São Paulo, domingo, 10 de junho de 2007

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Um roteiro do século 20

Clássico da história do estruturalismo descreve a experiência intelectual francesa dos últimos 50 anos

VLADIMIR SAFATLE
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não pretendemos mostrar como os homens pensam nos mitos, mas como os mitos se pensam nos homens, e à sua revelia.
E, como sugerimos, talvez convenha ir ainda mais longe, abstraindo todo sujeito para considerar que, de um certo modo, os mitos se pensam entre si".
Quando enfim escrevermos a história intelectual do século 20, certamente essas frases de Lévi-Strauss serão lembradas como a síntese de um dos momentos mais decisivos do que chamamos ainda de "ciências humanas".
Momento no qual um conjunto extenso de pesquisadores vindo de áreas como a antropologia (Lévi-Strauss, Dumézil), a lingüística (Jakobson, Benveniste), a psicanálise (Lacan), a filosofia (Althusser, Foucault), a semiologia (Greimas) e a teoria literária (Barthes) se reuniu sob a bandeira de um verdadeiro programa interdisciplinar visando a reconstruir o padrão de racionalidade de campos empíricos de saberes.
Um momento que recebeu o nome de estruturalismo.

Estrutura, não o homem
A aposta estruturalista consistia em mostrar como o verdadeiro objeto das ciências humanas não era o homem, mas as estruturas sociais e lingüísticas que o determinam, ou seja, esse sistema de regras e leis que fala por meio das nossas palavras, que age por meio das nossas ações.
Animado por um anti-humanismo militante assim como pela crítica ao historicismo e ao etnocentrismo e pela paixão da formalização, o estruturalismo representou o instante da história intelectual do Ocidente no qual a autocrítica do sujeito moderno e de suas ilusões de "espontaneidade" alcançou o espectro das ciências humanas como um todo.
Instante cujo ápice ocorreu na França dos anos 50 e 60, para depois dar lugar a desdobramentos que, mesmo sendo críticos quanto ao legado estruturalista, não seriam possíveis sem ele.
É a história desse momento fundamental da vida intelectual do século 20 que François Dosse procura descrever nos dois volumes de seu "História do Estruturalismo".
Escrito no final dos anos 80 e editado pela primeira vez no Brasil dos anos 90, o livro ganha agora uma reedição bem cuidada.
De fato, mesmo que vários outros estudos sobre o estruturalismo tenham aparecido desde então (vale lembrar sobretudo de "Le Périple Structural" [O Périplo Estrutural], de Jean-Claude Milner), o trabalho de Dosse guarda ainda sua importância.
Trata-se de um estudo de sociologia das idéias fundado em uma cuidadosa pesquisa de arquivos e entrevistas com vários personagens-chave da época.
Nesse sentido, mesmo que as análises dos projetos individuais pequem muitas vezes pelo caráter panorâmico e esquemático, a constituição de uma ampla sociologia dos intelectuais franceses do pós-guerra é de grande valia. Pois Dosse compõe um importante quadro, em que histórias das instituições acadêmicas, do mundo editorial e das influências intelectuais se entrecruzam.
O livro serve assim não apenas como introdução ao estruturalismo mas como abertura à experiência intelectual francesa dos últimos 50 anos. Tal objetivo é alcançado também devido ao fato de o livro ser a descrição da gênese, da ascensão e da queda do pensamento estrutural.

Lévi-Strauss x Sartre
A gênese nos remete ao Círculo Lingüístico de Praga e à etnologia de Durkheim. No momento da ascensão, o objeto maior é a luta ruidosa entre a fenomenologia e o estruturalismo pela hegemonia do debate de idéias em solo gaulês.
Essa luta se desdobra em várias frentes, como, por exemplo, a polêmica de Lévi-Strauss com Sartre ou as querelas do marxismo althusseriano contra a dialética hegeliana (a verdadeira "bête-noire" do estruturalismo).
Na queda, o objeto é essa "ruptura interna" que levará antigos estruturalistas, como Foucault, a se aproximarem de uma geração marcada pelas leituras de Nietzsche e Heidegger - a geração "pós-estruturalista" de Deleuze, Derrida e Lyotard.

Lacan esquecido
No entanto o livro perde infelizmente a oportunidade de analisar de maneira adequada o caso de Jacques Lacan: o único entre os intelectuais marcados pelo estruturalismo que, à sua maneira, procurou absorver todos esses momentos maiores da experiência intelectual francesa.
Mas a riqueza de articulações e peculiaridades apenas demonstra como o estudo do estruturalismo é indispensável para a compreensão do que foi, afinal de contas, o século 20.
Um século cujas utopias e nomes ainda marcam o horizonte do nosso presente.
HISTÓRIA DO ESTRUTURALISMO
Autor: François Dosse
Tradução: Álvaro Cabral
Editora: Edusc
(tel. 0/xx/14/ 3235-7111)
Quanto: Vol. 1: R$ 53 (516 págs.); vol. 2: R$ 57 (576 págs.)
VLADIMIR SAFATLE é professor no departamento de filosofia da USP e autor de "A Paixão do Negativo - Lacan e a Dialética" (Unesp).


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