São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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2 - Sexualidade e cultura

Folha - A dimensão propriamente artística de que você fala parece pouco lembrada, hoje, quando se comenta o legado dos anos 60.
Paglia -
Uma dimensão gigantesca desse legado foi esquecida, que foi precisamente a dimensão cultural. De um lado, a ambição de fundir todas as artes. De outro, uma visão abrangente da natureza -que desapareceu por completo do ambiente universitário, graças ao pós-estruturalismo. O predomínio do pós-estruturalismo constitui uma verdadeira ofensa aos princípios vitais. Uma incapacidade de perceber a potência e fertilidade da natureza e de como ela se vincula à nossa biologia, nossa sexualidade.
Nas universidades, hoje, o que se ensina é que ao nascer somos tábula rasa e que a sociedade vem inscrever suas opressões sobre nós, em termos de gênero sexual, por exemplo. De minha parte, acredito na androginia (e já escrevi muito sobre o tema), acredito que os grandes artistas são, em certo sentido, andróginos.
Mas, pelo amor de Deus!, o masculino e o feminino existem. E há, entre eles, uma eletricidade incrível. Mas, nas universidades, todo mundo agora é eunuco.

Folha - Lawrence Summers está tendo sua dose de problemas por conta disso, em Harvard [diretor administrativo da universidade, Summers declarou numa reunião do conselho que a menor ocorrência de mulheres nas ciências exatas talvez tenha causa biológica; desde então, vem sendo alvo de protestos e processos].
Paglia -
Ele não se preparou muito bem, infelizmente, para o tamanho da questão que levantou. Bastou quase dizer que homens e mulheres talvez tenham aptidões diferentes de nascença para que houvesse uma grita geral, de um lado a outro do país. Uma professora do MIT [Instituto de Tecnologia de Massachusetts] que estava na famigerada reunião nem esperou o final da frase! Saiu correndo da sala e ligou para o [jornal] "Boston Globe". Esse é o grau de censura ao pensamento que se vive hoje em dia, neste país.

Folha - O elogio da natureza está por toda parte no que escreve. Mas você também é uma observadora e defensora das criações da cultura.
Paglia -
Justamente o que vocês, brasileiros, entenderam tão bem no meu trabalho: a glorificação da natureza, sim, mas ao mesmo tempo um interesse profundo pelo artifício, pela vestimenta, pela "persona" [o papel assumido por cada um] -pelo Carnaval, se você quiser. É isso o que eu vejo no meu trabalho. E são elementos muito presentes na cultura brasileira, não são? A magnitude das forças naturais e a magnitude do artifício. É preciso ver os dois lados simultaneamente.


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