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2 - Sexualidade e cultura
Folha - A dimensão propriamente
artística de que você fala parece pouco lembrada, hoje, quando se comenta o legado dos anos 60.
Paglia - Uma dimensão gigantesca
desse legado foi esquecida, que foi
precisamente a dimensão cultural.
De um lado, a ambição de fundir todas as artes. De outro, uma visão
abrangente da natureza -que desapareceu por completo do ambiente
universitário, graças ao pós-estruturalismo. O predomínio do pós-estruturalismo constitui uma verdadeira ofensa aos princípios vitais.
Uma incapacidade de perceber a potência e fertilidade da natureza e de
como ela se vincula à nossa biologia,
nossa sexualidade.
Nas universidades, hoje, o que se
ensina é que ao nascer somos tábula
rasa e que a sociedade vem inscrever
suas opressões sobre nós, em termos
de gênero sexual, por exemplo. De
minha parte, acredito na androginia
(e já escrevi muito sobre o tema),
acredito que os grandes artistas são,
em certo sentido, andróginos.
Mas, pelo amor de Deus!, o masculino e o feminino existem. E há, entre
eles, uma eletricidade incrível. Mas,
nas universidades, todo mundo agora é eunuco.
Folha - Lawrence Summers está tendo sua dose de problemas por conta
disso, em Harvard [diretor administrativo da universidade, Summers declarou numa reunião do conselho que
a menor ocorrência de mulheres nas
ciências exatas talvez tenha causa
biológica; desde então, vem sendo alvo de protestos e processos].
Paglia - Ele não se preparou muito
bem, infelizmente, para o tamanho
da questão que levantou. Bastou
quase dizer que homens e mulheres
talvez tenham aptidões diferentes de
nascença para que houvesse uma
grita geral, de um lado a outro do
país. Uma professora do MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts] que estava na famigerada reunião nem esperou o final da frase!
Saiu correndo da sala e ligou para o
[jornal] "Boston Globe". Esse é o
grau de censura ao pensamento que
se vive hoje em dia, neste país.
Folha - O elogio da natureza está
por toda parte no que escreve. Mas
você também é uma observadora e
defensora das criações da cultura.
Paglia - Justamente o que vocês,
brasileiros, entenderam tão bem no
meu trabalho: a glorificação da natureza, sim, mas ao mesmo tempo um
interesse profundo pelo artifício, pela vestimenta, pela "persona" [o papel assumido por cada um] -pelo
Carnaval, se você quiser. É isso o que
eu vejo no meu trabalho. E são elementos muito presentes na cultura
brasileira, não são? A magnitude das
forças naturais e a magnitude do artifício. É preciso ver os dois lados simultaneamente.
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