia".
"Muitas cartas de Rimbaud, escritas entre 1870 e 1875, ano provável de seu abandono da literatura, não foram conservadas, mas a raridade das que sobreviveram confere a cada uma delas um interesse de primeiro plano."
Sobre o método, continua Lefrère, "pareceu-me útil colocar sob os olhos do leitor o que se escreveu e às vezes imprimiu sobre Rimbaud. Depois de tudo reunido, bastou aplicar a ordem cronológica dos documentos para ver a que ponto a existência de Rimbaud e a descoberta de sua obra foram linhas paralelas, que nunca se cruzaram".
"A primeira coletânea de suas poesias, intitulada "Reliquaire", foi posta à venda nas livrarias de Paris poucas horas após sua morte, em Marselha. A glória e a morte disputaram uma corrida e chegaram empatadas."
A ambição desta edição é reduzir ou explicar o famoso "mito Rimbaud"? Então o editor, como que espicaçado, responde com vivacidade: "Querer combater o mito de Rimbaud com um volume como este, da edição de sua correspondência, é mais ou menos como construir um bolo de areia ao lado da pirâmide de Quéops. Na verdade, o mito de Rimbaud só desaparecerá quando for substituído por outro mito."

Dívida antiga
Jean-Jacques Lefrère anuncia praticamente no prefácio uma próxima edição das cartas trocadas após a morte de Rimbaud "pelos que se interessavam por sua poesia ou sua lenda nascente". "O projeto é reunir o que foi escrito ou impresso sobre Rimbaud entre 10 de novembro de 1891, dia de sua morte, e os anos 1930. O canteiro está aberto e é coletivo. Ele pretende terminar logo com Rimbaud?
"Espero, realmente, mas sem acreditar totalmente. Cada vez eu me digo que é meu último volume sobre Rimbaud e anuncio isso aos meus próximos. E cada vez um novo projeto me atrai, e o único meio de me livrar dele é afinal realizá-lo", analisa Lefrère, antes de continuar sua introspecção.
"Na verdade, eu reembolso uma dívida antiga com Rimbaud, cuja obra foi importante para mim. Tenho várias dívidas desse gênero, aliás, mas, como se trata de escritores desaparecidos há muito tempo, são credores cujo comércio continua suportável e até agradável. Em suma, de Rimbaud eu certamente tirarei férias um dia, assim como, no dia de nossa morte, temos certeza de que não viveremos nem mais um dia."


A íntegra deste texto saiu no "Le Monde".
Tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves.

ARTHUR RIMBAUD - CORRESPONDANCE
Autor:
Jean-Jacques Lefrère
Editora: Fayard
Quanto: 59, R$ 150 (1.032 págs.)


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