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Idas e vindas de um tribunal
Luís Francisco Carvalho Filho
Articulista da Folha
O Supremo Tribunal Federal, órgão de cúpula do Judiciário no
Brasil, não costuma merecer a
atenção de pesquisadores. Não
é da nossa tradição. No entanto a história
do STF pode ser uma chave para a compreensão das instituições brasileiras. Só
por isso, o lançamento da obra de Emília
Viotti da Costa deve ser bem recebido.
Nas mãos de um punhado de homens
normalmente ilustres e recrutados da elite conservadora está depositado o poder
de interpretar, em última instância, o
texto da Constituição. O STF estabelece
contornos para o direito de propriedade,
fixa parâmetros para as repressões policial e judicial, resolve conflitos entre
União e Estados, preenche vazios deixados pelo Legislativo.
Suas decisões podem criar embaraços
a governantes, conter ou estimular políticas públicas.
Um caso sem importância aparente,
absolutamente ignorado pela mídia, envolvendo interesses de pessoas anônimas, é capaz de acentuar a eficácia ou a
ineficácia de garantias individuais preciosas, como a privacidade, interferindo
concretamente no cotidiano das pessoas.
Seu entendimento sobre determinada
questão adquire vôo próprio e se aplica
nos mais distantes pontos do território.
Para dimensionar o papel desempenhado pelo STF, vale lembrar um episódio recente. Fernando Collor de Mello
assumiu a Presidência e simplesmente
confiscou a economia da população brasileira com a promessa de devolvê-la
anos depois, entre outros decretos controvertidos. Foi uma das intervenções
governamentais mais drásticas da história. O STF só iria apreciar a constitucionalidade da medida quando a decisão já
era praticamente inócua... Lentidão? Razões de Estado? Governismo?
Nem sempre o valor jurídico prepondera nos julgamentos. O Supremo tem, a
priori, uma feição política. Temeroso de
criar impasses, é muitas vezes ambíguo,
ocultando-se na tecnicalidade processual para deixar de examinar a essência
de um conflito e, assim, resistir, aderir ou
se omitir.
O livro de Emília Viotti da Costa relata
a trajetória do tribunal, desde a criação,
em 1890, até a Constituição de 1988,
quando readquiriu independência formal. Um século de intercorrências políticas graves: estado de sítio, regime de exceção, arbítrio, violência, anistia. A autora lembra que o STF "é ao mesmo tempo
agente e paciente dessa história".
É particularmente interessante o relato
dos seus primeiros anos: o estabelecimento de uma doutrina progressista e
original para o habeas corpus, a complacência do tribunal diante da perseguição
de monarquistas e anarquistas, a disposição de fazer valer o chamado
"preceito higiênico", ainda que pelo emprego da força, conferindo à autoridade
sanitária o poder de vacinar, sanear, interditar edifícios, fiscalizar abate de animais etc. Desgostoso com a atuação do
STF, o presidente Floriano Peixoto indicaria em 1893 um médico
para uma de suas vagas,
ato não ratificado pelo
Congresso, dada a falta de
saber jurídico do ministro. Curiosamente, um
médico está no centro da
crise interna e regimental
dos dias atuais.
A obra informa que, ao
longo do tempo, o Supremo garantiu liberdades, confiscou outras, cometeu pecados. Permitiu que Olga Benário, mulher de Luis Carlos Prestes, comunista, judia e grávida, fosse deportada para a Alemanha de Hitler, onde
morreria num campo de concentração
nazista. Confirmou a ilegalidade do Partido Comunista justamente no intervalo democrático que o país experimentava entre a Constituição de 46 e o golpe de
64.
Em algumas ocasiões,
criou obstáculos para o
Executivo. Noutras, deixou de apreciar ilegalidades clamorosas. Sofreu retaliações: ministros foram aposentados
compulsoriamente por Getúlio e pelo regime militar.
O trabalho da historiadora traz a súmula dos principais acontecimentos políticos do país no período, a repercussão
no STF e o perfil biográfico dos seus integrantes. Sua grande qualidade é o acervo
de pautas de estudo que oferece, o sinal
de que a instituição não interessa apenas
a juristas.
O Judiciário é o menos observado dos
três Poderes: seus bastidores, suas influências, suas nomeações. Pressuposto
de qualquer iniciativa de reforma, a medida mais eficaz para realizar um controle efetivo de sua atuação talvez seja conhecê-lo. Mais e melhor.
Supremo Tribunal Federal
e Construção da Cidadania
222 págs., R$ 65,00
de Emília Viotti da Costa. Instituto de Estudos Jurídicos e Econômicos (r. Augusta, 2.705, 3º
andar, conjunto 31, CEP 01413-100, SP, tel. 0/xx/3039-7019).
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