São Paulo, domingo, 10 de maio de 2009

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Cartas-BOMBA

EM TROCA DE MENSAGENS, STEVEN JOHNSON DEFENDE A WEB COMO ESPAÇO DE AMPLIAÇÃO DA CIDADANIA, ENQUANTO PAUL STARR DIZ QUE MÍDIA IMPRESSA É CENTRAL PARA O COMBATE À CORRUPÇÃO E PARA A SOBREVIVÊNCIA DA DEMOCRACIA

Alex Wong - 1º.mai.09/Getty Images/France Presse
Jornais à venda em máquinas em Washington, nos EUA

ECOSSISTEMA

6 de abril de 2009 Prezado Paul,

Comecemos pelos pontos sobre os quais provavelmente concordamos. Em primeiro lugar, os jornais historicamente forneceram e fornecem bens cívicos e públicos essenciais para uma cultura democrática saudável.
Em segundo, eles se encontram em situação financeira difícil, em razão de transformações de longo prazo operadas em grande medida pela internet, também em razão da crise econômica -que esperamos ser de curto prazo- e, no caso de alguns jornais, por decisões financeiras insensatas de seus proprietários.
Sejam quais forem as causas subjacentes, porém, acho que você e eu concordamos que, dentro de cinco ou dez anos, o setor dos jornais -e, portanto, seu produto editorial- terá aparência fundamentalmente diferente da atual.
A dúvida é se vai ou não emergir um novo modelo que forneça os bens públicos antes garantidos pelos jornais por meio de seus monopólios locais que geravam alta margem de lucro (pelo menos nos EUA).
Acho que existem boas razões para pensar que o sistema de notícias que está se desenvolvendo on-line será melhor que o modelo dos jornais com o qual convivemos nos últimos cem anos.
Uma maneira de enxergar essa transformação é pensar na mídia como um ecossistema.
Na maneira como ela circula a informação, a mídia de hoje é, de fato, muito mais próxima de um ecossistema do que era o velho modelo industrial e centralizado da mídia de massas.
O novo mundo é mais diversificado e interligado. É um sistema no qual as informações fluem com mais liberdade. Essa complexidade o torna interessante, mas dificulta as previsões de como será sua aparência em cinco ou dez anos.

Ecossistemas
Em vez de começar pelo futuro, proponho que olhemos para o passado.
Quando os ecologistas pesquisam os ecossistemas naturais, procuram as florestas mais antigas, onde a natureza teve mais tempo para evoluir.
Para estudar as florestas tropicais, não analisam um campo desmatado dois anos antes.
Por analogia, devemos examinar as partes do noticiário on-line que passaram por uma evolução mais longa.
Uma dessas áreas é a reportagem sobre a própria tecnologia. Esta vem crescendo e se diversificando há décadas, fazendo dela uma floresta antiga de notícias on-line.
Tomemos a política como outro exemplo. A primeira eleição presidencial que acompanhei de maneira obsessiva foi em 1992. Todo os dias o "New York Times" publicava um punhado de matérias sobre escalas nas campanhas, debates ou pesquisas de opinião.
Todas as noites eu assistia a programas da TV a cabo para ouvir o que os palpiteiros tinham a dizer sobre os acontecimentos do dia. Lia "Newsweek", "Time" e "New Republic" e vasculhava a "New Yorker" em busca de seus ocasionais artigos políticos.
É verdade que tudo isso estava longe de constituir um deserto de noticiário. Mas compare-se o que havia então com as informações disponíveis na eleição de 2008.
Tudo que existia em 1992 ainda estava presente, mas fazia parte de uma nova e vasta floresta de notícias, dados, opiniões, sátira -e, o que possivelmente seja mais importante, experiências diretas.
Sites como Talking Points Memo e Politico faziam reportagem direta. Blogs como o Daily Kos traziam relatos aprofundados sobre corridas individuais, algo que o "New York Times" jamais teria tinta suficiente para cobrir.
Blogueiros como Andrew Sullivan reagiam a cada nova virada no ciclo noticiário, e novos analistas como Nate Silver, no Fivethirtyeight.com, faziam análises de pesquisas que superavam de longe qualquer coisa oferecida pela CNN.
Pense no discurso de Barack Obama sobre a questão racial, possivelmente um dos acontecimentos-chave da campanha. Oito milhões de pessoas o acompanharam no YouTube.
Teriam as redes de TV transmitido esse discurso na íntegra em 1992? Com certeza, não. Ele teria sido reduzido a um minuto no noticiário noturno. A CNN talvez o tivesse transmitido ao vivo, para 500 mil pessoas. A Fox News e a MSNBC nem sequer existiam.
Para mim, não há dúvida de que o ecossistema do noticiário político em 2008 foi muito, muito superior ao de 1992.
Algumas pessoas argumentam que essa nova diversidade é parasítica: os blogueiros são interessantes, é claro, mas, se as organizações noticiosas tradicionais perdessem peso, os blogueiros não teriam mais sobre o que escrever.

Amadurecimento
Isso talvez fosse verdade no início desta década, mas não é mais. Imagine quantos barris de tinta foram comprados para imprimir comentários em jornais sobre a gafe de Obama em relação a "pessoas que se apegam a suas armas e à religião".
Mas essa frase não foi reportada originalmente pelo "New York Times" ou o "Wall Street Journal", e sim pelo Huffington Post. Não é que os jornais irão desaparecer -é apenas que deixarão de ser a espécie dominante.
A cobertura política da campanha de 2008 foi fértil pelas mesmas razões por que a cobertura das notícias na web é fértil: porque a web já é uma mídia de crescimento antigo.
As primeiras ondas de blogs eram focadas na tecnologia; mais tarde, se voltaram à política. Agora, as coberturas de esportes, economia, cinema, livros, restaurantes e notícias locais -todas os temas padrões do velho formato dos jornais- estão proliferando on-line. Há mais perspectivas e mais profundidade.
E isso é apenas o crescimento mais recente. As notícias on-line estão apenas começando a amadurecer.
Cordialmente,
Steven


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